A professora italiana Fabrizia Raguso, uma das primeiras a fazer parte da Comunidade Loyola e que acusa o padre Marko Rupnik, ex-jesuíta, de abuso, explicou por que  publicou uma carta aberta com outras acusadoras de Rupnik após um relatório da diocese de Roma sobre o Centro Aletti, fundado pelo padre esloveno em Roma.

“Eu pessoalmente não posso ficar parada esperando que tudo seja decidido pelas nossas costas, sem ser informadas de nada e sem poder participar do nosso destino”, disse Raguso em entrevista ao La Nueva Brújula Cotidiana.

“Embora já tenha solicitado e recebido o indulto [de saída] e, portanto, esteja completamente liberada da Comunidade [Loyola], sinto, no entanto, uma responsabilidade, tanto civil como eclesial, para que tudo o que aconteceu nestes trinta anos saia à luz e que a justiça seja feita”, disse.

“Muitas das irmãs ainda estão bastante mal e nunca receberam nenhuma ajuda, nem material nem psicológica. As outras que assinaram comigo, de alguma forma, com nuances certamente pessoais, sentem o mesmo”, disse ela.

O padre Rupnik, que já foi o pregador das meditações da Quaresma para a Cúria da Santa Sé, é cofundador da Comunidade Loyola com Ivanka Hosta na Eslovênia, que surgiu na década de 1980 e onde alegadamente abusou de freiras adultas.

Após uma investigação preliminar confiada à Companhia de Jesus, a então Congregação para a Doutrina da Fé (CDF) “determinou que os fatos em questão prescreveram e, por isso, encerrou o processo no início de outubro deste ano de 2022”, segundo um comunicado dos jesuítas datado de 2 de dezembro do ano passado.

A carta aberta das vítimas do padre Rupnik

Um grupo de acusadoras do padre Marko Rupnik, expulso da Companhia de Jesus (jesuítas), publicou uma carta aberta no dia 19 de setembro na qual expressava o seu escândalo e consternação após o relatório da diocese de Roma sobre o Centro Aletti.

A carta, publicada em seis idiomas, é assinada por várias mulheres que fizeram parte da Comunidade Loyola, como Raguso, professora auxiliar de Psicologia na Universidade Católica Portuguesa de Braga; Mira Stare, Doutora em Teologia pela Universidade de Innsbruck; Gloria Branciani, graduada em Filosofia; Vida Bernard, graduada em Teologia; Mirjam Kovac, Doutora em Direito Canônico; e Jožica Zupančič, doutora em Missiologia.

“Os fatos e os comunicados que se sucederam nos últimos dias - a audiência privada, mais tarde tornada pública através de imagens que apareceram na Internet, concedida pelo papa a Maria Campatelli, já religiosa da Comunidade Loyola e atual presidente do Centro Aletti; e o comunicado emitido hoje com o relatório final da visita canónica feita à comunidade do Centro Aletti - estes fatos deixam-nos sem palavras, sem voz para gritar a nossa consternação, o nosso escândalo”, diz a carta dirigida primeiramente ao papa Francisco.

A carta denuncia também que o relatório da diocese de Roma “ridiculariza a dor das vítimas, mas também de toda a Igreja, mortalmente ferida por uma arrogância tão ostensiva”.

Marko Rupnik e Ivanka Hosta “são verdadeiramente perigosos”

Na entrevista ao The New Everyday Compass, Raguso diz que as signatárias da carta aberta se sentem “responsáveis ​​por todas as outras pessoas que ainda possam estar envolvidas nas conspirações de Rupnik e Ivanka, especialmente se forem jovens”.

“Além da maneira astuta de Rupnik de se insinuar na vida civil, cultural e eclesial, Ivanka sempre continuou em busca de 'vocações'. Ela estava preocupada não apenas com o fato de a comunidade não estar crescendo, mas também com o fato de muitas terem saído com o tempo”, acrescenta.

Raguso alerta que o padre Marko Rupnik e Ivanka Hosta “são verdadeiramente perigosos, devem ser detidos definitivamente. Agora, diante desta tentativa torpe, mas também arrogante, de reabilitar Rupnik e o Centro Aletti, sentimos que esperar pela verdade e pela justiça das autoridades eclesiais foi uma perda de tempo”.

“Tínhamos que dar um passo decisivo: escrever uma carta aberta e colocar os nossos nomes e títulos acadêmicos foi uma forma de dar rosto e nome às vítimas e contrariar a ideia pré-concebida de que as vítimas são ‘vulneráveis’ porque não se dão conta disso ou são pouco instruídas”, acrescenta.

Depois de dizer que “na vida espiritual, o abuso destrói a relação da pessoa abusada com Deus”, a professora comentou que depois do abuso ela sempre viu Rupnik “como um verdadeiro narcisista e ansioso por se afirmar, por ganhar fama e poder; muito irritado quando contrariado”.

O relatório da diocese de Roma sobre o Centro Aletti

No dia 18 de setembro, a diocese de Roma divulgou um comunicado sobre a visita canônica feita ao Centro Aletti, fundado pelo padre Rupnik, com o objetivo de “investigar a dinâmica da Associação”.

Padre Giacomo Incitti, professor de Direito Canônico da Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma e responsável pela investigação, diz no relatório que “há uma vida comunitária saudável no Centro Aletti, livre de problemas específicos”.

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A visita também examinou “as principais acusações feitas contra o padre Rupnik, sobretudo aquela que levou ao pedido de excomunhão”.

“Com base no copioso material documental estudado, o visitador pôde verificar e, portanto, apontar procedimentos seriamente anômalos, cujo exame gerou dúvidas bem fundamentadas até mesmo em relação ao próprio pedido de excomunhão”, diz o relatório da diocese de Roma.

O padre Marko Rupnik foi brevemente excomungado em 2019 por absolver um cúmplice de um pecado contra o Sexto Mandamento na Confissão.

“Acredito que uma Igreja tão dilacerada por estas conspirações pouco claras não conseguirá resistir por muito mais tempo. Dói-me sinceramente que os bispos ainda não compreendam que esconder o mal destrói a Igreja; não a preserva de forma alguma”, conclui Raguso.