Acusadoras de abuso espiritual e sexual pelo padre Marko Rupnik expressaram ontem (19) “perplexidade” com a declaração da diocese de Roma elogiando o Centro Alletti de arte e teologia fundado pelo ex-jesuíta esloveno, dizendo que “ridiculariza a dor das vítimas” e mostra pouco atenção aos que buscam justiça.

Em carta aberta publicada em 19 de setembro, ex-membros da comunidade religiosa eslovena de Rupnik disseram ter ficado “sem palavras” com o relatório final da diocese sobre a investigação canônica do Centro Aletti, uma escola de arte e teologia em Roma onde Rupnik viveu e que dirigiu de 1995 a 2020.

A diocese de Roma anunciou em 18 de setembro que uma investigação canônica sobre o Centro Aletti conduzida por monsenhor Giacomo Incitti, professor de direito canônico na Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma, concluiu e isentou a comunidade de quaisquer problemas graves.

A diocese descreveu o Centro Aletti, onde Rupnik foi acusado de praticar atos sexuais com mulheres consagradas, como tendo “uma vida comunitária saudável… livre de problemas particularmente graves” e acrescentou que a investigação levantou “dúvidas” sobre os procedimentos que levaram à excomunhão de Rupnik.

No ano passado, uma mulher afirmou numa entrevista ao jornal italiano Domani que Rupnik já tinha abusado dela no seu quarto no Centro Aletti, em Roma, quando ela era religiosa.

O comunicado divulgado pela diocese afirma que a visitação “pôde constatar que os membros do Centro Aletti, embora entristecidos pelas acusações recebidas e pela forma como foram tratadas, optaram por manter o silêncio — apesar da veemência da mídia — guardar seus corações e não reivindicar alguma inculpabilidade para julgar os outros.”

"Este relatório …. que exonera Rupnik de qualquer responsabilidade, ridiculariza a dor das vítimas, mas também de toda a Igreja, mortalmente ferida por tão flagrante arrogância”, diz a carta aberta das vítimas.

A carta foi assinada por Fabrizia Raguso e outras ex-irmãs da Comunidade Loyola, fundada por Rupnik e pela irmã Ivanka Hosta na Eslovênia, onde teriam acontecido a maioria dos casos de abuso denunciados. A carta aberta foi publicada no site Italy Church Too, plataforma online para vítimas de abuso clerical.

As mulheres disseram que o recente encontro do papa Francisco com Maria Campatelli, atual diretora do Centro Aletti e colaboradora próxima de Rupnik, lhes causou ainda mais dor porque o papa nunca respondeu às cartas de membros e ex-membros da Comunidade Loyola.

“Aquele encontro concedido pelo Papa a Campatelli num ambiente tão amigável foi atirado na cara das vítimas (estas e todas as vítimas de abusos); uma reunião que o papa lhes negou”, dizia a carta aberta. “As vítimas foram deixadas com o grito mudo de um novo abuso”.

Rupnik foi expulso pelos jesuítas em junho, depois de ter sido acusado de abuso espiritual, psicológico e sexual durante mais de três décadas, e não ter obedecido a ordem de seu superior de não ter atividades públicas.

Rupnik recebeu anteriormente uma excomunhão automática, ou “latae sententiae”, por ouvir a confissão e depois tentar conceder a absolvição a uma mulher com quem teve relações sexuais. A investigação interna dos Jesuítas confirmou a excomunhão de Rupnik em Janeiro de 2020, que foi levantada em Maio de 2020, depois de Rupnik se ter arrependido.

Segundo a diocese de Roma, a visita identificou “procedimentos gravemente irregulares” que “geraram dúvidas fundadas até sobre o próprio pedido de excomunhão”.

À luz dessas “dúvidas”, o cardeal Angelo De Donatis, vigário da Diocese de Roma, que ordenou a visitação, apresentou o relatório às autoridades da Igreja.

O anúncio da diocese de Roma ocorreu dias depois de o papa Francisco se ter reunido com Campatelli, diretora do Centro Aletti, que publicou uma carta em junho defendendo Rupnik contra “uma campanha mediática baseada em acusações difamatórias e não comprovadas” e alegando que os jesuítas tinham retido documentos “que demonstrariam uma verdade diferente daquela que estava sendo publicada.”

Na carta publicada no site do Centro Aletti em 17 de junho, dois dias após o anúncio público da expulsão de Rupnik da Companhia de Jesus, Campatelli acusou a ordem jesuíta de “reter informações da mídia.”

Ela disse que Rupnik pediu em janeiro para deixar a ordem jesuíta depois de perder a confiança em seus superiores por favorecer “uma campanha midiática baseada em acusações difamatórias e não comprovadas (que expôs a pessoa do Padre Rupnik e do Centro Aletti a formas de linchamento)”. Ela também disse que outros jesuítas que fazem parte do Centro Aletti apresentaram pedidos para deixar a ordem religiosa.