17 de nov de 2025 às 13:55
Embora a Santa Sé tenha emitido diretrizes que limitam uso de alguns títulos de Nossa Senhora alegando que podem superestimar o papel de Nossa Senhora na redenção e na mediação da graça e atrapalhar o diálogo ecumênico com os protestantes, o debate entre católicos não parou.
O prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF), cardeal Víctor Manuel Fernández, publicou uma nota doutrinal com aprovação formal do papa Leão XIV que limita o uso de dois títulos: Nossa Senhora Corredentora e Nossa Senhora como Medianeira.
Segundo a nota doutrinária, usar o título “Corredentora” para falar sobre o papel de Nossa Senhora “não seria apropriado”. O documento é menos severo para o título “Medianeira”, mas diz que “se mal interpretado, poderia facilmente obscurecer ou mesmo contradizer” o papel de Nossa Senhora na mediação.
O início do documento estabelece um fundamento bíblico da cooperação de Nossa Senhora na salvação, começando com o "fiat" dela ao arcanjo Gabriel na Anunciação, passando pela presença dela na Paixão e por estar diante de Jesus Cristo aos pés da cruz.
O texto diz que Nossa Senhora “não foi utilizada por Deus como instrumento meramente passivo”, mas “cooperou livremente, pela sua fé e obediência, na salvação dos homens”, citando a Lumen gentium, constituição dogmática sobre a Igreja publicada pelo Concílio Vaticano II em 1964. Essa cooperação se estende “por toda a vida da Igreja”.
A cooperação de Nossa Senhora, contudo, jamais deve ser interpretada erroneamente como uma atenuação da “única mediação de Cristo e a cooperação de Maria na obra da Salvação” ou como uma sugestão de que o papel de Nossa Senhora seja igual ao Dele, segundo a nota doutrinal. Devido à necessidade de “explicar o papel subordinado de Maria a Cristo” quando se usa o termo “Corredentora”, a nota doutrinal pede aos fiéis que não usem o termo de modo algum.
“Quando uma expressão requer muitas e constantes explicações, para evitar que se desvie de um significado correto, não presta um bom serviço à fé do Povo de Deus e torna-se inconveniente”, diz a nota.
O documento fala sobre o papel de mediadora subordinada de Nossa Senhora, mas diz que "requer-se uma especial prudência na aplicação do título Medianeira a Maria".
O texto diz: “Não podemos falar de outra mediação na graça que não seja a do Filho de Deus encarnado”. O documento fala sobre “uma tendência de ampliar os alcances da cooperação de Maria a partir desse termo” e pede aos fiéis que “precisem tanto o seu valioso alcance quanto os seus limites”.
Tom Nash, apologista da organização Catholic Answers, disse à CNA, agência em inglês da EWTN, que o documento ajuda a falar claramente sobre o papel subordinado único de Nossa Senhora, evitando títulos que, em alguns casos, "confundem as distinções doutrinárias adequadas entre a Virgem Maria e seu Divino Filho".
“A nota doutrinal da DDF ajuda a proclamar claramente Nosso Senhor Jesus Cristo e seu Evangelho a uma nova geração, ao mesmo tempo que reafirma sua Santíssima Mãe como Mãe de Deus, nossa mãe espiritual e, portanto, nossa grande intercessora”, disse ele.
Nash disse que espera ver "uma mudança no uso desses títulos marianos" por parte dos teólogos. Ele disse que aqueles que se inclinarem a usar esses títulos provavelmente "se esforçarão para fornecer esclarecimentos explicativos caso os usem ocasionalmente, como modo de evitar qualquer confusão doutrinária".
Frustração entre alguns acadêmicos
Nem todos os acadêmicos católicos receberam a nota doutrinal com entusiasmo, devido ao uso histórico de longa data de ambos os títulos e ao esforço de alguns fiéis para que a Igreja declarasse um quinto dogma mariano sobre o papel de Nossa Senhora na redenção e mediação.
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Há quatro dogmas, ou ensinamentos de aceitação obrigatória pelos católicos, sobre Maria: A concepção imaculada, Maria Mãe de Deus, a virgindade perpétua de Maria, e a Assunção de Maria.
Nash disse acreditar que esse esforço "foi prejudicado" em consequência da nota doutrinária.
Mark Miravalle, teólogo da Universidade Franciscana e defensor da declaração de um quinto dogma mariano, pôs em dúvida a lógica de abandonar um título porque ele "precisa ser explicado". Ele disse à CNA que muitas doutrinas da Igreja precisam de explicações profundas, como a Trindade, a infalibilidade papal, a transubstanciação e os dogmas marianos atualmente definidos.
“Acho que isso levanta a questão da Imaculada Conceição e do [título] Mãe de Deus, que precisa ser explicada repetidamente”, disse ele.
Miravalle disse que a nota doutrinal “causou, compreensivelmente, muita confusão”, pois “tantos papas, santos e místicos… usaram esses títulos”. O documento diz que o papa são João Paulo II usou o termo “Corredentora”, mas que o papa Francisco se opôs a ele, assim como o papa Bento XVI quando ainda era cardeal.
Laurie Olsen, autora do livro Mary & the Church at Vatican II (Maria e a Igreja no Concílio Vaticano II), lançado no ano passado, também expressou reservas sobre a nota doutrinal e disse que o título "Medianeira" está no documento Lumen gentium, do Concílio Vaticano II.
Ela disse à CNA que os padres do concílio tiveram uma “discussão teológica profunda sobre o termo” e que a inclusão do termo no documento foi muito intencional, apesar de uma campanha coordenada para que fosse retirado.
Dos padres do concílio que expressaram uma opinião clara sobre o título “Mediatrix”, ela disse que 87 opiniões a favor foram enviadas por 678 padres conciliares, e 45 opiniões contrárias foram enviadas por 540 padres conciliares, mostrando que “uma clara maioria é a favor do termo”. Ela disse que 275 pediram que a linguagem sobre a mediação de Nossa Senhora fosse reforçada, sendo essa “a mudança mais solicitada”.
Embora o termo “Corredentora” não seja usado no concílio, Olsen disse que “a mediação é o conceito abrangente”, com “o papel de Maria na redenção objetiva”.
Olsen disse que ambos os termos respeitam o fato de que Nossa Senhora “está sempre subordinada a Cristo”, o que sempre foi entendido quando foram empregados. Ela disse: “É só porque Cristo é nosso redentor que Maria desempenha um papel na obra d’Ele”.
Ela não acredita que isso impedirá discussões teológicas sobre o assunto, mas sim que a nota doutrinária "nos dá a oportunidade de continuar a explorar e esclarecer o que queremos dizer quando falamos sobre o papel de Maria na redenção".
Miravalle disse acreditar que a nota doutrinária provavelmente “impulsionará o movimento” em prol da declaração de um quinto dogma mariano. Ele disse que o comentário sobre os títulos não encerra qualquer discussão teológica sobre a cooperação singular de Nossa Senhora na redenção e que as doutrinas em si são mais importantes do que os títulos.
“Espero que [isso] não seja considerado uma palavra final”, disse ele. “Palavras finais geralmente são reservadas para declarações dogmáticas, o que eu acho que seria maravilhoso”.






