O cardeal chinês Joseph Zen Ze-kiun criticou algumas das respostas do papa Francisco a cinco dubia que ele e outros quatro cardeais o enviaram antes do Sínodo da Sinodalidade. Ele disse, entre outras críticas, que a orientação do papa sobre a bênção de uniões de pessoas do mesmo sexo é “pastoralmente insustentável”.

Em declaração publicada ontem (12) em seu site, o bispo emérito de Hong Kong, que assinou as dubia enviadas ao papa em 11 de julho, disse que as respostas de Francisco, tornadas públicas pela Santa Sé em 2 de outubro, “não foram respostas precisas e não resolveram as dúvidas”, o que o levou a emitir uma declaração de sua autoria “para que os fiéis entendessem por que nós cinco não as consideramos adequadas como respostas”.

No parágrafo (g) da resposta do papa ao segundo dubium, que perguntava se as bênçãos para uniões entre pessoas do mesmo sexo poderiam ser permitidas “sem deixar de respeitar a doutrina revelada”, Francisco disse que, “o direito canônico não deve e não pode abranger tudo” e que “o discernimento prático ” seria necessário em "uma situação particular”.

Tal resposta, disse o cardeal Zen em sua declaração, era “pastoralmente insustentável”. “Como pode a Igreja, num assunto tão importante, deixar o povo sem uma regra clara e confiar no discernimento individual? Não será assim que se irrompe um caos de casuística muito perigoso para as almas?”, acrescentou.

O cardeal também questionou outras partes da resposta sobre as bênçãos a uniões entre pessoas do mesmo sexo, dizendo que os cardeais ficaram “surpresos” com o papa, citando a sua exortação apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia (A Alegria do Amor) para afirmar que a união entre pessoas do mesmo sexual é semelhante ao casamento entre um homem e uma mulher apenas "de forma parcial e analógica”

“Igualmente difícil”, disse o cardeal Zen, é onde esse parágrafo “permite certas formas de bênção das uniões homossexuais”, ao que perguntou: “Essa união não implica atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo, o que é claramente pecaminoso, assim como qualquer atividade sexual fora do casamento legítimo é pecaminosa?”.

Ele criticou outros aspectos da resposta do papa a este dubium, como elevar a importância da “ternura” para com os homossexuais em uma união do mesmo sexo, ao mesmo tempo que relegava a verdade objetiva a ser “apenas” uma expressão de caridade para com eles.

“De fato, estamos convencidos de que com compreensão e ternura devemos apresentar-lhes também a verdade objetiva de que a atividade homossexual é um pecado, que é contrária ao plano de amor de Deus”, observou o cardeal Zen. “Devemos também encorajá-los a uma metanoia na Igreja e a confiar na ajuda de Deus para carregar a sua pesada cruz no caminho da felicidade eterna”.

A resposta do papa a esta dubia foi lida pelos meios de comunicação de todo o mundo como um indicador da sua abertura para aceitar bênçãos a uniões do mesmo sexo.

O cardeal Zen se uniu aos cardeais Walter Brandmüller, Raymond Burke, Juan Sandoval Íñiguez e Robert Sarah no envio das dubia como meio de obter clareza sobre tópicos relacionados com o desenvolvimento doutrinário, a bênção das uniões entre pessoas do mesmo sexo, a autoridade do Sínodo da Sinodalidade, a ordenação e absolvição sacramental.

Todos os cinco cardeais consideraram as respostas do papa pouco claras e imprecisas e, por isso, emitiram dubia reformuladas em 21 de agosto, com o objetivo de obter respostas claras de “Sim” e “Não”.

O papa ainda não respondeu a essas perguntas.

O cardeal disse que devido “à pressão do tempo”, não consultou os outros quatro cardeais sobre a sua resposta de ontem (12), acrescentando que era, portanto, o único “pessoalmente responsável por esta iniciativa”.

É válido questionar o papa

O cardeal Zen começou a sua declaração sublinhando que não era “presunçoso” questionar a resposta do papa, acrescentando que “nenhum católico maduro” acredita que contradizer o papa o torna um “herege e cismático” – uma acusação, disse ele, que veio do cardeal Víctor Manuel Fernández , prefeito do dicastério para a Doutrina da Fé.

Ele disse que, em qualquer caso, concordava com o papa “em muito do que ele diz” e descreveu o papa Francisco como “maravilhosamente humilde” ao reconhecer os seus próprios erros e os dos líderes da Igreja do passado.

Quanto ao primeiro dubium – se a Revelação divina deve ser reinterpretada conforme os tempos –, disse concordar com a maior parte da resposta do papa. O papa respondeu que a Revelação divina é “imutável e sempre vinculante”, mas também amadurece, com alguns aspectos tornando-se mais explícitos. Isto era aceitável, disse o cardeal Zen, “mas não ao ponto de negar o que foi afirmado anteriormente pelo Magistério”, e chamou a atenção para os escritos de são João Newman sobre o desenvolvimento da doutrina.

O cardeal Zen questionou o exemplo do papa sobre como o ensinamento da Igreja sobre a escravidão havia mudado, a sua afirmação de que a Igreja deve discernir constantemente o que é essencial ou secundário para a salvação, e o que ele diz na sua resposta sobre “colocar” as verdades dentro do “ensino da Igreja como um todo”.

São Paulo, disse o cardeal Zen, “pôs em causa a própria instituição da escravatura”; a salvação deve ser tomada como um todo, com uma hierarquia de valores, mas “num todo harmonioso” e não colocada “um contra o outro”; e a Igreja tem o “dever de defender os simples fiéis dos riscos que podem ameaçar a pureza da fé”.

Quanto à resposta do papa ao terceiro dubium, se a sinodalidade é uma “dimensão constitutiva da Igreja”, o cardeal Zen disse que o dubium foi escrito porque o sínodo parece querer resolver questões como um concílio ecumênico, “o que seria errado”. Ele disse que os cardeais “concordam com o princípio da sinodalidade” simplesmente como “falar e caminhar juntos”, mas discordou da resposta do papa que sugere que a hierarquia deve não apenas “ouvir”, mas “escutar” – “ou seja, obedecer à voz do povo” – algo que aponta para “derrubar a constituição hierárquica da Igreja fundada pelos apóstolos”.

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Voltando-se para a resposta do papa ao quarto dubium, que questionava se a teologia da Igreja mudou para permitir a ordenação de mulheres como sacerdotes, o cardeal Zen discordou da resposta aparentemente contraditória do papa.

Por um lado, observou que o papa reconhece que a ordenação de homens é uma “declaração definitiva, clara e autorizada que deve ser respeitada por todos”, mas também diz que “pode ser objeto de estudo, como no caso da validade das ordenações na Comunhão anglicana”.

O cardeal Zen perguntou: “Então, apesar da declaração definitiva, ainda será possível discutir ad infinitum?!”. Ele acrescentou: “Entre outras coisas, a comparação usada aqui não é adequada, porque a validade das ordenações na Comunidade Anglicana [sic] é um problema histórico, enquanto o nosso caso é de natureza teológica”.

Por último, sobre o quinto dubium, que questionava se “o perdão é um direito humano”, dado que o papa insiste no dever de absolver todos e sempre, para que o arrependimento não seja uma condição necessária para a absolvição sacramental, o papa respondeu que o arrependimento é necessário para a absolvição, mas sublinhou que o confessionário “não é uma alfândega”. O papa também disse que confessar pecados pode ser uma “tortura cruel” para algumas pessoas com “autoestima muito ferida” e, portanto, apenas aproximar-se da confissão pode ser uma “expressão simbólica de arrependimento e de busca da ajuda divina”.

“Precisamente porque somos administradores e não mestres dos sacramentos, devemos seguir as regras, garantir o arrependimento e a resolução. Por que razão, ao fazermos isto, deveríamos transformar a confissão numa ‘estância aduaneira’?!”, disse o cardeal Zen.

Sobre o segundo ponto, o cardeal Zen disse que um confessor “não deve humilhar o penitente”, e o penitente deve expressar a sua intenção de não voltar a pecar.

“Mas é importante fazer as pessoas compreenderem que o pecado nos distancia de Deus e da nossa felicidade, não apenas da felicidade eterna, mas também da felicidade aqui e agora”, disse o cardeal. “Também nós estamos convencidos de que devemos aprender a tornar-nos verdadeiramente mensageiros da infinita misericórdia de Deus, que é capaz de tornar santos até nós, pecadores”.

Cardeal Sandoval

Outro dos cinco signatários, o cardeal Sandoval, arcebispo emérito de Guadalajara, México, também falou recentemente publicamente sobre as dubia. Ele disse à ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI, no dia 6 de outubro, que os cardeais emitiram as dubia porque queriam “colaborar na preservação da verdade” e para que aqueles que foram ao “sínodo com boa vontade tenham uma orientação simples”.

“Nós, os cardeais das dubia, pensamos: temos a obrigação como cardeais, colaboradores do papa, conselheiros do papa, de aconselhar neste caso”, disse.

O cardeal Sandoval disse que as respostas do papa às dubia foram “um pouco evasivas, um pouco vagas”, por isso “foram reformuladas de uma forma mais clara, mais contundente, para que ele pudesse responder sim ou não, e ele não respondeu”. “Então concordamos em publicá-las.”

As dubia foram apresentadas “pelo bem da verdade e pelo bem da Igreja”, “sem negar que ele é o papa, que tem autoridade na Igreja”, disse.