O cardeal Raymond Burke disse que as dubia enviadas por ele e mais quatro cardeais ao papa Francisco e divulgadas na segunda-feira (2), dois dias antes da abertura da assembleia plenária do sínodo da Sinodalidade não tiveram como alvo a pessoa do papa ou sua agenda, mas buscam resguardar a doutrina perene da Igreja.

O cardeal falou em uma conferência organizada em Roma na terça-feira (3) pelo meio católico italiano Nuova Bussola Quotidiana com o tema “a Babel Sinodal” para discutir os pontos controversos do sínodo aberto ontem (4) no Vaticano.

Em sua fala no teatro Ghione, a metros da praça de São Pedro, Burke, prefeito emérito do supremo tribunal da assinatura apostólica, reafirmou sua preocupação com os “erros filosóficos, teológicos e canônicos difundidos hoje a respeito do sínodo dos bispos e sua [primeira] sessão”.

A primeira sessão do sínodo vai até 29 de outubro. Uma segunda sessão do sínodo da sinodalidade está prevista para outubro de 2024.

As dubia mencionadas pelo cardeal e seus colegas nas questões enviadas ao papa em agosto e agora publicadas dizem respeito ao desenvolvimento doutrinal, a bênção de uniões do mesmo sexo, a autoridade do sínodo da sinodalidade, a ordenação de mulheres e a absolvição sacramental.

Dubia, dúvidas em latim, são perguntas dirigidas ao papa pedindo esclarecimento sobre algo que ele tenha dito ou escrito. Tradicionalmente são formuladas de modo a serem respondidas claramente com “sim” ou “não” antes de eventuais explicações.

“Infelizmente é muito claro que a invocação do Espírito Santo por alguns tem como propósito o avanço de uma agenda que é mais política e humana do que eclesial e divina”, disse Burke diante de uma plateia de cerca de 200 pessoas, composta principalmente de jornalistas e clérigos, entre os quais os cardeais Robert Sarah, da Guiné, Walter Brandmüller, da Alemanha, Joseph Zen Ze-kiun, de Hong Kong, e Juan Sandoval Iñiguez, do México.

“Muitos irmãos no episcopado e mesmo no colégio de cardeais apoiam essa iniciativa, embora não estejam na lista oficial de signatários”, disse Burke.

Um participante do sínodo, citado sem identificação pelo jornal italiano Il Giornale depois que as dubia foram publicadas pela imprensa, acusou os cinco cardeais de quererem “apenas atingir o papa Francisco”, e de buscar ditar sua agenda mesmo sob risco de ameaçar a unidade da Igreja.

“Esses comentários revelam o estado de confusão, erro e divisão que permeia a sessão do Sínodo dos Bispos”, disse Burke. “As cinco dubia tratam exclusivamente da doutrina e disciplina perenes da Igreja, e não da agenda de um papa”.

Segundo ele, a declaração anônima foi influenciada pelas palavras do novo prefeito do dicastério para a Doutrina da Fé, o cardeal argentino Víctor Manuel Fernández, que em entrevista ao National Catholic Register, da EWTN, grupo de comunicação católica a que pertence ACI Digital, acusou aqueles que criticam a “Doutrina do Santo Padre” de estarem no caminho da “heresia e do cisma”.

“A Igreja nunca ensinou que o Romano Pontífice tem um poder especial para constituir a sua própria doutrina. O papa é o primeiro mestre do depósito de fé que em si é sempre vivo e dinâmico”, disse Burke contestando uma das afirmações de Fernández.

 

O cardeal Burke criticou o próprio conceito de sinodalidade, tema do atual sínodo. Para ele, o termo “abstrato” sinodalidade, “um neologismo na doutrina da Igreja”, pretende “ligar artificialmente” este conceito a uma prática oriental, que tem, no entanto, “todas as características de uma invenção recente, especialmente no que diz respeito aos leigos”.

 

O padre Gerald E. Murray, canonista, abriu a conferência expressando suas dúvidas sobre a validade da atual sessão sinodal, devido à introdução de eleitores não-bispos na assembleia.

 

“Aqueles que não são pastores na Igreja estão recebendo um papel que pertence, por natureza, apenas aos pastores”, disse ele. “A Assembleia já não é um Sínodo dos Bispos”.

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“Por analogia, diríamos que a eleição de um papa em um conclave composto por cardeais e também por não-cardeais ainda seria um ato do colégio de cardeais? Claramente, não poderíamos dizer isso.”

A falta de um aspecto metafísico na compreensão da noção de sinodalidade também foi apontada por Stefano Fontana, diretor do Observatório Van Thuân para a Doutrina Social da Igreja. Segundo ele, os conceitos e palavras-chave desenvolvidos em torno dessa noção nos últimos anos anos, especialmente no Instrumentum Laboris, foram influenciados por correntes como o existencialismo, o marxismo e, de forma mais geral, o historicismo, que defende que os valores de uma sociedade dependem de um contexto histórico.

Como resultado, disse Fontana, a “mudança de doutrina através da nova sinodalidade não é confiada à doutrina, mas à prática; é a prática que decide o que fazemos.”

“Ser e dever ser são a mesma coisa. Como não ver em tudo isto a influência das vertentes mais clássicas do modernismo filosófico e teológico que a nova noção de sinodalidade transpõe com grande fidelidade? Na verdade, a nova sinodalidade vem de longe”.