O papa Leão XIV assinou o prólogo da nova edição do livro A Prática da Presença de Deus, do carmelita descalço francês Lourenço da Ressurreição. "Um dos textos que mais marcaram minha vida espiritual", diz o papa.

A importância pessoal que o papa atribui a essa obra ficou clara no voo de volta a Roma, no final da sua primeira viagem internacional, que o levou à Turquia e ao Líbano. "É um livro verdadeiramente simples", disse ele na ocasião, "escrito por alguém que nem sequer assina com o seu sobrenome ,irmão Lorenzo. Mas descreve um tipo de oração e espiritualidade em que simplesmente se entrega a vida ao Senhor e se permite que o Senhor nos guie".

No prólogo que agora acompanha a edição publicada pela Libreria Editrice Vaticana, editora da Santa Sé, o papa se aprofunda nessa experiência pessoal e situa a obra dentro de sua própria jornada de fé. “Como já tive ocasião de dizer, junto com os escritos de santo Agostinho e outros livros, esse é um dos textos que mais marcaram minha vida espiritual e que me formaram no caminho para conhecer e amar o Senhor”, escreve ele.

Leão XIV diz que o livro do carmelita coloca no centro não só uma experiência, mas uma verdadeira “prática” da presença de Deus, vivida no dia-a-dia.

Ele diz que é um caminho “simples e árduo ao mesmo tempo”: simples, porque não exige nada além de “lembrar-se constantemente de Deus, com pequenos e contínuos atos de louvor, oração, súplica e adoração, em cada ação e em cada pensamento, tendo-O só como horizonte, fonte e fim”.

É árduo porque exige "um caminho de purificação, de ascetismo, de renúncia e de conversão da parte mais íntima de nós mesmos, da nossa mente e dos nossos pensamentos, ainda mais do que das nossas ações", diz o papa.

Assim, Leão XIV cita a exortação de são Paulo apóstolo aos Filipenses — “Tenham em vocês os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo” (cf. Fl. 2,5 ) — para dizer que “não só nossas atitudes e comportamentos devem estar em conformidade com Deus, mas também nossos próprios sentimentos, nossa própria maneira de sentir”.

Conexão com o misticismo e santa Teresa de Ávila

O papa relaciona a experiência descrita pelo frei Lourenço “como uma relação pessoal composta de encontros e conversas, de ocultações e surpresas, de confiança e abandono total” com a grande tradição mística da Igreja, evocando especialmente santa Teresa de Ávila e sua famosa referência ao “Deus entre as panelas”, presente também nas tarefas mais humildes.

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Na opinião dele, a força do texto está precisamente em propor "um caminho praticável por todos, justamente por ser simples e cotidiano".

Leão XIV também destaca o tom de “grande humildade” e “humor” do carmelita do século XVII, que sabia bem que “toda a realidade terrena, mesmo a mais grandiosa e dramática, é pequena em comparação com o amor infinito do Senhor”.

Daí a irônica confissão de frei Lourenço, que se sentiu "enganado" por Deus, tendo encontrado na vida monástica — na qual ingressou com zelo penitencial "para se sacrificar e expiar duramente os pecados de sua juventude" — uma existência repleta de alegria.

As tarefas do dia a dia “tornam-se fáceis e leves”

No prólogo, o papa diz que esse caminho espiritual, no qual a presença de Deus se torna "familiar e ocupa o nosso espaço interior", produz "graças e riquezas espirituais" e até as tarefas diárias "tornam-se fáceis e leves".

Por fim, Leão XIV situa a mensagem do frei Lorenzo no contexto do mundo moderno. Os escritos desse carmelita, que viveu com fé radiante num século marcado por conflitos e violência, "certamente não menos violento que o nosso", podem "ser uma inspiração e uma ajuda também para a vida dos homens e mulheres do terceiro milênio", diz ele.

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“Mostram-nos que não existe circunstância que nos possa separar de Deus, que cada ação, cada ocupação e até mesmo cada erro nosso adquirem um valor infinito se forem vividos na presença de Deus, continuamente oferecidos a Ele”, diz ele.

O papa diz que toda a ética cristã “pode ser resumida nesta constante memória da presença de Deus”.

“Ele está aqui”, diz Leão XIV. “Essa memória, que é mais do que uma simples recordação, pois envolve nossos sentimentos e afetos, ultrapassa todo moralismo e qualquer redução do Evangelho a um mero conjunto de regras, e nos mostra que, verdadeiramente, como Jesus nos prometeu, a experiência de nos entregarmos a Deus Pai já nos dá cem vezes mais aqui na terra”.

“Confiar-nos à presença de Deus significa experimentar antecipadamente o Paraíso”, conclui ele.