O papa Leão XIV fala sobre a “espiral de destruição” alimentada pela corrida armamentista e pelo desenvolvimento de armas autônomas e exorta a uma paz “desarmada e desarmante” que brota da Ressurreição de Cristo como a única resposta aos desafios do mundo.

“A paz de Jesus ressuscitado é desarmada, porque desarmada foi a sua luta, dentro de precisas circunstâncias históricas, políticas e sociais”, escreve o papa em sua mensagem para o 59º Dia Mundial da Paz, que será celebrado em 1° de janeiro do ano que vem, e cujo conteúdo foi divulgado hoje (18) pela Sala de Imprensa da Santa Sé.

Em sua reflexão, Leão XIV diz que faz parte do cenário contemporâneo “arrastar as palavras da fé para o embate político, abençoar o nacionalismo e justificar religiosamente a violência e a luta armada”. Em resposta, ele exorta os fiéis a “refutar ativamente, antes de tudo com a sua vida, estas formas de blasfêmia que obscurecem o Santo Nome de Deus”.

Para Leão XIV, é cada vez mais necessário cultivar "a oração, a espiritualidade, o diálogo ecumênico e interreligioso" como caminhos autênticos para a paz e como linguagens de encontro entre tradições e culturas.

O documento de quatro páginas é intitulado A paz esteja com todos vós. Rumo a uma paz desarmada e desarmante, expressão que se refere diretamente às primeiras palavras proferidas por Leão XIV depois de sua eleição como Sucessor de Pedro, em 8 de maio, quando ele apareceu na galeria do Palácio Apostólico, no Vaticano, para saudar os fiéis pela primeira vez.

No texto, o papa lamenta que, diante dos desafios globais, a resposta predominante seja um “enorme esforço econômico para o rearmamento”. Ele diz que, no ano passado, os gastos militares globais aumentaram 9,4% em comparação com o ano anterior, confirmando uma tendência de alta “ininterrupta” que se mantém há uma década. Segundo os dados citados, o gasto total atingiu US$ 2,718 trilhões (cerca de R$ 15 trilhões), que são 2,5% do PIB mundial.

Além das estatísticas, o papa fala sobre as consequências culturais e educacionais dessa lógica. Ele critica o fato de escolas e universidades não preservarem adequadamente “uma cultura da memória” que não esqueça “seus milhões de vítimas” e deplora a disseminação de programas educacionais baseados na “percepção de ameaças”, que transmitem uma “noção meramente militarista de defesa e segurança”.

“Radicalização” dos conflitos armados

O papa fala sobre como os avanços tecnológicos e a incorporação da inteligência artificial na esfera militar “exacerbaram a tragédia” dos conflitos armados. Assim, ele fala sobre o risco de um processo gradual de “desresponsabilização” dos líderes políticos e militares.

“Está sendo delineado até mesmo um processo de desresponsabilização dos líderes políticos e militares devido ao crescente delegar às máquinas as decisões relativas à vida e à morte das pessoas”, escreve Leão XIV.

Na visão dele, é uma "espiral de destruição sem precedentes" que “compromete o humanismo jurídico e filosófico do qual qualquer civilização depende e pelo qual é protegida".

O papa denuncia "as enormes concentrações de interesses econômicos e financeiros privados" que impulsionam os Estados nessa direção, mas diz que essa denúncia é insuficiente se não for acompanhada pelo "despertar das consciências e do pensamento crítico" em toda a sociedade.

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“Formas de blasfêmia que obscurecem o Santo Nome de Deus”

O papa fala sobre o risco de conceber a paz como um “ideal distante” e “desconectado da experiência concreta das pessoas e da vida política das nações”.

Quando a paz é apresentada como algo inatingível, diz ele no texto, "deixa de ser escandaloso negá-la ou mesmo recorrer à guerra em seu nome".

Segundo o papa, existe um risco real de que essa lógica acabe por se infiltrar tanto na vida privada quanto na esfera pública, alimentando a percepção de que é quase uma "culpa" não estar suficientemente preparado para a guerra, "para responder a agressões", indo inclusive "muito além do princípio da legítima defesa".

“Não é por acaso que os repetidos apelos ao aumento dos gastos militares e as decisões que isso acarreta são apresentados por muitos governantes com a justificativa do perigo para os outros”, diz Leão XIV.

De fato, diz ele, “a força dissuasora do poder e, em particular, da dissuasão nuclear, incorpora a irracionalidade de uma relação entre povos baseada não na lei, na justiça e na confiança, mas no medo e no domínio da força”.

Diante dessa situação, o papa propõe uma compreensão diferente da paz, que “quer habitar em nós” e tem o “poder suave de iluminar e ampliar a inteligência, resiste à violência e a vence”.

“A paz tem o sopro da eternidade”

“A paz tem o sopro da eternidade: enquanto ao mal se ordena basta!, à paz se suplica para sempre”, diz Leão XIV.

A reflexão tem uma crítica cultural do mundo atual que chama de "realistas" aquelas narrativas desprovidas de esperança, cegas à beleza dos outros, e que se esquece de que "a graça de Deus sempre opera nos corações humanos, mesmo quando feridos pelo pecado".

Sobre isso, o papa diz que o caminho proposto por Jesus Cristo já era desconcertante até para os Seus próprios discípulos: “Os Evangelhos não escondem o fato de que o que desconcertava os discípulos era a Sua resposta não violenta; um caminho ao qual todos, a começar por Pedro, se opunham, mas que o Mestre lhes pedia que o seguissem até ao fim. O caminho de Jesus continua sendo fonte de inquietação e temor”.

Leão XIV fala sobre o desânimo vivido por “pessoas de coração voltado para a paz”, que são dominadas por um sentimento de “impotência” diante do curso cada vez mais incerto dos acontecimentos.

O Dia Mundial da Paz foi instituído pelo papa são Paulo VI, que o propôs em 8 de dezembro de 1967, solenidade da Imaculada Conceição. Foi celebrado pela primeira vez em 1º de janeiro de 1968, coincidindo com a Solenidade de Nossa Senhora, Mãe de Deus, e desde então tornou-se uma ocasião anual para a Igreja refletir sobre os grandes desafios da convivência humana.