Vestidos de vermelho com bolinhas brancas, milhares de romeiros de todo o Nordeste participaram da festa da beata Benigna, entre os dias 15 e 24 de outubro. A cor das roupas lembra o vestido usado pela menina Benigna no dia de seu martírio, e representam promessas, graças alcançadas e devoção. A tradição de vestir-se como o santo de devoção é comum em vários santuários do Ceará.

“Todos os anos, durante o mês de outubro, eu me visto com os trajes da Benigna, usando também a sandália, que é igual à sandália que ela usava no dia de sua morte...eu continuo pagando a minha promessa até o fim da minha vida”, contou uma romeira à ACI Digital.

Romeira vestida como a beata Benigna. Crédito: Pascom Paróquia de Santana.
Romeira vestida como a beata Benigna. Crédito: Pascom Paróquia de Santana.

Benigna Cardoso da Silva nasceu em 15 de outubro de 1928, em Santana do Cariri (CE). Religiosa e temente a Deus, foi morta aos 13 anos, em 24 de outubro de 1941, ao resistir a uma tentativa de abuso. Em 2022, foi beatificada, tornando-se a primeira beata do Ceará.

Edvan, romeiro de Aracoiaba (CE), percorre cerca de 500 km todos os anos até Santana do Cariri para agradecer à menina Benigna. “Enquanto eu tiver vida e saúde, venho visitar a terra onde ela viveu e morreu como mártir. A gente vem de longe por muitas graças alcançadas. Todo ano estou aqui.”

Luiza também participa da romaria com sua filha Maria Luiza, de 11 anos, vestida como Benigna. Ela conta que a menina foi curada de uma doença grave quando tinha um ano de idade. “Depois de dez anos, continuo vindo agradecer a Benigna por essa graça.”

O Catecismo da Igreja Católica ensina que “por devoção pessoal, o cristão pode prometer a Deus uma oração, uma esmola, uma peregrinação. A fidelidade às promessas feitas a Deus é uma manifestação do respeito devido à majestade divina e do amor para com o Deus fiel”.

Em Juazeiro do Norte, romeiros se vestem como Padre Cícero

Em Juazeiro do Norte (CE), a tradição também é forte. Devotos do Padre Cícero Romão Batista, o “Padim Ciço”, usam batinas como as que ele vestia, especialmente durante as romarias.

“Ao vestir as vestes tipo modelo batina do padre Cícero Romão os romeiros trazem no coração uma gratidão”, disse o reitor da basílica Nossa Senhora das Dores, padre Cícero José, à ACI Digital.  “Antes de tudo agradecem ao Padim por ser na vida deles uma presença, um sinal de Deus, um sinal da novidade do Reino de Deus”.

Segundo ele, essa prática começou logo depois da morte do padre Cícero, em 1934, quando, todo dia 20 de cada mês, os fiéis iam à matriz, participavam da missa e visitavam o túmulo do religioso, vestidos de preto, cor do luto e da saudade.

Com o tempo, muitos passaram a pedir graças por intercessão do Padim. Ao receberem bênçãos, voltavam para agradecer, vestindo a batina e deixando-a na casa das promessas como sinal de fé.

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Padre Cícero Romão Batista nasceu em 1844, foi ordenado em 1870 e ficou conhecido em Juazeiro do Norte depois quando em 1889, na capela de Nossa Senhora das Dores, a hóstia sangrou na boca de uma fiel. Isso atraiu multidões e transformou a cidade em centro de peregrinação. Suspenso pela Igreja em 1894, acusado de manipulação da crença popular pela Santa Sé, ele buscou reverter a punição no Vaticano. Em 1911, tornou-se prefeito de Juazeiro, promovendo melhorias locais. Morreu em 1934 e, depois de uma revisão histórica, foi reconciliado com a Igreja em 2014. Em 2022, iniciou-se oficialmente seu processo de beatificação.

“O gesto de vestir-se como o Padim nasce da experiência de um povo que viu nele a esperança”, disse o padre. “Cícero veio para cuidar. Sua missão era garantir vida plena para esse povo. Por isso, visitar Juazeiro é também renovar esse compromisso espiritual.”

Leida Cardoso, romeira do Rio Grande do Norte, é exemplo dessa tradição. Em julho, participou da romaria pela 11ª vez, cumprindo a promessa feita ao neto Luís Otávio, que se recuperou de uma cirurgia após um acidente. Leida o levou vestido de Padre Cícero e deixou a roupa sobre o túmulo. “O Padim representa tudo na minha vida. Todas as graças que peço, consigo com ele”, contou.

Luís Otávio Andrade vestido de padre Cícero para cumprir uma promessa. Crédito: TV Mãe das Dores.
Luís Otávio Andrade vestido de padre Cícero para cumprir uma promessa. Crédito: TV Mãe das Dores.

Em Canindé, hábito franciscano é sinal de gratidão

Em Canindé (CE), a devoção a são Francisco de Assis também se expressa pelas vestes. Durante a festa de São Francisco das Chagas, celebrada em outubro, muitos romeiros usam o hábito marrom franciscano como forma de agradecimento.

Romeiro vestido com roupa parecida ao hábito de São Francisco de Assis. Crédito: Santuário de São Francisco das Chagas.
Romeiro vestido com roupa parecida ao hábito de São Francisco de Assis. Crédito: Santuário de São Francisco das Chagas.

Segundo o frei Gilmar Nascimento, OFM, reitor do Santuário de São Francisco das Chagas, de Canindé, essa tradição começou em 1898 e ainda hoje muitos romeiros pagam suas promessas vestidos com o hábito marrom, que remete diretamente ao estilo de vida de Francisco.

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 “Na época de Francisco, era a veste do camponês e ele usou essa veste por sua simplicidade”, disse ele à ACI Digital. “Muitas pessoas usam essa veste também para lembrar de são Francisco, da sua simplicidade, para viver de uma forma simples e, sobretudo por conta das promessas, eles querem sempre agradecer a Deus pela intercessão de São Francisco usando a veste marrom”.

Os fiéis que fazem promessas saem de suas casas vestidos de marrom e, ao chegarem ao santuário, depositam a veste na casa dos milagres. “É como uma doação ao santo. Alguns passam dias com a roupa, outros usam apenas na viagem até Canindé. Mas todos deixam a veste como sinal de fé”.

Para o frade, esse gesto é uma forma pública de reconhecer graças recebidas. “A veste representa a vitória sobre a doença, sobre os perigos. É como um troféu deixado aos pés do altar, símbolo da vida restaurada”.