Duas mulheres que acusam o padre jesuíta e artista de mosaicos Marko Rupnik falaram ontem (21) publicamente pela primeira vez.

A italiana Gloria Branciani e a eslovena Marjiam Kovač, ex-membros da Comunidade Loyola na Eslovênia, contaram suas histórias numa conferência de imprensa nos escritórios do sindicato dos jornalistas italianos em Roma.

Com elas estava a advogada Laura Sgrò, que representou clientes no escândalo VatiLeaks, e a família de Emanuela Orlandi, uma garota italiana que desapareceu em circunstâncias misteriosas na década de 1980.

Branciani, de 59 anos, disse ter sido submetida a abusos espirituais, psicológicos e físicos que geraram “a perda total” de sua identidade. 

Branciani disse que a atuação de Rupnik refletia um “abuso de consciência” mais profundo e íntimo e era uma violação total da profunda intimidade da sua vida espiritual.

Ela alegou que Rupnik usou o interesse dela pela arte e pela cultura para pressionar sua personalidade, e provocar uma mudança em suas “ideias, modo de pensar, modo de se comportar, modo de vestir”.

“Assim, com a imposição de sua visão espiritual, teológica e artística, ele tinha um poder cada vez maior sobre mim, um poder exclusivo”, disse Branciani.

Em um exemplo, ela afirmou que enquanto estava em seu estúdio de arte, que também era o local onde aconteciam as sessões de direção espiritual, Rupnik, enquanto pintava, olhava partes do corpo dela e, depois, fez um gesto sexualmente sugestivo. Rupnik teria comparado isso a um ato de revelação divina bíblica que expressava “a sabedoria do pai”.

Rupnik é acusado de ter abusado de mais de 20 religiosas ao longo de três décadas. Em outubro de 2023, o Dicastério da Doutrina da Fé reabriu o caso contra Rupnik, fechado um ano antes por prescrição das faltas cometidas. O papa Francisco  suspendeu a prescrição por causa do clamor público sobre a notícia de que Rupnik tinha sido incardinado numa diocese na Eslovênia.


Ontem (21), o Vatican News, serviço de informações da Santa Sé, disse que a investigação do Dicastério para a Doutrina da Fé estava em andamento e que “será agora necessário estudar a documentação adquirida para identificar quais procedimentos podem e devem ser implementados”.

Marjiam Kovač falou durante apenas dez minutos ontem. Ela descreveu como seus ideais da vida religiosa, junto com a “formação e obediência e confiança das irmãs nas pessoas que nos guiaram”, foram “explorados para abusos de vários tipos, de consciência, de poder, espiritual, psíquico, físico e muitas vezes até sexual”.

Segundo Kovač, 20 irmãs foram vítimas de abusos numa comunidade de 40 mulheres.

Para Kovač, a conferência de imprensa foi uma oportunidade de quebrar o “silêncio” das vítimas, que ela caracterizou como “um muro de borracha, que rebate todas as tentativas de curar a situação insalubre”.

“Lamentamos porque as instituições, em vez de se inspirarem na nossa experiência para rever a sua forma de agir, continuam a fechar-se no silêncio”, disse.

A co-diretora da organização Bishop Accountability, Anne Barrett Doyle, uma organização com sede em Boston que tem rastreado abusos clericais na Igreja Católica nos últimos 20 anos, mediou a conferência de imprensa.

As obras artísticas de Rupnik estão espalhadas em várias partes do mundo. O mosaico já instalado na fachada da basílica de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida (SP), é dele.

Ele também escreveu o livro Segundo o Espírito: a Treologia Espiritual em Caminho do Papa Francisco, publicado pela editora da Santa Sé na coleção Teologia do Papa Francisco.