Um grupo de 90 padres, acadêmicos e escritores católicos pede a bispos e cardeais que rejeitem a declaração Fiducia supplicans do Dicastério para a Doutrina da Fé, que autorizou bênçãos a uniões homossexuais e casais “em situação irregular”, e se recusem a implementá-la nas suas dioceses.

Os signatários incluem padres católicos, estudiosos e autores da América do Norte, América do Sul, África, Europa e Austrália. O grupo pretende aumentar o número de signatários até 15 de fevereiro e pretende publicar uma lista maior e mais abrangente até 17 de fevereiro.

Entre os signatários estão o presidente da Academia Internacional João Paulo II para a Vida Humana e a Família, Thomas Ward; o professor de ética e filosofia social na Universidade Católica da América, Michael Pakaluk, e o presidente do Instituto St. John Henry Newman e fundador do Instituto Acton, padre Robert Sirico.

Outros signatários incluem o sociólogo e escritor alemão Gabriele Kuby, o professor de filosofia na Universidade Nacional de San Agustín, no Peru, César Félix Sánchez Martínez, o presidente do Cornerstone Forum, Gil Bailie, e o padre Gerald Murray, pároco da Igreja da Sagrada Família em Nova York, nos EUA.

A carta foi publicada em vários idiomas, incluindo inglês, espanhol, italiano, francês e alemão.

A coligação assinou um “apelo filial” dirigido aos líderes da Igreja pedindo que proíbam quaisquer bênçãos a uniões homossexuais dentro das suas jurisdições e que peçam diretamente ao papa Francisco que retire o documento. Os signatários afirmam que a declaração Fiducia supplicans contradiz “tanto a Escritura como a Tradição universal e ininterrupta da Igreja” e “produz um grave escândalo”.

“Definitivamente não é justificável, especialmente para um cardeal ou um bispo, permanecer em silêncio, uma vez que o escândalo que já ocorreu é grave e público, e se não for interrompido, será cada vez mais amplificado”, diz a carta. “A ameaça não se torna menor, mas mais grave, pois o erro vem da Sé Romana e está destinado a escandalizar todos os fiéis”.

A Santa Sé justificou a declaração ao traçar uma distinção entre bênçãos litúrgicas, que não podem ser dadas a uniões homossexuais, e bênçãos pastorais, que agora são permitidas. Os signatários da carta contestam a essa distinção.

No mundo todo os bispos têm se dividido sobre como implementar a declaração ou se a devem implementar.

O que diz a Fiducia supplicans?

A declaração da Santa Sé, publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé em 18 de dezembro de 2023, fala de bênçãos “litúrgicas” e “pastorais”.

As bênçãos litúrgicas, afirma a declaração, não são permitidas para uniões homossexuais, porque tal bênção “exige que o que é abençoado seja conforme à vontade de Deus”. A Igreja não tem o poder de conferir tais bênçãos a uniões homossexuais porque isso “ofereceria uma forma de legitimidade moral a uma união que presuma ser um casamento ou a uma prática sexual extraconjugal”, afirma a declaração.

A declaração introduz o conceito de “bênçãos pastorais” “destinadas a todos”: “ninguém deve ser excluído delas”. Afirma que os padres podem conceder bênçãos pastorais a uniões homossexuais “sem validar oficialmente o seu estatuto ou alterar de qualquer forma o ensinamento perene da Igreja sobre o casamento”. Tais bênçãos, acrescenta, não podem “ser realizadas com quaisquer roupas, gestos ou palavras que sejam próprios de um casamento”.

“São inadmissíveis ritos e orações que possam criar confusão entre o que constitui o casamento – que é a ‘união exclusiva, estável e indissolúvel entre um homem e uma mulher, naturalmente aberta à geração de filhos’ – e o que o contradiz”, lê-se no documento.

Por que esses estudiosos se opõem à declaração?

Os signatários da carta com objeções à Fiducia supplicans dizem que a tentativa de criar uma distinção entre bênçãos litúrgicas e pastorais é “impossível”.

A pastoral, argumentam eles, “sempre pressupõe uma teoria e… se a pastoral faz algo que não corresponde à doutrina, o que na verdade está sendo proposto é uma doutrina diferente”.

Independentemente de a bênção ser litúrgica ou pastoral, a carta afirma que uma bênção tem um “efeito comunicativo imediato… [que] implica sempre uma aprovação do que está a ser abençoado”, mesmo que a declaração afirme que essa não é a intenção. A carta argumenta que a declaração já foi interpretada como aprovação “por aqueles poucos episcopados e bispos que durante décadas têm defendido abertamente uma mudança na doutrina sobre a moralidade sexual” e por grande parte do público.

“Na prática, os fiéis nem sequer terão consciência das sutis justificações teóricas introduzidas pela declaração…”, continua o apelo filial. “A mensagem que é efetivamente lançada, e que o povo de Deus, e o mundo inteiro, inevitavelmente registra e já está registrando é que: A Igreja Católica finalmente evoluiu, e agora aceita as uniões homossexuais, e, de modo mais geral, as uniões extraconjugais”.

A carta acrescenta que as doutrinas tradicionais sobre a moralidade sexual “devem ser consideradas infalíveis” e que “esta é uma doutrina da lei natural, que não permite qualquer mudança”.

Mais em

“Neste momento difícil, uma palavra clara de verdade seria o melhor exemplo da sua dedicação fiel e corajosa ao povo de Deus que lhe foi confiado, um sinal de fidelidade à verdadeira missão do papado e ao mesmo tempo a melhor ajuda para o próprio papa, uma eloquente ‘correção fraterna’, da qual necessita urgentemente neste último e mais crítico período do seu pontificado e provavelmente da sua vida”, imploram os signatários aos bispos e cardeais.

Como a Santa Sé respondeu à controvérsia?

Bispos ao redor do mundo adotaram várias abordagens diferentes à declaração. Em alguns casos, os bispos adotaram uma visão ampla da declaração e, noutros, uma visão muito estreita. Alguns bispos, incluindo várias conferências episcopais, recusaram-se a implementá-la.

O prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé da Santa Sé, o cardeal Victor Manuel Fernández, respondeu a algumas das reações negativas num comunicado à imprensa de cinco páginas, no dia 5 de janeiro.

“Não há espaço para nos distanciarmos doutrinariamente desta declaração ou considerá-la herética, contrária à Tradição da Igreja ou blasfema”, disse Fernández, observando a linguagem da declaração sobre o casamento e a moralidade sexual.

“Podemos ajudar o povo de Deus a descobrir que bênçãos deste tipo são apenas simples canais pastorais que ajudam as pessoas a expressar a sua fé, mesmo que sejam grandes pecadores”, acrescentou o cardeal. “Por isso, ao dar uma bênção a duas pessoas que se juntam para pedi-la espontaneamente, não as consagramos, nem as parabenizamos, nem sequer aprovamos esse tipo de união”.