O arcebispo de Montevidéu, Uruguai, cardeal Daniel Sturla, considerou que a declaração Fiducia supplicans do Dicastério para a Doutrina da Fé da Santa Sé, que permite a bênção a uniões homossexuais, “não era um tema para surgir agora no Natal” porque é algo “polêmico” e disse que o texto “cria confusão”.

“Acho que não era um assunto para ser abordado agora no Natal. Chamou muito a minha atenção porque é um tema polêmico e que está dividindo águas dentro da Igreja”, disse o cardeal salesiano, de 64 anos.

A declaração doutrinária Fiducia supplicans, publicada em 18 de dezembro com a aprovação do papa Francisco, provocou reações de acolhida e rejeição entre bispos de todo o mundo. Com o documento, a Santa Sé permite que padres concedam bênçãos não litúrgicas a uniões do mesmo sexo e em situação irregular, sem que isso seja uma aprovação do seu estilo de vida.

O cardeal Víctor Manuel Fernández, prefeito do Dicastério, escreveu na apresentação do documento que a doutrina tradicional da Igreja Católica sobre o matrimônio “permanece firme” e que as bênçãos às uniões homossexuais ou aos casais em situação irregular não podem “validar oficialmente o seu estatuto ou alterar de forma alguma o ensinamento perene da Igreja sobre o matrimônio” a este respeito.

Numa entrevista concedida ao jornal uruguaio El País e publicada no domingo (24), o cardeal Sturla disse: “É claro que um sacerdote abençoa todas as pessoas. Eu estive agora na prisão e abençoei todos os que lá estão. Se as pessoas vêm me pedir a minha bênção, eu sempre a dou. Lembro-me de quando a lei trans estava sendo discutida, e estávamos numa procissão na paróquia de Santo Inácio e algumas pessoas trans vieram me pedir a minha bênção e eu dei a bênção a eles”.

O responsum da Santa Sé de 2021

“Outra coisa”, continuou ele, “é abençoar um casal homossexual. Aí não é mais a bênção das pessoas, mas do casal, e toda a tradição da Igreja, inclusive um documento de dois anos atrás diz que não é possível fazer isso”.

O arcebispo de Montevidéu referiu-se ao responsum ou resposta oficial, de março de 2021, da então congregação – hoje dicastério – para a Doutrina da Fé, presidida (até 1º de julho de 2023) pelo cardeal jesuíta espanhol Luis Francisco Ladaria, que afirma que a Igreja não pode abençoar uniões homossexuais.

“À pergunta proposta: A Igreja dispõe do poder de abençoar as uniões de pessoas do mesmo sexo?' A resposta é: Negativamente”, afirma a resposta.

“Não é lícito conceder uma bênção a relações, ou mesmo a parcerias estáveis, que implicam uma prática sexual fora do matrimônio (ou seja, fora da união indissolúvel de um homem e uma mulher, aberta por si à transmissão da vida), como é o caso das uniões entre pessoas do mesmo sexo. A presença, em tais relações, de elementos positivos, que em si são dignos de ser apreciados e valorizados, não é porém capaz de torná-las honestas e, assim, um destinatário legítimo da bênção eclesial, pois tais elementos se encontram a serviço de uma união não ordenada ao desígnio do Criador”, diz a nota explicativa da responsum.

Fiducia supplians “cria confusão”

Na entrevista a El País, o cardeal Sturla disse que a declaração Fiducia suplicans “cria confusão, porque diz que se pode abençoar, mas não através de um rito. Em suma, o que acredito é que as pessoas podem ser abençoadas, mas os casais como tais, como casais, não podem”.

“É um não, mas sim, e um sim, mas não. O mesmo documento diz que não altera a doutrina da Igreja. Dada a falta de clareza do documento, pela minha leitura, entendo que devemos continuar com a prática que a Igreja tem tido até agora, que é abençoar todas as pessoas que pedem uma bênção, mas não abençoar os casais do mesmo sexo".

“Se deseja se aproximar das pessoas e fazer com que os homossexuais se sintam parte da Igreja, por mim tudo bem. Porque a Igreja é para todos. Mas há certas regras. Você também não pode abençoar um casal não casado. Não se pode abençoar uniões que a própria Igreja diz que não estão de acordo com o plano de Deus", continuou o cardeal.

Na África “disseram que nos seus países não”

O arcebispo disse também que Fiducia suplicans afirma que “não pode haver um rito, que também não pode ser feito publicamente… Isso cria uma situação confusa. Quando você abençoa as pessoas, você não pergunta qual é a situação delas. E isso é feito sempre e para quem quer que seja. Continuaremos com a mesma prática até que isso fique claro. O documento gerou divisão. Nas Igrejas da África disseram que nos seus países, não”.

Em 19 de dezembro, os bispos do Malawi publicaram um documento no qual disseram que as bênçãos às uniões homossexuais “não são permitidas”. Dois dias depois, no dia 21, o cardeal Fridoln Ambongo, arcebispo de Kinshasa e presidente do Sínodo das Conferências Episcopais de África e Madagáscar (SECAM), dirigiu-se aos seus irmãos bispos para conhecer as suas opiniões sobre a Fiducia Supplicans, com o objetivo de fornecer “orientação definitiva” ao povo de Deus no segundo maior e mais populoso continente do mundo.

Não é um pronunciamento do papa “que tenha valor dogmático”

O cardeal Sturla também disse que “na Igreja existe uma hierarquia de documentos. Este não é um pronunciamento do papa que tenha valor dogmático. Há dois anos, um documento da Santa Sé também dizia exatamente o contrário. “Temos que esperar um pouco e que as águas tomem o rumo certo”.

Para concluir, o cardeal uruguaio disse que com bênçãos às uniões homossexuais, “como é algo que permanece na esfera privada, cada sacerdote deve compreender e decidir o que fazer”.

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“Ouvi padres que estão desconcertados com isso. E o que eu lhes digo é que a bênção vai para as pessoas”, concluiu.