O arcebispo de Huancayo, o cardeal jesuíta Pedro Barreto, primeiro vice-presidente da Conferência Episcopal Peruana (CEP), criticou a libertação do ex-presidente Alberto Fujimori, por decisão do Tribunal Constitucional do Peru e executada na quarta-feira (6) por volta das 18h30.

“Nestes momentos que vivemos no país, um indulto como o que foi dado é como uma bofetada na cara do país, e uma bofetada que nos fere a alma”, disse o cardeal à rádio Exitosa Noticias, na quarta-feira (6).

“Quando há uma sentença judicial, deve ser cumprida até o último dia. Não há privilégios para ninguém, porque a lei é para todos. E nesse sentido penso que é muito importante transmitir calma, mas também manifestar (…), em alguns casos como este, a nossa indignação”, acrescentou o cardeal Barreto, de 79 anos.

O caso de Alberto Fujimori

Alberto Fujimori tem 85 anos. Foi presidente do Peru entre 1990 e 2000. Em 2009 foi condenado a 25 anos de prisão pelo Supremo Tribunal de Justiça, acusado de ter participado como “autor mediato” nos massacres de Barrios Altos (1991) e La Cantuta (1992) nos quais 15 e dez pessoas foram morreram, respectivamente.

Em 24 de dezembro de 2017, o então presidente Pedro Pablo Kuczynski (PPK) concedeu-lhe um “indulto humanitário” que permitiu a sua libertação, ainda que apenas temporariamente. Esta graça presidencial foi duramente questionada por vários atores políticos, incluindo a atual congressista de esquerda Sigrid Bazán, que o descreveu como uma “negociação política” entre o presidente e o partido liderado pela família de Fujimori.

Em outubro de 2018, o Supremo Tribunal ordenou a anulação da medida e que voltasse à prisão, o que ocorreu em janeiro de 2019, depois de ficar internado quatro meses por problemas de saúde.

Em março de 2022, o Tribunal Constitucional (TC) restaurou o indulto concedido por PPK, mas ele não pôde ser libertado porque o governo do então presidente Pedro Castillo – atualmente preso pela tentativa de golpe de estado de 7 de dezembro de 2022 – decidiu acatar uma resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que pedia a não execução do que foi ordenado pelo TC.

Em novembro deste ano e depois de uma medida judicial da defesa de Fujimori, o TC ordenou a execução do indulto, o que foi novamente contestado pela CIDH.

 

Por fim, o governo de Dina Boluarte ordenou a execução do indulto humanitário na quarta-feira (6), o que suscitou opiniões a favor e contra a medida.

As razões para a libertação de Fujimori

Luz Pacheco Zerga, uma das juízas do TC, disse numa entrevista recente que a libertação de Fujimori aconteceu segundo a Constituição do Peru e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.

“A Convenção estabelece que, se num caso específico, o juiz nacional considerar que a lei do país protege melhor o direito da pessoa, (…) neste caso o indulto”, então “o juiz não é obrigado a obedecer à Corte (IDH).

“Há situações em que a soberania nacional e, sobretudo, a proteção dos direitos têm que prevalecer”, disse Pacheco.

Ela disse ainda que “apenas 15% das decisões proferidas pela Corte (IDH) são cumpridas pelos países membros. E por que isso acontece? Porque infelizmente, muitas vezes, a Corte ultrapassa os seus limites, ultrapassa a sua jurisdição.”

Quem é o cardeal Pedro Barreto?

O cardeal jesuíta Pedro Barreto Jimeno é arcebispo de Huancayo, nos Andes peruanos, desde 2004.

Em maio de 2021, o cardeal causou controvérsia por declarações que foram interpretadas como apoio a Pedro Castillo, então candidato à presidência do Peru e acusado de ter ligações com o terrorismo comunista do Sendero Luminoso.

Entrevistado pelo jornalista Nicolás Lúcar em Exitosa, o cardeal Barreto criticou as mensagens de vídeo feitas por jogadores de futebol que fizeram parte da seleção peruana, nas quais rejeitavam o comunismo, pediam a manutenção da unidade no país e pediam para votar pela democracia e pela liberdade.

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O cardeal disse que embora “cada cidadão tenha a liberdade de expressar a sua posição política”, os atletas peruanos não deveriam se pronunciar "tendo como emblema a camisa sagrada [camisa esportiva] do Peru". “Eu considero isso um uso político que deve ser condenado”, acrescentou.

Em maio de 2018, pouco antes de ser criado cardeal, Barreto também gerou polêmica ao dizer que a ideologia de gênero dignifica homem e mulher.

Entrevistado pela Ideeleradio, o então bispo Barreto disse: “A Igreja tem alguns princípios e valores irrenunciáveis ​​e fala de uma dignificação do papel da mulher em todos os campos de atuação e, nesse sentido, temos que estar atentos que não será fácil esta abordagem de género, que me parece a mais adequada para dignificar tanto o homem como a mulher, cada um no seu papel”.

A ideologia de gênero é uma corrente – condenada em diversas ocasiões pelo papa Francisco – que considera que o sexo biológico não é determinante para a pessoa, mas sim que ela pode definir a sua orientação sexual e identidade de acordo com as suas preferências e até contra a sua natureza.