Os católicos fiéis enfrentam hoje um período de perseguição, tribulação e “terror psicológico” que, de uma forma sem precedentes, vem de dentro de países com antiga tradição cristã, disse Gerhard cardeal Müller, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.

Em entrevista exclusiva ao jornal National Catholic Register, do mesmo grupo a que pertence ACI Digital, Müller criticou duramente a Igreja na Alemanha e o Caminho Sinodal Alemão, processo de reforma que surgiu com a crise de abuso sexual pelo clero.

Para o cardeal alemão, os ataques aos fiéis vêm de partes “secularizadas” da Igreja e ocorrem frequentemente no local de trabalho ou nas escolas.

Agora é um “tempo de tribulação e terror psicológico”, os católicos ortodoxos estão sendo “perseguidos, e, em alguns países isso culmina no martírio”, disse o cardeal Müller. “Geralmente isso vinha de fora, mas agora é de dentro, em nossos países que têm antigas tradições cristãs. É uma situação nova.”

O cardeal deu a entrevista em 5 de fevereiro, quando a reunião plenária do Caminho Sinodal Alemão aprovou apoiar bênçãos de uniões do mesmo sexo, mudanças no Catecismo da Igreja Católica sobre a homossexualidade, ordenação de mulheres, fim do celibato sacerdotal obrigatório na Igreja latina, e participação de leigos na eleição de novos bispos.

Os comentários de Müller também se dirigem a uma série de declarações de bispos europeus feitas nas últimas semanas. O arcebispo de Munique e Freising, Reinhard cardeal Marx, disse, em 3 de fevereiro, que os padres deveriam ter permissão para se casar “não apenas por razões sexuais”, mas para que “não ficassem tão solitários”. O arcebispo de Luxemburgo, Jean-Claude cardeal Hollerich, declarou que o ensino da Igreja sobre a homossexualidade está “errado” e precisa de revisão.

No mês passado, mais de 120 funcionários homossexuais da Igreja na Alemanha exigiram a bênção das uniões do mesmo sexo e uma mudança nas regras trabalhistas da Igreja para fins de bebefícios trabalhistas, iniciativa bem recebida pela conferência dos bispos alemães.

O cardeal Müller, 74, que foi bispo de Regensburg, na Alemanha, de 2002 a 2012, disse que muitos dos que promovem essas opiniões divergentes são "pessoas secularizadas" que "querem manter o nome de 'católico', permanecer na instituição e aceitar o dinheiro, mas não aceitam o ensino da palavra de Deus”.

“Eles relativizam a fé católica, mas permanecem com seus títulos: cardeais, bispos, professores de teologia. Na realidade eles não acreditam no que a Igreja está dizendo”, disse ele, e descreveu essas pessoas como “materialistas” que não tomam a criação e a revelação como base da crença.

Para Müller, a agenda LGBT, que está sendo apoiada “é totalmente idiota porque sua mitologia neognóstica é absolutamente contra a natureza humana, não apenas no sentido biológico, mas também no filosófico”.

Para Müller, que foi prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, responsável por manter a ortodoxia da Igreja, de 2012 a 2017, a bênção de casais do mesmo sexo promovida pelos bispos alemães é “siplesmente uma blasfêmia” porque é uma “negação da constituição do ser humano como homem e mulher, e não pode haver bênção nisso.”

Ele também denunciou a ideia, proposta por membros da Igreja na Alemanha, de que padres deveriam ter relações sexuais com mulheres para que “então não procurem meninos” como uma “discussão escandalosa!”

Defendendo o ensinamento dos papas anteriores, ele também descartou firmemente o diaconato das mulheres, dizendo que o “diaconato sacramental é um grau de uma ordem tríplice indivisível que não pode ser transferida para as mulheres segundo a tradição apostólica permanente”.

E, no entanto, ele observou que é isso “o que eles estão votando” no Caminho Sinodal Alemão, em referência ao voto de 4 de fevereiro a favor da ordenação de mulheres, embora “eles não possam votar contra a verdade revelada e sua definição infalível pelo magistério eclesial”.

De maneira mais geral, o Cardeal Müller alertou para ataques determinados contra os sacramentos, especialmente o Santíssimo Sacramento e as ordens sagradas.

“Não são poucos os que negam o caráter sacrificial da Eucaristia e a Presença Real”, observou. “O papel do sacerdote e a substância da fé estão em perigo”.

Ele acrescentou que aqueles que pressionam por essas mudanças não têm “entendimento sobrenatural”, e o que eles estão pedindo é, de fato, um “grande movimento anti-Vaticano II” que vai contra Lumen Gentium, a constituição dogmática do Concílio Vaticano II sobre a Igreja, e o decreto do Concílio sobre o ministério e a vida dos sacerdotes, Presbyterorum ordinis, sobre a dignidade da “vocação e serviço sacerdotal na compreensão do celibato sacerdotal”.

Sacerdócio ‘Assistente Social’

São as mesmas pessoas, disse ele, que querem “destruir o sacerdócio sacramental, primeiro sendo contra o celibato e depois negando a instituição sobrenatural do sacramento”. Eles gostariam de relativizar o sacerdócio sacramental, acrescentou, de modo que o que resta é um “assistente social” que deixa a identidade do padre “esvaziada” e vulnerável. Em 4 de fevereiro, o Caminho Sinodal Alemão também apoiou um apelo para relaxar a exigência do celibato para os padres da Igreja latina, pedindo que o tema seja abordado em um futuro concílio ecumênico.

Os líderes da Igreja e os leigos católicos que defendem essas visões anticatólicas não acreditam no Juízo Final, disse o Cardeal Müller. “Para eles, Deus tem que se justificar.”

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Para Müller, o julgamento dessas pessoas será mais severo, já que eles apostataram. “Como apóstata, essa pessoa tem mais culpa do que alguém que nunca ouviu falar da fé católica.”

Ele observou ainda que esses dissidentes dentro da Igreja não vão criticar a decadência do mundo, nem “se atrevem” a dizer que “aborto é assassinato de crianças”, porque então “serão brutalmente atacados”.

Em vez disso, eles se concentram no abuso sexual de menores pelo clero, mas o exploram para avançar sua própria agenda, sem examinar as causas ou insistir em ordenar padres que possam viver em abstinência. “Eles dizem que têm vergonha do abuso sexual, mas não dizem que danos foram infligidos às almas dos abusados ​​e do agressor, e os danos causados ​​ao Corpo de Cristo”, disse ele. “Eles estão instrumentalizando seres humanos; eles não têm respeito pelas pessoas. Eles manipulam os jovens, derramam lágrimas pelas vítimas de abuso; mas por outros, eles não têm interesse.”

Em suma, ele disse acreditar que aqueles que defendem mudanças como as do Caminho Sinodal Alemão “não são reformadores”, mas estão pressionando por “uma deformação da Igreja, uma secularização da casa do Deus Uno e Trino”.

E ele disse que um problema-chave é o desejo estabelecer compromissos com o mundo, a falta de vontade de viver com a tensão de viver a fé na sociedade altamente secularizada de hoje.

O objetivo de muitos bispos é serem amados e respeitados pela sociedade, como eram no século 19, mas ele disse que eles sabem que não podem mudar a fé, então eles chamam seus esforços para fazer esse “desenvolvimento da doutrina” e assim “destruir e contradizer a fé revelada”.

Ataques a bispos fiéis

Respondendo sobre os ataques implacáveis ​​a bispos como Rainer Maria cardeal Woelki, de Colônia, o bispo Rudolf Voderholzer, de Regensburg, e, mais recentemente, o papa Bento XVI, por acusações de tratamento incorreto de casos de abuso há mais de 40 anos, pelos quais o papa emérito nega irregularidades, o cardeal Müller enfatizou que todos esses bispos “tomaram mais medidas contra esses abusos”, do que outros bispos, vigários gerais e outros responsáveis que “cometeram grandes erros, mas não são criticados porque pertencem a esse grupo ideológico de auto-secularização”.

Ele argumentou que o Cardeal Woelki, por exemplo, “não pode ser culpado” por lidar mal com casos de abuso, “mas os caluniadores mais furiosos entre seus irmãos bispos alemães conseguem se safar só porque a mídia de massa anticatólica está do lado deles, assim como os católicos secularizados de dentro”.

Muitos desses ataques são provocados por uma mídia altamente secularizada e anticatólica cujos preconceitos, afirmou o Cardeal Müller, remontam ao Kulturkampf (Luta cutural), o conflito entre o governo prussiano de Otto von Bismarck e a Igreja Católica, liderada pelo Papa Pio IX, que se estendeu de 1872 a 1878.

“Eles assumem posições contra a lei natural, e o que eles não aceitam é um ponto de vista sobrenatural: que a autoridade mais alta é o Deus pessoal e amoroso, não nós”, disse ele.

Para Müller, alguém como o cardeal Marx é sempre preferido pela imprensa porque “ele é o melhor promotor dos objetivos que eles desejam – neutralizar a Igreja” e impedir que ela dê “respostas a questões existenciais profundas”.

O que é necessário

Olhando para o futuro, o cardeal disse que cabe ao papa Francisco e ao Colégio dos Cardeais intervir e disciplinar esses bispos e o Caminho Sinodal Sinodal Alemão antes que seja tarde demais.

Ele também pediu ao Papa que tenha mais consultores alemães para lhe explicar exatamente o que está acontecendo. Corrigir essa doutrina errado, diz Müller, “só pode ser feito promovendo um episcopado melhor, teologicamente bem formado”, como aconteceu “no tempo da reforma na Alemanha e em outros países”, quando a reforma protestante teve como reação católica o Concílio de Trento e a revivescência do trabalho intelectual na Igreja no período da Contra-Reforma.

Enquanto isso, para os fiéis católicos que sofrem ataques contínuos por causa da fé, ele os encorajou com as palavras de Jesus no Sermão da Montanha (Mateus 5,11-12):

“Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós”.