No centenário da fundação do Pontifício Instituto de Arqueologia Cristã, o papa Leão XIV publicou hoje (11) uma carta apostólica na qual elogia a arqueologia cristã como uma obra capaz de "fazer falar os silêncios da história" e de "trazer à luz a santidade anônima de tantos fiéis que fizeram parte da Igreja".

“Vivemos num mundo que tende a esquecer, que corre rápido, que consome imagens e palavras sem sedimentar sentido”, diz o papa no documento. “A Igreja, ao contrário, é chamada a educar para a memória, e a arqueologia cristã é um dos seus instrumentos mais nobres para o fazer”.

“Não para se refugiar no passado, mas para habitar o presente com consciência e construir o futuro com raízes”, diz o papa.

Essa é a terceira publicação magisterial desse tipo de Leão XIV em seus oitos meses de pontificado, depois de Desenhar Novos Mapas de Esperança, documento focado na educação, e In unitate fidei, sobre o concílio ecumênico de Niceia, no qual ele falou sobre a unidade dos cristãos.

Segundo o papa, a arqueologia cristã permite à Igreja fazer um “retorno às origens” e “narrar a história da salvação não só com palavras, mas também com imagens, formas, espaços”. Numa época que “muitas vezes perde as raízes”, ela é “um instrumento precioso de evangelização”.

O papa diz que a arqueologia fala a crentes e não-crentes, jovens, acadêmicos e peregrinos, porque ilumina o significado da jornada e evoca um “eco da eternidade”.

“O cristianismo não é uma ideia suspensa”

Cada descoberta arqueológica, diz Leão XIV, mostra que "o cristianismo não é uma ideia suspensa, mas um corpo que viveu, que celebrou, que habitou o espaço e o tempo".

Para o papa, a arqueologia mostra que a fé resiste “a perseguições, crises e mudanças, soube renovar-se” e “florescer em novas formas”. Por isso, ele a descreve como “um ministério de esperança”.

Leão XIV diz que essa disciplina permite intuir "a força de uma existência que transcende os séculos", ler nos túmulos "a espera pela ressurreição" e nas absides "a orientação para Cristo".

O papa diz que a arqueologia tem um papel crucial na teologia da revelação, visto que Deus “falou ao longo do tempo, através de eventos e pessoas”. Assim, compreender a revelação exige o conhecimento de seus contextos históricos: a arqueologia “ilumina os textos”, diz ele, e também os “completa”.

No documento, o papa se afasta de qualquer idealização do passado e pede para conhecer a história real da Igreja — composta de “grandeza e limites, de santidade e fragilidade, de continuidade e ruptura” — o que permitirá uma teologia mais verdadeira.

“Memória viva”, não um culto ao passado

Leão XIV alerta sobre uma visão meramente conservacionista da arqueologia. "A verdadeira arqueologia cristã não é conservação estéril, mas memória viva", diz, destacando que a arqueologia cristã deve fomentar uma "memória reconciliada" e promover espaços para o diálogo.

O papa falou sobre o valor da comunhão acadêmica e da cooperação entre as instituições arqueológicas, descrevendo esse campo como "um recurso para todos".

Leão XIV diz que “uma teologia que ignora a arqueologia corre o risco de se tornar desencarnada, abstrata, ideológica”.

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Segundo o papa, a arqueologia não só fornece dados históricos, como também permite que a teologia permaneça enraizada na realidade concreta do povo de Deus. Ele diz que “uma teologia que acolhe a arqueologia como aliada é uma teologia que escuta o corpo da Igreja, que questiona as suas feridas, que lê os seus sinais, que se deixa tocar pela sua história”.

Em sua reflexão, Leão XIV fala sobre a dimensão humana e pastoral do trabalho arqueológico. Ele o descreve como uma profissão essencialmente “palpável”, na qual os pesquisadores “são os primeiros a tocar, após séculos, uma matéria enterrada que conserva a energia do tempo”.

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Mas a contribuição do arqueólogo cristão — diz o papa — vai além da recuperação material: “Não estuda só os achados, mas também as mãos que os forjaram, as mentes que os conceberam, os corações que os amaram”.

Deus realmente entrou na história, e a fé não é uma filosofia

O papa coloca essa perspectiva em continuidade com as tradições mais antigas do cristianismo, dizendo que, desde as suas origens, a fé foi também transmitida através da memória de lugares e sinais. "As primeiras comunidades cristãs guardavam, junto às palavras de Jesus, também os lugares, os objetos, os sinais da sua presença", diz Leão XIV no documento.

Lugares como o túmulo vazio, a casa de são Pedro apóstolo em Cafarnaum ou as catacumbas romanas não só serviram como testemunho histórico, mas também "contribuíram para testemunhar que Deus tinha realmente entrado na história e que a fé não era uma filosofia, mas um caminho concreto na carne do mundo", escreve o papa.

Leão XIV diz que a Igreja precisa da “busca de uma sabedoria profunda, capaz de guardar e transmitir ao futuro o que é verdadeiramente essencial” e que “a arqueologia é uma componente imprescindível para a interpretação do cristianismo e, consequentemente, para a formação catequética e teológica”.

O papa diz que essa disciplina “não é só uma disciplina especializada, reservada a poucos especialistas”, mas um caminho acessível a todos aqueles que desejam compreender “a encarnação da fé no tempo, nos lugares e nas culturas”.

“A chama da consciência coletiva”

Para Leão XIV, estudar e narrar a história ajuda a manter viva “a chama da consciência coletiva”. Caso contrário, diz, “restaria só a memória pessoal de eventos ligados ao próprio interesse ou às próprias emoções, sem uma verdadeira ligação com a comunidade humana e eclesial em que vivemos”.

Leão XIV diz que o Pontifício Instituto de Arqueologia Cristã nasceu com o motu proprio Os Cemitérios Primitivos, publicado pelo papa Pio XI em 11 de dezembro de 1925, com a tarefa de "orientar, com o máximo rigor científico, os estudos sobre os monumentos do cristianismo antigo para reconstruir a vida das primeiras comunidades".

O papa elogia a capacidade do instituto de ser um instrumento de diálogo e paz, falando sobre o 13º Congresso Internacional realizado em Spalato, Croácia, “na guerra na ex-Iugoslávia – uma escolha difícil e não consensual no meio acadêmico –”, assim como as suas missões em países politicamente instáveis.

Ele diz que "nunca se desviou dos objetivos da formação superior, privilegiando o contato direto com as fontes escritas e os monumentos".

A instituição participou de escavações decisivas, como a do túmulo do apóstolo são Pedro sob o Altar da Confissão na basílica de São Pedro, no Vaticano, e em investigações recentes na basílica de São Paulo Fora dos Muros, em Roma.

“Em que sentido pode ainda ser proveitoso, na era da inteligência artificial e das investigações nas infinitas galáxias do universo, o papel da arqueologia cristã na sociedade e para a Igreja?”, pergunta o papa.

Arqueologia, uma escola de esperança

Leão XIV dá a resposta: os métodos contemporâneos permitem “obter novas informações a partir de achados outrora considerados insignificantes”, lembrando que “nada é realmente inútil ou está perdido”. Mesmo o que parece marginal, diz o papa, pode “restituir significados profundos”. É por isso que ele diz que “a arqueologia, nesse sentido, é também uma escola de esperança”.

Por fim, citando a constituição apostólica Veritatis gaudium, publicada pelo papa Francisco, Leão XIV diz que a arqueologia faz parte das disciplinas fundamentais da formação teológica, porque "ela não nos fala só de coisas, mas de pessoas: das suas casas, dos seus túmulos, das suas igrejas, das suas orações" e de " como a fé moldou espaços, cidades, paisagens, mentalidades".