22 de out de 2025 às 12:04
A Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN) apresentou ontem (21) em Roma seu Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo 2025, um estudo que analisa a situação em 196 países e documenta violações graves em 62 deles.
Dos 62 países analisados, 24 se enquadram na categoria mais grave: perseguição, com violações sistemáticas da liberdade religiosa — violência, prisões e repressão. Em 75% deles, a situação se agravou. Outros 38 países têm discriminação religiosa, limitando o culto, a expressão e a igualdade jurídica das minorias.
O documento, que abrange o período de janeiro de 2023 a dezembro do ano passado, mostra um fato preocupante: dois terços da população mundial (cerca de 66%) — mais de 5,4 bilhões de pessoas — vivem em 62 países onde a liberdade religiosa não é totalmente garantida. Só Cazaquistão e Sri Lanka tiveram melhora desde a publicação do relatório anterior, em 2023.
“O direito à liberdade de pensamento, consciência e religião, protegido pelo Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, não está só sob pressão: em muitos países, está desaparecendo”, disse Regina Lynch, presidente internacional da ACN, na apresentação do relatório em Roma.
Autoritarismo, um fator global de repressão religiosa
O relatório diz que o autoritarismo é o principal impulsionador da repressão religiosa. Em 19 dos 24 países classificados como "perseguidos" e em 33 dos 38 como "discriminados", governos empregam estratégias sistemáticas — apoiadas por inteligência artificial (IA) e tecnologias digitais — para controlar ou suprimir a liberdade religiosa.
Na China, no Irã, na Eritreia e na Nicarágua, autoridades empregam vigilância em massa, censura digital, leis repressivas e prisões arbitrárias contra comunidades religiosas independentes. "O controle da fé tornou-se um instrumento de poder político", diz o relatório, denunciando uma crescente "burocratização da repressão religiosa".
A expansão do jihadismo e do nacionalismo religioso
O extremismo islâmico continua se espalhando, especialmente na África e na Ásia, sendo a principal causa de perseguição em 15 países e um fator de discriminação em outros dez países.
A região do Sahel — que se estende por cerca de 5 mil quilômetros de oeste a leste, do Oceano Atlântico ao mar Vermelho, e abrange partes de dez países africanos: Senegal, Mauritânia, Mali, Burkina Faso, Níger, Nigéria, Chade, Sudão, Eritreia e Etiópia — tornou-se o epicentro do terrorismo jihadista, denuncia o relatório. Vários grupos terroristas, como o Estado Islâmico – Província do Sahel (ISSP) e o Jnim, estão presentes, sendo responsáveis pela morte de centenas de milhares de pessoas, pelo deslocamento de milhões de pessoas e pela destruição de várias igrejas e escolas.
O nacionalismo étnico-religioso intensifica a repressão na Ásia. Na Índia e em Mianmar, comunidades cristãs e muçulmanas sofrem ataques, exclusão legal e violência alimentada pela retórica política. O relatório diz que a situação na Índia é uma "perseguição híbrida", uma combinação de leis discriminatórias e violência civil tolerada. Na Palestina, em Israel, no Sri Lanka e no Nepal, esse fenômeno resulta em discriminação estrutural.
Guerras, deslocamentos e crime organizado
A deterioração da liberdade religiosa é agravada pelos conflitos armados em Mianmar, na Ucrânia, na Rússia, em Israel e na Palestina, que estão causando uma "crise silenciosa" de deslocamento em massa. Na Nigéria, ataques de milícias ligadas a pastores fulani radicalizados mataram milhares de pessoas e destruíram comunidades inteiras.
No Sahel, particularmente em Burkina Faso, no Níger e no Mali, milícias islâmicas arrasaram aldeias inteiras, enquanto no Sudão, a guerra civil destruiu comunidades cristãs históricas.
O relatório também fala sobre o crescente papel do crime organizado como agente de perseguição: no México e no Haiti, grupos armados matam ou sequestram líderes religiosos e extorquem paróquias para impor controle territorial.
Receba as principais de ACI Digital por WhatsApp e Telegram
Está cada vez mais difícil ver notícias católicas nas redes sociais. Inscreva-se hoje mesmo em nossos canais gratuitos:
Declínio da liberdade religiosa também no Ocidente
A deterioração desse direito não se limita aos países em desenvolvimento. Na Europa e na América do Norte, a Fundação ACN registra um aumento preocupante de ataques contra locais de culto e fiéis. Na França, cerca de mil ataques contra igrejas foram registrados em 2023; na Grécia, cerca de 600 atos de vandalismo; e números semelhantes se repetem na Espanha, na Itália e nos EUA.
Segundo a ACN, esses eventos mostram um clima crescente de hostilidade ideológica em relação à religião.
O relatório também destaca o aumento de atos antissemitas e antimuçulmanos depois dos ataques terroristas de 7 de outubro de 2023 contra Israel e do início da guerra em Gaza. Na França, incidentes antissemitas aumentaram 1.000%, enquanto crimes de ódio contra muçulmanos aumentaram 29%. Na Alemanha, foram registrados 4.369 incidentes relacionados ao conflito, em comparação com só 61 incidentes no ano anterior.
Inteligência artificial, uma arma de controle religioso
O estudo alerta sobre o uso crescente de tecnologias digitais e de inteligência artificial como instrumentos de perseguição. Na China, na Coreia do Norte e no Paquistão, tanto governos quanto atores não estatais usam sistemas de vigilância, de censura e de rastreamento para criminalizar a fé e retratar a religião como uma ameaça à segurança nacional.
Objeção de consciência sob pressão
Mesmo nos países da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa), o direito à objeção de consciência é restrito. Na Armênia, no Azerbaijão, na Ucrânia e na Rússia, aqueles que se recusam a prestar serviço militar por motivos religiosos foram presos. Em democracias ocidentais como a Bélgica, instituições de inspiração religiosa enfrentam pressão legal para oferecer serviços como aborto ou suicídio assistido, colocando em risco a liberdade de agir conforme a própria consciência.
Pela primeira vez, a ACN lançou uma petição global na apresentação intitulada A liberdade religiosa é um direito humano, não um privilégio, dirigindo-se a governos e organizações internacionais para exigir a implementação efetiva do artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Resiliência e esperança
Apesar do panorama sombrio, o relatório destaca a resiliência das comunidades religiosas, que continuam a promover a educação, a ajuda humanitária e a reconciliação. Em Moçambique e em Burkina Faso, projetos inter-religiosos demonstram que a fé pode ser uma força motriz para a coesão social.
“A liberdade religiosa é o barômetro do respeito por todos os outros direitos humanos", disse Regina Lynch, ressaltando a urgência de defender esse direito universal. “Seu declínio anuncia um retrocesso geral das liberdades fundamentais”.









