A comunidade libanesa espalhada pelo mundo é celebrada há muito tempo como a maior força do Líbano, mas quando se trata de direitos de voto, seu papel continua sendo uma fonte de divisão e desconforto.

As sessões ministeriais mais recentes trouxeram o assunto de volta à tona, ressaltando tanto a fragilidade do consenso político quanto a desconfiança que continua a paralisar as reformas. Para muitos cristãos, a questão tem um peso especial. Por trás dos argumentos técnicos, esconde-se um medo mais profundo: o de que limitar a voz da diáspora tem menos a ver com o processo eleitoral e mais com a erosão gradual de sua influência no frágil equilíbrio de poder do Líbano.

Voando para casa, votando no exterior

O direito dos libaneses de votar no exterior em eleições nacionais foi introduzido no Líbano de 2017. Antes disso, qualquer pessoa que vivesse fora do país tinha que ir para o Líbano se quisesse votar.

A lei permitiu que expatriados votassem do exterior por meio de embaixadas e consulados. Ela também criou um plano para reservar seis cadeiras no Parlamento do Líbano especificamente para eleitores expatriados: uma para cada uma das principais comunidades religiosas do Líbano.

Segundo esse plano, os expatriados não votariam em todos os 128 membros do parlamento como os residentes, mas só em seis deputados escolhidos em distritos ultramarinos recém-criados, divididos por continente.

No entanto, tal grupo eleitoral não foi estabelecido. A própria lei deixou o mecanismo vago, sem um modo claro de implementá-lo.

Como resultado, tanto nas eleições de 2018 quanto nas de 2022, os libaneses no exterior votaram nos 128 membros do parlamento, assim como os cidadãos dentro do país. Seus votos foram contabilizados em seus distritos de origem, não num bloco separado "exclusivo para expatriados".

Hezbollah pressiona para limitar o voto da diáspora

Com as próximas eleições marcadas para o ano que vem, há uma pressão crescente — liderada principalmente pelo grupo radical muçulmano Hezbollah e seus aliados — para implementar o plano de seis assentos e confinar os eleitores da diáspora libanesa a esses seis assentos.

Por outro lado, 68 membros do parlamento, representando cerca da metade da câmara — de partidos como as Forças Libanesas, Kataeb, Partido Socialista Progressista (PSP), independentes e outros — estão pressionando para alterar a lei e tornar o sistema distrital permanente.

O presidente do Parlamento do Líbano, Nabih Berri, até agora se recusou a colocar a proposta na pauta do parlamento, deixando a questão sem solução.

Duas sessões recentes evidenciaram o impasse. Na última segunda-feira (6), Berri se recusou a colocar a emenda na pauta, levando as Forças Libanesas e os parlamentares do Kataeb — os dois principais partidos cristãos do país — a se retirarem e quebrarem o quórum. A sessão do dia seguinte fracassou pelo mesmo motivo, com a continuação dos boicotes.

O Hezbollah e seus aliados são os que mais têm a perder com uma diáspora fortalecida, e os números de 2022 dizem o porquê. Cerca de 130 mil libaneses no exterior compareceram às urnas, o triplo do número de 2018, e muitos de seus votos foram para independentes e reformistas que criticavam abertamente o papel do Hezbollah no país.

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A participação do Amal-Hezbollah no voto dos expatriados caiu de 20% para 13%, enquanto o Movimento Patriótico Livre — principal parceiro cristão do Hezbollah — caiu de 16% para 7%.

O que perturba ainda mais o establishment é que esses eleitores não são migrantes isolados, mas sim emigrantes recentes que fugiram do colapso financeiro de 2019 e da explosão no porto de Beirute em 2020 — um eleitorado mais jovem e com pouca paciência para a velha ordem. Com projeções de que cerca de 300 mil expatriados poderiam se registrar no ano que vem, o Hezbollah vê a diáspora não como um eleitorado distante, mas como uma ameaça eleitoral iminente, que espera conter por meio do plano de seis assentos.

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O Hezbollah, por sua vez, não admite abertamente que a busca por seis assentos visa limitar a influência da diáspora. Em vez disso, seus líderes enquadram a questão em torno de "dificuldades logísticas", desafios no monitoramento da votação no exterior e o risco de que expatriados possam sofrer pressão.

O deputado Pierre Bou Assi rejeitou categoricamente essas alegações falando à ACI MENA, agência de notícias em árabe do grupo EWTN.

"Esses argumentos são totalmente infundados", disse ele. "É impossível pressionar os eleitores que votam em privacidade, atrás da cortina. Do ponto de vista logístico, o processo de votação para 128 deputados já se mostrou bem-sucedido, enquanto a viabilidade de votar para só seis deputados no exterior ainda não foi testada”.

Assi disse também que a própria diáspora tem se manifestado na reivindicação do direito de votar para todas as 128 cadeiras e que o apoio a essa demanda ultrapassa as linhas políticas e sectárias do Líbano.

“Sem dúvida, restringir o voto cristão a seis deputados é uma marginalização deliberada das vozes cristãs e uma redução do seu impacto político”, disse o deputado. “É um enfraquecimento da verdadeira representação e uma redução da participação cristã na parceria política real e na tomada de decisões nacionais”.

Segundo os cadastros eleitorais mais recentes do Ministério do Interior e dos Municípios do Líbano, publicados em 2022, os cristãos eram cerca de um terço (cerca de 33%) do eleitorado libanês em geral, proporção semelhante à dos residentes no país. Mas entre os expatriados registrados, os cristãos são uma clara maioria: 53,2%, em comparação com 20% de sunitas, 20% de xiitas e 6,4% de drusos.

Assi, que anteriormente chefiou o Departamento de Relações Exteriores das Forças Libanesas, enfatizou à ACI MENA que os libaneses no exterior não estão desligados de sua terra natal. Pelo contrário, disse ele, eles permanecem profundamente ligados ao Líbano e aspiram voltar ao país ou investir nele.

“Os libaneses no exterior têm enormes recursos — científicos, intelectuais, financeiros — e sua expertise abrange várias áreas”, disse o deputado. “O que eles pedem acima de tudo é estabilidade. É por isso que, como Forças Libanesas, colocamos a estabilidade como nossa maior prioridade, e o único caminho para isso é fortalecer o Estado e garantir que o monopólio das armas e a decisão sobre a guerra e a paz estejam exclusivamente em suas mãos”.

Assi destacou que a presença e o papel dos cristãos no Líbano são a “verdadeira razão de ser” da comunidade. Uma vez garantida a estabilidade, disse ele, a diáspora vai desempenhar um papel decisivo na prosperidade do Líbano.

Jovens cristãos no exterior expressam frustração

Libaneses no exterior, especialmente cristãos, estão cada vez mais irritados com a perspectiva de perder seus plenos direitos de voto. Charbel Abi Younes, um cientista político de 27 anos de idade que partiu para a Austrália em 2022, disse que se sente "excluído da política do próprio país". Se a lei limitar os eleitores da diáspora a seis cadeiras, disse Younes, ele não votará: "Seria como se meu próprio país me dissesse que não faço parte dele".

Younes descreveu a pressão por restrições como “uma tentativa de lados específicos de consolidar o poder porque eles estão cientes de que o voto dos imigrantes os derrubaria”.

Falando sobre o papel mais amplo da diáspora para os cristãos do Líbano, ele disse: “Os cristãos do Líbano têm dependido fortemente da diáspora nos últimos anos, seja economicamente, por meio de dinheiro estrangeiro, seja politicamente, por meio de lobby. Espero que um dia a comunidade cristã no Líbano seja forte o suficiente para não precisar da ajuda de ninguém além da sua própria”.