27 de ago de 2025 às 16:05
A estreia da série documentário Marcial Maciel: O Lobo de Deus neste mês no serviço de streaming HBO Max pôs os holofotes sobre o fundador dos Legionários de Cristo e as acusações de abuso sexual contra ele.
“Sim, estamos cientes da produção”, disse a congregação em Roma à ACI Prensa agência em espanhol do Grupo ACI por e-mail. “No fim de 2022, recebemos um pedido de entrevista dos produtores do documentário. O projeto, disseram, abordaria eventos que já eram, em grande parte, de conhecimento público graças a denúncias de vítimas, ex-membros e especialistas, e a investigações conduzidas pela congregação e pela Santa Sé”.
Os Legionários de Cristo disseram que o padre Andreas Schöggl, LC, ex-secretário geral e atual arquivista da congregação, foi o único a dar entrevista, "por seu profundo conhecimento da história da Legião e sua capacidade de explicá-la com precisão e transparência".
A congregação enfatizou que "concordar com a entrevista não implica em colaboração na produção ou influência" na edição final. "Respondemos a todas as perguntas com total abertura e clareza", disseram os Legionários de Cristo.
Eles disseram também que seu site tem uma seção dedicada a Marcial Maciel e cinco relatórios anuais Verdade, Justiça e Cura. Eles também implementaram um programa de ambientes seguros e um processo de conscientização e reparação para as vítimas.
"Estamos cientes de que ainda temos um longo caminho a percorrer, mas reiteramos nosso compromisso com a verdade e com aqueles que sofreram", disse também a congregação.
O contexto da série
Por décadas, Maciel foi um líder carismático e um arrecadador de fundos eficaz. Depois foi revelado que ele havia abusado sexualmente de pelo menos 60 menores de idade, sido viciado num derivado da morfina, levado uma vida dupla oculta e sido pai de pelo menos uma filha.
A primeira temporada da série dirigida por Matías Gueilburt consiste em quatro episódios. O primeiro, ambientado no México da década de 1940, narra a fundação dos Legionários de Cristo e os primeiros sinais de alerta sobre Maciel, que foram ignorados. O segundo, ambientado na década de 1950, descreve a expansão da Legião para a Espanha e a Itália, assim como o início das investigações devido aos primeiros relatos de abuso e seu vício num derivado da morfina se tornarem conhecidos. O terceiro, ambientado na década de 1990, retrata sua proximidade com o papa são João Paulo II, o lançamento do Regnum Christi, a revelação de sua vida dupla por meio de um relatório de 1997 e as estratégias empregadas para evitar a exposição sob crescente escrutínio internacional. O quarto capítulo conclui a série.
A série documental baseia-se em arquivos, várias fontes, como jornalistas e especialistas, e depoimentos de algumas vítimas, como os ex-legionários Juan Vaca, Alejandro Espinoza e José Barba, que relatam em detalhes os abusos perpetrados por Maciel. Ao longo de seus capítulos, o documentário mantém um tom respeitoso em relação à Igreja e às vítimas, e usa dramatizações em certos trechos para criar uma atmosfera impactante.
A congregação disse que, desde o início, condicionou sua participação a fazer isso "com abertura e humildade: encarando nossa história, reconhecendo os danos causados e mostrando o caminho de renovação que tomamos".
O objetivo, disseram, era "contribuir para um relato mais completo dos eventos" e, ao mesmo tempo, reafirmar seu "compromisso com a verdade e com as vítimas, divulgar o processo de renovação, testemunhar o serviço que prestamos à Igreja hoje e divulgar informações verificadas e contrastadas sobre os eventos".
A visão do produtor
Sebastián Gamba, produtor executivo da Anima Films e da série documental, disse à EWTN News que o caso Maciel "é um caso muito ressonante na história recente do México" e que a decisão de abordá-lo foi tomada há sete anos.
Sobre o título da série, ele disse que O Lobo de Deus "representa perfeitamente a figura de Maciel: um personagem sinistro que se esconde na religião para fazer o máximo de mal possível".
Gamba disse que o maior desafio que a produção enfrentou foi contar uma história "muito dolorosa", cuidar das vítimas e mostrar "toda a dimensão, que não é só o aspecto mais dramático e sombrio — o do abuso sexual — mas muitos outros aspectos".
Ele destacou a inclusão de jornalistas e pesquisadores de vários países, como Raúl Ormos (autor do livro investigativo O Império Financeiro dos Legionários de Cristo), Jason Berry (um dos primeiros a denunciar abusos nos EUA na década de 1990), Idoia Sota (autora de uma reportagem de 2009 que revelou a existência de Norma Hilda Rivas Baños, filha que Maciel teria concebido com uma jovem de 17 anos chamada Norma Baños), entre outros. "O grande desafio foi conseguir incluir todas essas vozes e, claro, as vozes das vítimas", disse ele.
A produção levou cerca de quatro anos porque, segundo Gamba, "há todo um processo de conhecimento mútuo, de entendimento de ambas as partes sobre o que é o projeto, para que de fato a outra pessoa esteja disposta a participar ou não".
Sobre a participação dos Legionários de Cristo no documentário, ele disse que "é claro que eles condenam toda a vida de Maciel" e que "não houve resistência ou obstáculo de qualquer tipo" por parte da congregação ou da Santa Sé.
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Sobre o tratamento dos depoimentos das vítimas, ele enfatizou que o fator tempo foi essencial para evitar o sensacionalismo:
Gamba disse que eles tomaram muito cuidado para evitar o sensacionalismo. "Há uma abordagem muito cuidadosa”, disse ele. “O interessante de fazer uma série é que você pode contar um arco muito mais completo dessas histórias: elas começam quando entram na história como crianças, fascinadas pelo mundo que encontraram, e então se transformam numa história de terror. Esse arco narrativo evita o sensacionalismo".
O produtor disse que a série não busca atacar a fé. "Isso não põe em dúvida a religião nem a Igreja Católica”, disse Gamba. “Ela se concentra especificamente numa pessoa, Marcial Maciel, e sua história, que é condenável e que absolutamente ninguém defende hoje, por razões óbvias".
"Acho que a fé é uma coisa maravilhosa; a religião católica, para quem a vive, é uma coisa maravilhosa”, disse o produtor. “E não se trata disso, mas sim de mostrar o que a natureza humana pode alcançar, personificada por uma pessoa que cometeu todos os males e abusos ao seu alcance”.
Antecedentes e relatórios sobre Marcial Maciel e a congregação
O padre Marcial Maciel (1920-2008), fundador dos Legionários de Cristo em 1941, foi investigado pela Santa Sé na década de 1950 por acusações de abuso sexual de menores e abuso de morfina.
Ele foi temporariamente afastado do cargo em 1956 e reintegrado dois anos depois. Em 2006, 50 anos depois da investigação da Santa Sé, o papa Bento XVI afastou Maciel do ministério ativo, com base numa investigação conduzida pela Congregação para a Doutrina da Fé (atual Dicastério) quando Joseph Ratzinger era seu chefe, antes de ser eleito papa em 2005. O papa alemão exortou o Padre Maciel a uma vida de oração e penitência.
Em 19 de maio daquele ano, a Santa Sé emitiu um comunicado sobre o caso com a seguinte informação: “Depois de ter submetido os resultados da investigação a um estudo cuidadoso, a Congregação para a Doutrina da Fé, sob a orientação do novo prefeito, sua eminência o cardeal William Levada, decidiu, levando em consideração tanto a idade avançada do reverendo Maciel quanto sua saúde precária, renunciar ao processo canônico e convidar o sacerdote a uma vida reservada de oração e penitência, renunciando a qualquer ministério público. O Santo Padre aprovou essas decisões. Independentemente do fundador, o digno apostolado dos Legionários de Cristo e da associação Regnum Christi é reconhecido com gratidão”.
A descoberta progressiva da vida dupla de Maciel provocou uma série de crises tanto na Legião quanto no Regnum Christi. A Santa Sé, portanto, considerou necessário fazer uma visita apostólica. O comunicado final de 1º de maio de 2010 diz:
“A visita apostólica pôde constatar que a conduta do padre Marcial Maciel Degollado teve consequências graves para a vida e a estrutura da Legião, a ponto de exigir uma profunda revisão. O comportamento gravíssimo e objetivamente imoral do padre Maciel, confirmado por testemunhos incontestáveis, representa, por vezes, crimes genuínos e revela uma vida desprovida de escrúpulos e de verdadeiro sentimento religioso. Essa vida era desconhecida da maioria dos legionários”.
Paralelamente, os superiores da congregação iniciaram um processo de introspecção institucional.
Segundo o Relatório dos Legionários de Cristo de 1941 a 2019, 175 menores de idade foram vítimas de abuso sexual cometido por 33 padres da congregação ao longo de sua história e em diferentes países. Esse número tem pelo menos 60 menores abusados por Maciel, segundo o relatório. As vítimas eram, em sua maioria, adolescentes entre 11 e 16 anos.
Segundo o 5º Relatório Anual Verdade, Justiça e Cura, publicado em abril deste ano, desde a apresentação do primeiro relatório em 2019 e até 31 de dezembro do ano passado, a congregação recebeu 20 denúncias adicionais contra padres legionários, não contabilizadas no relatório histórico e que ocorreram em décadas diferentes.
O último relatório também revela que 61 pessoas que sofreram abuso sexual na infância estão atualmente recebendo apoio em seus processos de recuperação, 40 das quais recebem cuidados da organização independente Eshmá. Desde 2022, 21 vítimas tiveram acesso a indenização financeira e apoio abrangente .
O documento também diz que a reacreditação de ambientes seguros foi iniciada em vários territórios, com programas de capacitação e acompanhamento de casos históricos. Também foi criada uma comissão de Estudo sobre Abuso de Autoridade, cujos resultados serão apresentados ao capítulo geral em janeiro do ano que vem.
Um chamado ao discernimento
Respondendo se os fiéis poderiam assistir à série com confiança, os Legionários de Cristo em Roma disseram que "todas as informações devem ser abordadas com discernimento" e disseram que eles divulgam todas as informações "sobre a história da Congregação e aspectos da vida de Marcial Maciel" para aqueles que desejam saber mais.
Sobre o impacto potencial da produção, eles disseram que "na medida em que os danos causados e o firme compromisso com a não repetição são reconhecidos, isso é benéfico para a Igreja, a Congregação e a sociedade em geral".
Por fim, os Legionários de Cristo enviaram uma mensagem ao Povo de Deus, em particular às vítimas: “Repudiamos os graves atos de Maciel, reafirmamos nosso compromisso com a verdade e com as vítimas, a quem mais uma vez pedimos perdão, e nosso compromisso de garantir que tais atos jamais se repitam. Continuamos a servir com humildade e fervoroso desejo apostólico”.







