18 de jun de 2025 às 12:09
“Sem desejo de causar escândalo nem de nos exaltar, mas fiados unicamente no caráter sacramental do batismo e da crisma, que nos obrigam a professar a fé e publicamente defendê-la, manteremos respeitosamente a nossa linha de conduta”, disse o Centro Dom Bosco em resposta à nota da arquidiocese do Rio de Janeiro (RJ), que orientou os fiéis a se não participar das atividades promovidas por essa associação depois que ela se aproximou de tradicionalistas.
Em uma nota publicada na segunda-feira (16) e assinada pelo delegado episcopal para a atenção pastoral dos grupos de fiéis que celebram o rito romano segundo o missal anterior à reforma de 1970, monsenhor André Sampaio de Oliveira, a arquidiocese do Rio disse que “os fiéis católicos devem abster-se de participar das atividades promovidas” pela Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX) “ou por associações jurídica ou espiritualmente a ela vinculadas, como é o caso agora do Centro Dom Bosco” (CDB).
A arquidiocese justificou sua orientação afirmando que o CDB “se autodeclarou sob a direção da Fraternidade Sacerdotal São Pio X “e de ministros que a ela pertencem ou a suas comunidades amigas”. Citou, por exemplo, a presença de padres ligados à FSSPX no Fórum Nacional da Liga Cristo Rei, promovido pelo Centro Dom Bosco nos dias 23 e 24 de agosto, no Rio de Janeiro, e a publicação do livro Os Erros do Catecismo Moderno, de Michael Haynes, “em que são expostas críticas indevidas ao atual Catecismo da Igreja Católica, justamente em pontos em que este último consagra as decisões e diretrizes assumidas pela Igreja Católica por ocasião do Concilio Vaticano II”, diz a arquidiocese.
O Centro Dom Bosco publicou ontem (17) um vídeo com nota oficial em resposta à arquidiocese, lida pelo presidente da associação, Alvaro Mendes, que classifica como “censura” a orientação da arquidiocese.
“Lamentamos constatar que a censura é precipitada e não se baseia em fundamentos robustos”, disse. Mendes afirmou que, embora a nota da arquidiocese destaque que o livro Os Erros do Catecismo Moderno tenha prefácio do arcebispo italiano Carlo Maria Viganò, que foi excomungado pela Santa Sé em 2024, este prefácio não foi traduzido para a versão em português do livro publicada pelo CDB.
“Exatamente por sua adesão ao sedevacantismo, posição repudiada tanto pela Fraternidade Sacerdotal São Pio X, quanto pelo Centro Dom Bosco, de modo público e reiterado, não se afigura correto buscar associar-nos às posições do referido prelado, as quais não apenas não defendemos, como ainda a refutamos quase diuturnamente”, disse, destacando que “a obra original foi publicada em 2021, ao passo que as declarações sedevacantistas e o decreto de excomunhão do arcebispo italiano datam do ano passado”.
Mendes disse ainda que causa “profunda perplexidade” o fato de que, segundo ele, “a arquidiocese do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que se posiciona publicamente contra fiéis ligados à tradição da Igreja, frequentemente permita em seus espaços litúrgicos e pastorais celebrações sincréticas de caráter afro, cultos e ritos de outras religiões, encontros com líderes de confissões orientais cismáticas, iniciativas de diálogo interreligioso com representantes das mais variadas crenças, incluindo até ateus e maçons”.
“Lamentamos que se promova ampla acolhida tantas expressões alheias à fé católica, enquanto se rechaça de modo rígido e hostil aquilo que é simplesmente a vivência da fé de sempre, a liturgia tradicional e a doutrina imutável dos santos e doutores”, acrescentou.
Para o Centro Dom Bosco, a nota da arquidiocese “parece partir da premissa equivocada de que qualquer crítica ao Novo Catecismo seria indevida, e poria, em dúvida, a autoridade apostólica com que sua publicação foi ordenada”. Entretanto, disse Mendes, “o próprio papa João Paulo II”, na constituição apostólica Fidei depositum, “jamais pretendeu obrigar os católicos a adotarem o referido catecismo, mas antes se limitou a propô-lo, como instrumento válido e legítimo a serviço da comunhão eclesial, chegando mesmo a usar o verbo pedir”.
O presidente do CDB ressaltou que João Paulo II, na constituição apostólica disse que o novo catecismo não se destinava a substituir os catecismos locais. Por isso, disse, “cremos, com ainda maior razão, que não se destina a substituir os catecismos do Concílio de Trento e de são Pio X, que renderam à Igreja tantos frutos de santidade e segurança doutrinal”.
Mendes disse que o fato de o papa Francisco ter mudado a redação do parágrafo 2.267, sobre a pena de morte, no Catecismo, mostra que ele “não é inquestionável”.
Em agosto de 2018, o papa Francisco autorizou a modificação do artigo 2.267 do Catecismo da Igreja Católica. A versão anterior dizia que “o ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de comprovadas cabalmente a identidade e a responsabilidade do culpado, o recurso à pena de morte, se essa for a única via praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto” e que “se os meios incruentos bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e para proteger a ordem pública e a segurança das pessoas, a autoridade se limitará a esses meios, porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais conformes à dignidade da pessoa humana”.
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A nova versão deste parágrafo diz: “Durante muito tempo, considerou-se o recurso à pena de morte por parte da autoridade legítima, depois de um processo regular, como uma resposta adequada à gravidade de alguns delitos e um meio aceitável, ainda que extremo, para a tutela do bem comum. Hoje vai-se tornando cada vez mais viva a consciência de que a dignidade da pessoa não se perde, mesmo depois de ter cometido crimes gravíssimos. Além disso, difundiu-se uma nova compreensão do sentido das sanções penais por parte do Estado. Por fim, foram desenvolvidos sistemas de detenção mais eficazes, que garantem a indispensável defesa dos cidadãos sem, ao mesmo tempo, tirar definitivamente ao réu a possibilidade de se redimir. Por isso a Igreja ensina, à luz do Evangelho, que «a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e dignidade da pessoa», e empenha-se com determinação a favor da sua abolição em todo o mundo”.
Para Mendes, se Francisco estava correto ao fazer tal mudança, “é forçoso concluir que o catecismo de 1992 considerou compatível com a doutrina tradicional da Igreja uma medida desumana e inadmissível à luz do Evangelho” e, “portanto, que estava errado”. Mas, acrescentou, “se a redação original do catecismo estava correta, então é a mudança introduzida pelo último papa que pode despertar críticas pelo seu evolucionismo doutrinal, que transforma em medida execrável em si mesma o que a Igreja não só ensinou como possível à luz da lei natural, como ainda praticou ao longo dos séculos”.
Segundo o CDB, uma mudança “tão profunda” no Catecismo “só confirma que não estamos diante de um magistério seguro infalível, mas antes discutível e experimental, ao menos no que diz respeito às novidades doutrinais”.
“Essas novidades doutrinais, que remontam ao Concílio Vaticano II e se resumem na tríade liberdade religiosa, colegialidade e comunismo, são realmente fonte de grave discordância doutrinal e têm mergulhado a Igreja numa crise de identidade que já dura 60 anos e arrasta multidões para apostasia, tal como demonstram os dados do mais novo censo do IBGE”, disse. Segundo o Censo, o número de católicos no Brasil caiu nos últimos anos, passando de 64,6% em 2010 para 56,75% em 2022.
Mendes disse que a Fraternidade Sacerdotal São Pio X “adota posição crítica a essas novidades, não por espírito de rebeldia, mas por sólidas razões doutrinais, fundadas no magistério de sucessivos papas e concílios ecumênicos que condenaram esses mesmos princípios como falsos e perigosos”.
“Ameaças canônicas podem assustar alguns fiéis, mas não varrerão as contradições para debaixo do tapete nem estancarão a sangria de católicos que se pendem ano após ano para o ateísmo, o indiferentismo e o protestantismo”, disse.
Para ele, “inflamar o mensageiro não será a solução para a crise que a Igreja atravessa”. Ao contrário, disse, “só exacerbará as contradições de uma hierarquia eclesiástica que promove um singular pluralismo, ao abraçar a diversidade e abrir o diálogo com todos, salvo aqueles súditos que, não podendo em consciência dar as costas ao magistério certo e infalível, querem manter-se fiéis à tradição bimilenar da mesma Igreja”.
O presidente do CDB defendeu que “irregularidades canônicas meramente aparentes não têm importância maior do que guardar fielmente e expor santamente o depósito da fé”.
Mendes disse que “as sérias divergências doutrinais da Fraternidade São Pio X, que um dia levaram a uma equivocada excomunhão, não impediram o papa Bento XVI, no ano de 2009, de levantar essa pena canônica aos bispos sagrados por dom Marcel Lefebvre”, em 1988, indo contra uma proibição expressa da Santa Sé. Os bispos ordenados foram Bernard Fellay, Bernard Tissier de Mallerais, Richard Williamson e Alfonso de Galarreta.
As mesmas divergências também não “impediram o papa Francisco de conceder explícito poder de jurisdição” aos padres da FSSPX “para administrar os sacramentos da confissão e do matrimônio, providência que a Santa Sé não teria tomado se os considerassem cismáticos”, disse.
O Centro Dom Bosco, então, propôs ao delegado episcopal para a atenção pastoral dos grupos de fiéis que celebram o rito romano segundo o missal anterior à reforma de 1970, monsenhor André Sampaio de Oliveira, que reflita “se o tom condenatório de que se valeu estará de acordo com esses recentes atos pontifícios, que derivam da suprema autoridade apostólica do sucessor de Pedro”.
“Aspiramos à unidade e comunhão entre todos os membros da Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana, mas não nos iludimos que seja possível alcançá-la ou sustentá-la sobre outro fundamento que não seja a firmeza da fé, a luminosa clareza da doutrina, a inabalável santidade do ensino moral”, disse, acrescentando que “fora da Verdade não haverá verdadeira união nem verdadeiro amor, pois sem a fé é impossível agradar a Deus”.