O papa Leão XIV recebeu hoje (16) no Vaticano os embaixadores credenciados junto à Santa Sé, exortando-os a buscar a diplomacia a serviço da verdade, da justiça e da paz. 

Segue abaixo o discurso do papa Leão XIV:

Excelências, 

Senhoras e Senhores, 

Agradeço a S. Ex.cia o Sr. George Poulides, Embaixador da República de Chipre e Decano do Corpo Diplomático, pelas expressões cordiais que, em nome de todos vós, me dirigiu e pelo seu trabalho incansável, que realiza com o vigor, a paixão e a simpatia que o distinguem, qualidades que lhe valeram a estima de todos os meus Predecessores que conheceu nesses anos de missão junto da Santa Sé e, em particular, do saudoso papa Francisco. 


Gostaria de agradecer, igualmente, as numerosas mensagens de felicitações que se seguiram à minha eleição, e as de condolências pela morte do papa Francisco que as precederam e que vieram também de países com os quais a Santa Sé não mantém relações diplomáticas. Trata-se de um significativo atestado de estima, que favorece o aprofundamento das relações mútuas.





 No nosso diálogo, gostaria que prevalecesse sempre o sentido de família – a comunidade diplomática representa, com efeito, toda a família dos povos – partilhando as alegrias e as tristezas da vida e os valores humanos e espirituais que a animam. A diplomacia pontifícia é realmente expressão da própria catolicidade da Igreja e, na sua ação diplomática, a Santa Sé é animada por uma urgência pastoral que a impele a intensificar a sua missão evangélica ao serviço da humanidade, e não a procurar privilégios. Essa ação combate toda a indiferença e chama continuamente a consciência, como o fez incansavelmente o meu venerado Predecessor, sempre atento ao grito dos pobres, dos necessitados e dos marginalizados,e aos desafios que marcam o nosso tempo, desde a salvaguarda da criação até à inteligência artificial. 


Para além de ser um sinal concreto da atenção dos vossos países para com a Sé Apostólica, a vossa presença hoje é para mim um dom, que permite recordar-vos a aspiração da Igreja – e a minha pessoal – de alcançar e abraçar a todos os povos e a cada pessoa desta terra, desejosas e necessitadas de verdade, de justiça e de paz! De certa forma, a minha própria experiência de vida, desenvolvida entre a América do Norte, a América do Sul e a Europa, é representativa desta aspiração de atravessar fronteiras para encontrar pessoas e culturas diferentes. 


Através do trabalho constante e paciente da Secretaria de Estado, pretendo consolidar o conhecimento mútuo e o diálogo convosco e com os vossos países, muitos dos quais já tive a graça de visitar ao longo da minha vida, sobretudo quando eu era prior-geral dos Agostinianos. Confio que a Divina Providência me concederá novas oportunidades de encontro com as realidades de onde sois provenientes, permitindo-me acolher as ocasiões que surgirão para confirmar na fé tantos irmãos e irmãs espalhados pelo mundo e para construir novas pontes com todas as pessoas de boa vontade.


No nosso diálogo, gostaria que tivéssemos presentes três palavras-chave, que constituem os pilares da ação missionária da Igreja e do trabalho da diplomacia da Santa Sé. 

A primeira palavra é paz. Demasiadas vezes pensamos nela como uma palavra “negativa”, ou seja, como uma mera ausência de guerra e de conflito, visto que o confronto faz parte da natureza humana e acompanha-nos sempre, levando-nos demasiadas vezes a viver num “estado de conflito” constante: em casa, no trabalho, na sociedade. A paz parece então uma simples trégua, uma pausa de repouso entre uma disputa e outra, porque, por mais que nos esforcemos, as tensões estão sempre presentes, um pouco como as brasas a arder sob as cinzas, prontas a reacender-se a qualquer momento. 


Na perspectiva cristã – como na de outras experiências religiosas – a paz é, principalmente, um dom: o primeiro dom de Cristo: “Dou-vos a minha paz” (cf. Jo 14, 27). No entanto, essa paz é um dom ativo e envolvente, que envolve e compromete a cada um de nós, independentemente do contexto cultural e da filiação religiosa, e que exige, sobretudo, um trabalho sobre si mesmo. A paz constrói-se no coração e a partir do coração, erradicando o orgulho e as pretensões, e medindo a linguagem, pois também com as palavras se pode ferir e matar, não só com as armas. Nesta ótica, considero fundamental a contribuição que as religiões e o diálogo inter-religioso podem dar para promover contextos de paz. Isto exige, evidentemente, o pleno respeito pela liberdade religiosa em todos os países, uma vez que a experiência religiosa é uma dimensão fundamental da pessoa humana, sem a qual é difícil, se não impossível, alcançar a purificação do coração necessária para construir relações de paz. 

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A partir deste trabalho, que todos somos chamados a fazer, é possível erradicar as premissas de qualquer conflito ou vontade destrutiva de conquista. Isso exige também uma abertura sincera ao diálogo, animada pelo desejo de encontro e não de confronto. Nesta perspectiva, faz-se necessário dar um novo fôlego à diplomacia multilateral e às instituições internacionais que foram desejadas e concebidas, em primeiro lugar, para remediar as relações conflituosas que possam surgir no seio da comunidade global. Naturalmente, também é necessária a vontade de deixar de produzir instrumentos de destruição e de morte, porque, como disse o papa Francisco em sua última mensagem Urbi et Orbi: “Não é possível haver paz sem um verdadeiro desarmamento! A necessidade que cada povo sente de garantir a sua própria defesa não pode transformar-se numa corrida generalizada ao armamento”.


A segunda palavra é justiça. A busca da paz exige a prática da justiça. Como já referi, escolhi o meu nome a pensar principalmente em Leão XIII, o papa da primeira grande encíclica social, a Rerum novarum. Na mudança de época que estamos a viver, a Santa Sé não pode deixar de fazer ouvir a sua voz perante os numerosos desequilíbrios e injustiças que conduzem, entre outras coisas, a condições indignas de trabalho e a sociedades cada vez mais fragmentadas e conflituosas. 


É necessário também esforçar-se para remediar as desigualdades globais, que veem a opulência e a indigência traçar sulcos profundos entre continentes, países e mesmo no interior de cada sociedade. 


Cabe aos responsáveis governamentais esforçarem-se por construir sociedades civis harmoniosas e pacíficas. Isto pode ser feito, principalmente, investindo na família, fundada na união estável entre o homem e a mulher, uma “sociedade muito pequena certamente, mas real e anterior a toda a sociedade civil” [2]. Além disso, ninguém pode deixar de favorecer contextos em que a dignidade de cada pessoa é protegida, especialmente a das mais frágeis e indefesas, do nascituro ao idoso, do doente ao desempregado, seja ele cidadão ou imigrante. 


A minha própria história é a de um cidadão, descendente de imigrantes, que por sua vez emigraram. Cada um de nós, ao longo da vida, pode encontrar-se saudável ou doente, empregado ou desempregado, na sua terra natal ou numa terra estrangeira: a nossa dignidade, no entanto, permanece sempre a mesma, a de uma criatura querida e amada por Deus.



A terceira palavra é verdade. Não é possível construir relações verdadeiramente pacíficas, mesmo no seio da comunidade internacional, sem a verdade. Quando as palavras assumem conotações ambíguas e ambivalentes e o mundo virtual, com a sua percepção alterada da realidade, toma a frente sem medida, é difícil construir relações autênticas, uma vez que se perdem as premissas objetivas e reais da comunicação. 

Por seu lado, a Igreja nunca se pode furtar a dizer a verdade sobre o homem e sobre o mundo, mesmo recorrendo, quando necessário, a uma linguagem franca, que pode provocar alguma incompreensão inicial. A verdade, porém, nunca está separada da caridade, que tem sempre na sua raiz a preocupação pela vida e pelo bem de cada homem e mulher. Além disso, na perspectiva cristã, a verdade não é a afirmação de princípios abstratos e desencarnados, mas o encontro com a própria pessoa de Cristo, que vive na comunidade dos crentes. Assim, a verdade não nos aliena, mas permite-nos enfrentar com maior vigor os desafios do nosso tempo, como as migrações, o uso ético da inteligência artificial e a preservação da nossa querida Terra. São desafios que exigem o empenho e a cooperação de todos, pois ninguém pode pensar em enfrentá-los sozinho. 


Caros Embaixadores, 

O meu ministério começa no coração de um ano jubilar, dedicado de modo especial à esperança. É um tempo de conversão e de renovação e, sobretudo, uma oportunidade para deixar para trás os conflitos e iniciar um novo caminho, animado pela esperança de poder construir, trabalhando juntos, cada um segundo as suas sensibilidades e responsabilidades, um mundo em que todos possam realizar a sua humanidade na verdade, na justiça e na paz. Espero que isto possa acontecer em todos os contextos, a começar pelos mais provados, como a Ucrânia e a Terra Santa. 


Agradeço-vos por todo o trabalho que fazeis para construir pontes entre os vossos países e a Santa Sé e, de todo o coração, abençoo a vós, às vossas famílias e aos vossos povos.