Em um momento em que cresce a preocupação com a ascensão do islã, que ameaça tornar-se a principal religião em países historicamente católicos como a França, um fenômeno de importância fundamental não pode ser ignorado: o crescimento exponencial de conversões de muçulmanos ao cristianismo.

Marie-Anne e Nicolas são dois convertidos do islã que foram batizados na Páscoa deste ano. Como muitos outros catecúmenos que deixaram o islamismo, a sua jornada é ao mesmo tempo desafiadora e edificante.

Foi enquanto acompanhava o seu marido moribundo da Argélia a um hospital na Bélgica em 2015, que Marie-Anne (nome de batismo; o nome civil não pode ser revelado por segurança) ficou impressionada com a humanidade e compaixão demonstradas por uma enfermeira católica, a ponto de querer “saber mais” sobre a figura de Jesus, como explicou em entrevista ao jornal National Catholic Register, do grupo EWTN a que pertence ACI Digital.

Essa sede de Cristo, que se tornou insaciável ao longo dos anos, despertou as suspeitas da sua família na Argélia. Uma vez viúva e prometida a um homem que a “reeducaria” na fé muçulmana, abandonou uma posição de prestígio e seus confortos materiais para fugir para França com os seus dois filhos, onde completou o catecumenato.

Foi essa mesma atração pela relação distinta do Cristianismo com a caridade e o amor ao próximo sem distinções que levou Nicolas, um francês que se converteu ao islamismo em 2008, aos 26 anos, e depois migrou para a Indonésia, a abraçar a fé católica e voltar à sua terra natal. A sua conversão, que começou a florescer em 2017 – e culminou numa experiência espiritual na basílica de Sacré-Coeur, em Paris, ao rezar ao lado de uma estátua de santa Teresinha de Lisieux – resultou no divórcio da sua esposa muçulmana e no afastamento de seus dois filhos, que permaneceram na Indonésia.

Ele disse que está longe de ser um caso isolado na Indonésia, onde conheceu muitos ex-muçulmanos que se converteram ao cristianismo sem conseguirem formalizar a sua nova religião, uma vez que a conversão ao cristianismo é proibida no islamismo.

“Pude observar que a guerra civil na Síria e a ascensão do Estado Islâmico em particular provocaram uma onda de apostasia, muitas vezes a favor do Cristianismo”, disse ele ao Register.

Isso é mostrado no estudo do missionário David Garrison, apresentado no seu livro de 2014 “A Wind in the House of Islam ” (Um vento na casa do islã, em tradução livre). Ele estima que entre 2 milhões e 7 milhões de muçulmanos se converteram ao cristianismo em todo o mundo nas últimas duas décadas, chamando esse movimento de “a maior conversão de muçulmanos a Cristo na história”.

Acolhendo os novos convertidos

Da mesma forma que as Igrejas locais na Europa começam a reconhecer a necessidade de responder de forma adequada ao retorno dos jovens ao catolicismo através de comunidades tradicionalistas e carismáticas, elas também começam a pensar como acolher os vários convertidos do islamismo.

A arquidiocese de Paris criou o serviço pastoral Ananie em 2000 para encaminhar os novos convertidos do islamismo para paróquias adequadas às suas necessidades e a formar sacerdotes e fiéis para os acolher da melhor forma possível.

O padre Ramzi Saadé, que dirige o Ananie em Paris, estima que 10% a 20% dos batismos na Páscoa deste ano na arquidiocese de Paris são de convertidos do islamismo. Ele destaca que, embora a ausência de números oficiais impeça uma avaliação precisa, o que está acontecendo é definitivamente um fenômeno exponencial.

“Cerca de 50 pessoas que passaram por Ananie serão batizadas entre este ano e o ano que vem na arquidiocese de Paris, mas ouvi falar de muitos outros catecúmenos do islã com os quais não tenho contato”, disse ele ao Register.

Esse aumento nos batismos de convertidos do islamismo faz parte de uma tendência geral de aumento acentuado nos batismos de jovens adultos entre os 18 e os 25 anos em França, com um aumento do número de mais de 30% de novos catecúmenos em 2024, ao mesmo tempo que esse aumento foi de 28% em 2023 .

Em meio à turbulência da sua conversão imprevista, Marie-Anne e Nicolas também enfrentaram o desafio de se integrar às suas novas comunidades católicas.

A rede Ananie desempenhou um papel crucial nesse processo, oferecendo a estes novos convertidos uma âncora valiosa graças à missa semanal às quartas-feiras, seguida de um tempo de estudo e diálogo amigável entre ex-muçulmanos.

“Senti uma espécie de indiferença na minha nova paróquia por causa do meu passado”, lembrou Nicolas. “Embora eu tenha nascido na França, demorei muito para me sentir integrado. Me senti muito isolada e conhecer a rede Ananie me fez muito bem.”

Evitando a abordagem errada

Foi precisamente para compensar a falta de preparo de muitas paróquias católicas para acolher os convertidos do islamismo que o serviço Ananie surgiu a pedido de Saadé ao então arcebispo de Paris, dom Michel Aupetit. Cristão maronita do Líbano, Saadé foi ordenado sacerdote em 2018 na Igreja Maronita, que está em comunhão com Roma, e traz uma experiência de campo inestimável para o projeto.

Além da missão de acolher os novos convertidos e orientá-los para as paróquias adequadas, oferece também, através do site da rede,“manuais” para paróquias e acompanhantes dos catecúmenos, assim como vídeos de formação.

Mais em

“Percebi que muitos novos convertidos do islamismo abandonaram a Igreja Católica, não porque os fiéis foram indelicados com eles, mas porque muitas vezes querem mostrar-se tão favoráveis ​​ao islamismo que chegam a explicar que adoramos o mesmo Deus e que, no final, não há necessidade de se tornar cristão para ter acesso à salvação”, disse Saadé ao destacar que esta abordagem equivocada diz respeito tanto a clérigos como a leigos.

“No entanto, muitos daqueles que se unem a Cristo fazem-no arriscando as suas vidas: alguns deixaram os seus países, foram rejeitados pelas suas famílias; eles estão em perigo real – a última coisa que precisam é ser enviados de volta à sua identidade muçulmana.”

Na sua opinião, o diálogo inter-religioso implementado pelas autoridades da Igreja nas últimas décadas, que tem sido muito benéfico para a compreensão mútua das culturas e dos povos, também pode por vezes ser uma fonte de mal-entendidos sobre o dever de anunciar dos cristãos no Ocidente.

“Muitas pessoas de origem islâmica que chegam a uma paróquia para se tornarem cristãs são muitas vezes acolhidas de uma forma inadequada à sua situação, como se ainda fossem muçulmanas, quando na verdade já não o são”, continuou.

Superando o medo de ofender

Segundo o sacerdote maronita, a questão mais urgente para a hierarquia da Igreja hoje – especialmente na Europa, onde a imigração de países muçulmanos aumenta constantemente – é deixar clara sua posição sobre o acolhimento de novos convertidos.

“Não devemos ter medo de afirmar que a Igreja existe para batizar aqueles que desejam ser batizados ao final de um longo caminho de liberdade que é o catecumenato, e de levantar questões relativas à liberdade de consciência com os líderes muçulmanos, pedindo concretamente o que pode ser feito a nível da educação e das famílias para evitar as pressões e represálias vividas por quem encontra Cristo e quer segui-lo”, acrescentou Saadé.

Ele também destaca que a busca pelo diálogo consensual é uma abordagem tipicamente ocidental, nem sempre compreendida pela cultura árabe oriental, onde a tensão é sinônimo de diálogo autêntico, a base necessária para o intercâmbio construtivo.

“Se nós, cristãos, tivermos vergonha da nossa identidade, vamos desaparecer diante de um islamismo expansionista no Ocidente que nos obriga a nos questionar”, disse ele.

Ao mesmo tempo, Saadé observou que, transcendendo as deficiências e imperfeições das situações humanas, o próprio Jesus nunca deixa de intervir para tocar os corações.

E, de fato, essa tem sido a experiência tanto de Nicolas como de Marie-Anne.

Ao preparar-se para ser recebido na Igreja Católica no último domingo (31), Nicolas teve a alegria de ver seu pai, um ateu de longa data, curado repentina e inexplicavelmente do câncer depois de pedir a intercessão de santa Teresinha de Lisieux. Seu pai prometeu comparecer ao seu batismo e apoiá-lo em sua jornada de fé. Na Indonésia, os seus filhos já encontraram uma igreja católica onde ele poderá assistir à missa na sua próxima visita.

Os filhos de Marie-Anne, que se apegaram à sua identidade muçulmana desde a sua chegada à França, decidiram, no entanto, acompanhar a sua mãe vestida de branco ao batistério e ter aulas de catecismo para melhor acompanhá-la no que ela vive em seu caminho de fé.

“Sempre me senti culpada por separar meus filhos da família; tem sido muito difícil para eles, mas meu filho, que agora tem 14 anos, recentemente me disse que, na Argélia, depois da morte do pai deles, eu estava mais isolada do que nunca”, disse Marie-Anne emocionada. “Com palavras muito sábias, ele me perguntou o que era uma família para mim e me lembrou que minha nova família espiritual, através do amor e do cuidado com que envolve nós três, transcendeu os laços de sangue há muito tempo. Sei que a graça do Senhor também opera em seus corações, e nada poderia me confortar mais enquanto me preparo para entrar em uma nova vida através do meu batismo”.