O papa Francisco disse que foi “usado” no conclave de 2005 na tentativa de evitar a eleição do papa Bento XVI, então cardeal Joseph Ratzinger, embora tenha apoiado a candidatura de Raztinger.

“Ele era meu candidato”, disse Francisco sobre seu antecessor em trechos publicados no domingo (31) de seu próximo livro “O Sucessor”.

No livro, o papa diz ao jornalista espanhol Javier Martínez-Brocal que o seu nome foi apresentado como parte de uma “manobra completa” de um grupo não identificado de cardeais para manipular o resultado do conclave. O papa Francisco era, então, o cardeal Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, Argentina.

“A ideia era bloquear a eleição de [Ratzinger]”, explicou. “Eles estavam me usando, mas por trás deles já pensavam em propor outro cardeal. Eles ainda não tinham chegado a um acordo sobre quem, mas já estavam prestes a citar um nome”.

Francisco disse que em determinado momento do conclave, que começou em 18 de abril de 2005, ele estava recebendo 40 do total de 115 votos. Se os cardeais continuassem a apoiá-lo, Ratzinger não teria atingido o limite necessário de dois terços para ser eleito, provavelmente levando à busca por um candidato alternativo.

Francisco disse que percebeu que a “operação” estava em andamento no segundo dia de votação e disse ao então prefeito da Congregação para o Clero, o cardeal colombiano Dario Castrillón para não “brincar com a minha candidatura” e parar de apoiá-lo, “porque não aceitaria” ser eleito.

O biógrafo do papa, Austen Ivereigh, escreveu anteriormente que Bergoglio implorou, “quase em lágrimas”, para não ser eleito.

Ratzinger, que foi prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (atual Dicastério para a Doutrina da Fé) de 1981 a 2005, durante o pontificado do papa são João Paulo II, foi eleito no mesmo dia.

O papa Francisco não disse quem fez parte desse grupo de manipuladores do conclave nem quem pretendiam apresentar como terceiro candidato, mas o papa disse que o grupo de cardeais “não queria um papa ‘estrangeiro’ ”.

Vários relatos da época afirmam que um grupo de cardeais liberais europeus, conhecido como Grupo de Saint Gallen, tentou manipular o resultado do conclave de 2005. Três membros do grupo, o cardeal Walter Kasper, então presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos; o cardeal Karl Lehmann, então bispo de Mainz, Alemanha; e o cardeal belga Godfried Danneels, então arcebispo de Mechelen-Bruxelas, também participaram do conclave de 2013 que elegeu Francisco. Segundo Ivereigh, eles defenderam Bergoglio depois de obterem o consentimento dele, afirmação negada pelos cardeais.

Segundo a constituição apostólica Universi Dominici Gregis, publicada em 1996 pelo papa são João Paulo II, os cardeais eleitores devem abster-se de "de todas as formas de pactuação, convenção, promessa, ou outros compromissos de qualquer gênero, que os possam obrigar a dar ou a negar o voto a um ou a alguns", sob pena de excomunhão latae sententiae (automática).

Os procedimentos do conclave são, por definição, secretos. O termo deriva de uma expressão em latim que significa “à chave”, e vem do fato de que os cardeais são trancados na capela Sistina e só saem depois de escolhio o novo papa. Em “O Sucessor”, Francisco diz que, embora os cardeais tenham jurado segredo em relação aos procedimentos do conclave, “os papas têm licença para contar”.

O papa Francisco também revelou que, embora outros apresentassem o seu nome na esperança de forçar um impasse, ele acreditava que Ratzinger “era o único naquele momento [que] poderia ser papa”.

“Depois da revolução de João Paulo II, que foi um papa dinâmico, muito ativo, com iniciativa, que viajava… era necessário um papa que mantivesse um equilíbrio saudável, um papa de transição”, disse o papa sobre o seu antecessor, que ocupou o cargo de 2005 a 2013.

Francisco também disse que deixou Roma feliz por Ratzinger ter sido eleito e não ele próprio.

“Se tivessem escolhido alguém como eu, que causa muitos problemas, eu não teria conseguido fazer nada. Naquela época, isso não teria sido possível”, disse.

No entanto, o papa Francisco acrescentou que o papado “não foi fácil” para Bento XVI, que “encontrou muita resistência dentro do Vaticano”.

O papa Francisco também respondeu sobre o que o Espírito Santo estava dizendo à Igreja através da eleição de Bento XVI, em sua opinião.

“ 'Eu estou no comando aqui. Não há espaço para manobras' ”, disse Francisco sobre a resposta do Espírito.

“O Sucessor” faz parte de uma série de livros focados em Francisco que vão ser lançados este ano, que também inclui a primeira autobiografia do papa, intitulada “Vida: Minha História Através da História".

Mais em

O novo livro, focado na relação entre o papa Francisco e Bento XVI, será publicado amanhã (3) em espanhol.