O arcebispo de Kinshasa, República Democrática do Congo, cardeal Fridolin Ambongo, disse que a declaração Fiducia supplicans, do dicastério para a Doutrina da Fé da Santa Sé, que permite a bênção de uniões homossexuais e casais em “situações irregulares”, foi recebida na África como “colonização cultural” em entrevista ao canal de televisão católico de língua francesa KTO no último domingo (17).

O cardeal, que é presidente do Simpósio das Conferências Episcopais da África e de Madagascar (SECAM, na sigla em inglês), lamentou a falta de “sinodalidade” na divulgação do documento que causou reações mistas e uma divisão profunda entre os bispos católicos ao redor do mundo desde a sua publicação em 18 de dezembro de 2023.

“Nessa declaração, houve todo um problema cultural, porque o continente africano viu a Fiducia supplicans como uma colonização cultural”, disse Ambongo.

Ambongo disse que a proposta da Fiducia supplicans é “uma espécie de imperialismo ocidental, mas a nível cultural”, acrescentando que “práticas que são consideradas normais no Ocidente foram impostas a outros povos”.

“Penso que isso explica a virulência da reação da África”, disse Ambongo ao citar a decisão de bispos africanos em 11 de janeiro de não implementar a Fiducia supplicans no continente, depois de um apelo feito em 20 de dezembro por opiniões dos presidentes das conferências episcopais da África e de suas ilhas, em busca de um “pronunciamento sinodal único”.

“Não creio que esse texto fosse necessário na época”, disse o cardeal sobre a declaração. “Tínhamos acabado de sair da primeira sessão do Sínodo da Sinodalidade e agora aguardamos a segunda sessão. Todas essas questões foram levantadas durante a primeira sessão do sínodo; vamos voltar a elas e teríamos ganho muito esperando o final da segunda sessão e amadurecendo este tipo de assunto num espírito de sinodalidade”.

“Pessoalmente, penso que o que mais nos surpreendeu e chocou foi a forma como o texto foi publicado”, disse Ambongo. “Ao ler o conteúdo do documento, não há revolução porque abençoamos as pessoas. Abençoamos a todos, abençoamos até os animais, abençoamos os carros. Às vezes até abençoo canetas usadas por alunos”.

“Bênçãos podem ser dadas a qualquer pessoa. Isso significa que o que causou o problema não foi a bênção, porque já damos bênçãos. O que foi um pouco chocante, e acho que deveríamos ter preparado um pouco melhor a opinião pública durante o sínodo, foi a bênção de uniões homossexuais”, continuou.

O cardeal congolês, que é membro do conselho de cardeais do papa Francisco desde outubro de 2020 e foi reeleito em março de 2023, disse ainda: “Acredito que se tivéssemos feito uma consulta prévia, se tivéssemos analisado Fiducia supplicans no espírito da sinodalidade, talvez pudéssemos tê-la apresentado de uma forma diferente e com um tom diferente, considerando as sensibilidades de outros”.

Depois de reações conflitantes à Fiducia supplicans, o prefeito do dicastério para a Doutrina da Fé, o cardeal Víctor Manuel Fernández, apelou a cada bispo para “fazer esse discernimento” sobre a implementação da declaração.

Num comunicado de imprensa de cinco páginas de 4 de janeiro, o dicastério para a Doutrina da Fé divulgou esclarecimentos sobre a Fiducia supplicans, escrevendo que a sua implementação vai depender “dos contextos locais e do discernimento de cada bispo diocesano com a sua diocese”.

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Na África, conferências episcopais publicaram um “resumo consolidado” de suas respostas contra abençoar uniões como sugerido na Fiducia supplicans.

Em sua resposta de cinco páginas à Fiducia supplicans, os membros do SECAM disseram “não considerar apropriado que uniões homossexuais sejam abençoadas na África porque, no nosso contexto, isso causaria confusão e estaria em contradição direta com o ethos cultural (caráter social e cultural) das comunidades africanas”.

Os bispos disseram que as bênçãos “espontâneas” e não litúrgicas, propostas pela Fiducia supplicans, “não podem ser feitas na África sem causar escândalos”.

Na entrevista do último domingo (17), Ambongo disse que desde a publicação da declaração da SECAM em 11 de janeiro, há “paz e tranquilidade” no continente.

“Desde então, não falamos mais de Fiducia supplicans em termos de oposição virulenta a Roma ou ao papa”, disse o cardeal.

“A Igreja no continente tem uma posição muito clara. Acolhemos os homossexuais como seres humanos, como filhos e filhas de Deus, não os rejeitamos, mas não assumimos que esta orientação sexual é aquela que podemos ensinar aos nossos filhos”, continuou.