O bispo emérito de Canelones, Uruguai, dom Alberto Sanguinetti, disse que com as bênçãos a casais em situação irregular e uniões homossexuais autorizadas pela declaração Fiducia sipplicans, do Dicastério da Doutrina da Fé, “o diabo meteu o rabo”. Em artigo publicado em seu site pessoal, Sanguinetti disse que a declaração em si traz “confusão”.

Bênção a dois homossexuais no Uruguai

O bispo emérito classificou a bênção a dois homossexuais aprovada pelo bispo de Maldonado, dom Milton Tróccoli, como “um espetáculo carnavalesco” com “um grande tropeço no baile”.

Segundo dom Sanguinetti, foi uma bênção “quase teatral” para cada um dos dois homens, sentados um ao lado do outro, que celebravam seu vínculo como casal legal.

Para o bispo, foi “um verdadeiro tropeço, ou seja, um escândalo, no sentido de pisar numa pedra, no caminho de testemunhar o Evangelho de Jesus, de testemunhar a liberdade da Igreja das pressões do mundo”.

Recordando o texto de Fiducia supplicans, destacou que nele e nos comentários subsequentes se dizia “que se tratava de bênçãos espontâneas, sem forma, passageiras, às vezes repentinas, limitadas a 15 segundos”.

No entanto, o caso da bênção de Carlos Perciavalle e Jimmy Castilhos “foi um acontecimento típico do ‘showbiz’, dos ‘ricos e famosos’, com ampla cobertura mediática”, disse.

“A ficção da privacidade não poderia ser maior”, disse Sanguinetti. “O fato foi divulgado na imprensa. Os personagens são mais que conhecidos. As mesmas bênçãos, com poucas pessoas ao redor, foram diante dos jornalistas e fotógrafos, que tinham a missão de proclamá-las urbi et orbi”, disse ele.

“Não ficou claro o juízo – sim, o juízo– da Igreja, submetida à Palavra de Deus recebida na Tradição viva e constante, que deveria iluminar aqueles que solicitaram e aqueles que os acompanhavam, e também o santo Povo de Deus e a sociedade inteira”.

“As palavras e os gestos têm significado como um todo. Os envolvidos já haviam anunciado tudo isso desde o ano passado”, lembrou. “Os dois homens, que pediram a bênção, dois dias antes assinaram um contrato legal, mal chamado matrimônio e, através de manipulação linguística, proclamado igualitário”, acrescentou.

“No entanto, a fé católica não reconhece o casamento de pessoas do mesmo sexo, porque vai contra a razão e contra a Palavra de Deus e toda a realidade do ser humano. Por isso, indica que os católicos não deveriam de forma alguma apoiar a sua existência. Foi nesse contexto que as bênçãos foram dadas. Além disso, por esta razão foi preparada em seguida uma festa para várias centenas de pessoas”, descreveu.

“Ambos ‘abençoados’, parecem endossar relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Por outro lado, a Igreja, baseada na lei natural e na lei revelada por Deus, ambas coincidentes, ensina que as relações sexuais fora do casamento entre um homem e uma mulher são desordenadas e pecaminosas. Tais relações entre pessoas do mesmo sexo são gravemente más por natureza, ofendem a Deus, na sua sabedoria e bondade, e distorcem a sua imagem no homem”, disse.

“Nada disso ficou claro. Repito: os atos têm o seu contexto. Aqui se entendeu que não havia sacramento do matrimônio. Mas ao mesmo tempo parecia que não importava muito, vamos em frente com o casamento civil para pessoas do mesmo sexo, com a união carnal entre elas”, notou.

Nesse sentido, criticou a “banalização generalizada” da dignidade do ser humano, do seu corpo, do sexo e do amor, da família, do chamado à santidade.

O bispo emérito considerou que a declaração do Dicastério para a Doutrina da Fé “não obrigava a isto”. A quem pensa que “o amor foi abençoado, não a situação, e que o amor deve ser sempre abençoado”, o bispo emérito disse que isso não é verdade. “O amor pode ser ordenado ou desordenado, e todos nós sabemos que muitas vezes é”, observou ele.

“O verdadeiro amor é regido pela verdade e pelo bem objetivo, é dirigido pelo amor a Deus sobre todas as coisas e pelo amor ao próximo segundo o amor de Deus, ou seja, segundo os seus mandamentos, os seus preceitos. Este é o caminho do verdadeiro amor e da verdadeira liberdade”, disse.

As críticas à Fiducia supplicans

Sanguinetti considerou também que os pastores muitas vezes se calam para não quebrar “a unidade da Igreja”. No entanto, às vezes “o mesmo amor à unidade pede para se manifestar, especialmente quando está em jogo a saúde das almas”, disse.

“A divisão neste assunto surgiu da Fiducia supplicans. Basta ver o número e a qualidade das intervenções que, mantendo a comunhão com o bispo de Roma, assinalam as deficiências do documento e, se têm algum cargo pastoral, fecham as suas jurisdições às bênçãos propostas”, disse.

“Não faltarão aqueles que acusarão estas posições, inclusive as nossas, de rígidas, legais, ignorantes da misericórdia de Deus e da condição humana”, antecipou o dom Sanguinetti. No entanto, disse: “A Igreja não recebe de si mesma, e muito menos do mundo, o seu olhar e o seu julgamento sobre o homem e a humanidade, mas de Deus como Ele se manifestou na História da Salvação, definitivamente em Cristo, e como Ela mesma guardou o depósito durante séculos.”

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O chamado à conversão

“Por isso, a Igreja apela à conversão e, sobretudo, à crença na misericórdia divina, na verdade da sua Palavra, na sua ajuda e na sua graça, que nos permitem viver com humildade uma vida de justiça, isto é, de santidade”, resumiu.

“Anunciamos a beleza de uma vida honesta e casta, bem como a luta contra a concupiscência desordenada, o egoísmo, as trevas que vêm do pecado, a necessidade de ser salvo pela graça de Deus”, acrescentou.

E referindo-se ao caminho da “verdade, castidade, pureza” que a Igreja pede, advertiu que na cultura de hoje “este plano sábio e maravilhoso do Criador e Pai é amplamente rejeitado”.

Como resultado da bênção no Uruguai, “muitos fiéis ficam confusos”, disse, questionando o dano causado “à multidão que luta, com os olhos voltados para o alto, para levar uma vida afetiva e sexual de acordo com a razão e o Evangelho, seja com atração pelo sexo complementar, seja pelo próprio".

Por fim, recorreu ao testemunho do beato Jacinto Vera, primeiro bispo do Uruguai, que “teve que enfrentar violentas lutas ideológicas, diante de poderes muito fortes, incluindo os meios de comunicação. Sofreu escárnios, insultos, difamações e medidas de força injustas”, e ainda assim “não parou de anunciar toda a verdade do Evangelho”.