O Ministério da Saúde publicou ontem (28) no Serviço Eletrônico de Informações (SEI) uma Nota Técnica nº 2/2024, que autoriza a ampliação da “realização do aborto nas condições previstas em lei” a qualquer idade gestacional. Depois de críticas e repercussões negativas, por parte de movimentos pró-vida, parlamentares e outros, na tarde de hoje (29), o Ministério da Saúde informou que o documento “está suspenso”, porque não tinha passado “por todas as esferas necessárias do Ministério da Saúde e nem pela consultoria jurídica da Pasta”.

A “Nota Técnica Conjunta nº2/2024” foi assinada pelo secretário de Atenção Primária à Saúde, Felipe Proenço, e pelo secretário de Atenção Especializada à Saúde, Helvécio Miranda. O documento derruba a nota de 2022, emitida no governo de Jair Bolsonaro, que estipulava que os casos não puníveis de aborto não poderiam ser realizados “em gestações que ultrapassem 21 semanas e 6 dias”, porque depois deste tempo “o abortamento toca a prematuridade e, portanto, alcança o limite da viabilidade fetal”.

O artigo 128 do Código Penal diz que “não se pune o aborto praticado por médico” caso não haja “outro meio de salvar a vida da gestante” ou em casos “de gravidez resultante de estupro”. E, em abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou por meio do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que a gestante cujo bebê for portador de anencefalia pode abortar sem incorrer nas penas previstas para o crime de aborto no Código Penal.

A Nota Técnica 2/2024 do Ministério da Saúde diz que o artigo 128 do Código Penal “não prevê qualquer limite de tempo gestacional”. “Se o legislador brasileiro ao permitir o aborto, nas hipóteses descritas no artigo 128 não impôs qualquer limite temporal para a sua realização, não cabe aos serviços de saúde limitar a interpretação desse direito, especialmente quando a própria literatura/ciência internacional não estabelece limite”, acrescenta a nota.

Para o Ministério da Saúde, “a viabilidade é um conceito dinâmico/mutável, sujeito a variação de interpretação de acordo com as características individuais e regionais, incompatível com a fixação de um prazo certo inicial e/ou final para se garantir o direito ao abortamento da pessoa que busca os serviços de saúde, nos termos reconhecidos em nosso ordenamento jurídico”.

“Em razão disso, aos serviços de saúde incumbe o dever de garantir esse direito de forma segura, íntegra e digna oferecendo devido cuidado às pessoas que buscam o acesso a esses serviços, sem imposição de qualquer limitação e/ou discriminação, senão as impostas pela Constituição, pela lei, por decisões judiciais e orientações científicas internacionalmente reconhecidas”, diz a nota técnica.

Segundo a nota técnica do Ministério da Saúde do governo Lula “obrigar a gestante a manter a gravidez em qualquer das hipóteses garantidoras do direito ao abortamento, conforme estabelecido no artigo 128 do Código Penal e interpretação dada pelo STF na ADPF 54/DF, configura ato de tortura/violência física e/ou psicológica, tratamento desumano e/ou degradante, sobretudo às vítimas de violência sexual”.

Depois da publicação da Nota Técnica nº 2/2024 ontem, diversas pessoas se manifestaram contra o documento. “O aborto é um crime que clama ao Céu por vingança”, escreveu nas redes sociais, o coordenador diocesano de pastoral de Frederico Westphalen (RS), padre Wagner Faria Souza.

“Se o assassinato voluntário de um ser humano adulto inocente já clama ao Céu por justiça, imagine então o horror do assassinato de crianças no seio materno. Ainda mais legalizado pelo Estado. Agora imagine a voz de milhões de crianças inocentes que são abortadas na face da terra! Imagine as vozes das crianças chegando ao Trono de Deus... Imagine a voz do sangue de milhares de crianças que não tiveram a oportunidade de nascer. E ainda assim queremos receber as bênçãos de Deus?”, ressaltou o sacerdote.

Na nota à imprensa, publicada ao final da tarde de hoje, o Ministério da Saúde disse que a ministra, a socióloga Nísia Trindade estava cumprindo agenda em Boa Vista (RR) quando “tomou conhecimento da publicação” da Nota Técnica.

Segundo o Ministério, “esse tema que se refere a ADPF 989, do Supremo Tribunal Federal, será tratado pela ministra junto à Advocacia-Geral da União (AGU) e ao STF”.

A ADPF 989 pede que o STF adote providências para garantir o aborto conforme os casos não puníveis pelo Código Penal e nos casos de bebês com anencefalia. A APDF foi protocolada em junho de 2022 pela Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e pela Associação Rede Unida.