O Dicastério para a Doutrina da Fé publicou ontem (3) a nota “Gestis Verbisque” que oferece “alguns elementos de caráter doutrinal em relação ao discernimento sobre a validade da celebração dos sacramentos, prestando atenção também a alguns aspectos disciplinares e pastorais.

Na apresentação do documento de 11 páginas assinado pelo papa Francisco e pelo prefeito do dicastério, cardeal Víctor Manuel Fernández, o cardeal falou que o documento teve origem na Assembleia Plenária do dicastério em janeiro de 2022, quando “os cardeais membros e bispos expressaram a sua preocupação pelo multiplicar-se de situações em que se era obrigado a constatar a invalidade dos sacramentos celebrados”.

“As graves modificações na matéria ou na forma dos sacramentos, anulando a sua celebração, levaram à necessidade de rastrear as pessoas envolvidas para repetir o rito do batismo ou da crisma”, disse.

Segundo o cardeal Fernández, esta nota não é “simplesmente uma questão técnica ou mesmo ‘rigorista’”, mas visa “expressar principalmente a prioridade da ação de Deus e salvaguardar humildemente a unidade do Corpo de Cristo, que é o Igreja, nos seus gestos mais sagrados”.

Lembrou, neste sentido, que os ministros ordenados são chamados a “superar a tentação de se sentirem donos da Igreja”.

“[Os sacramentos] não são nossos! E os fiéis têm o direito, por sua vez, de recebê-los como a Igreja prevê: desta forma, a sua celebração está de acordo com a intenção de Jesus e torna o evento da Páscoa atual e eficaz”, acrescenta.

Sobre a nota Gestis Verbisque

Na introdução do documento, o dicastério recorda que os sacramentos foram “instituídos por Cristo” e são, portanto, “ações que realizam, através de sinais sensíveis, a experiência viva do mistério da salvação, tornando possível a participação dos seres humanos na vida divina”.

No entanto, diz que, “infelizmente, deve-se constatar que a celebração litúrgica, em particular a dos sacramentos, nem sempre se realiza em plena fidelidade aos ritos prescritos pela Igreja”.

São citadas como exemplos as alterações na fórmula do batismo, tais como: “Eu te batizo em nome do Criador…” e “Em nome do pai e da mãe… nós te batizamos”. Estas circunstâncias também impactaram alguns sacerdotes que, “tendo sido batizados com fórmulas deste tipo, descobriram dolorosamente a invalidade da sua ordenação e dos sacramentos celebrados até então”.

A nota do dicastério também diz que “para todos os sacramentos, em cada caso, sempre foi exigida a observância tanto da matéria como da forma para a validade da celebração”.

A matéria do sacramento, continua a nota, “consiste na ação humana por meio da qual Cristo age. Nela, às vezes, está presente um elemento material (água, pão, vinho, óleo), outras vezes um gesto particularmente eloquente (sinal da cruz, imposição de mãos, imersão, infusão, consentimento, unção)”.

Quanto à forma, o texto diz que “é constituída pela palavra, que confere um significado transcendente à matéria, transfigurando o significado ordinário do elemento material e o sentido puramente humano da ação realizada”.

“Tanto a matéria como a forma, resumidas no Código de Direito Canônico, estão estabelecidas nos livros litúrgicos promulgados pela autoridade competente, que portanto devem ser observados fielmente, sem ‘acrescentar, retirar ou alterar nada’”, diz o texto.

O documento acrescenta que modificações arbitrárias de matéria ou forma “comprometem a efetiva concessão da graça sacramental, com evidente dano aos fiéis” e que a “gravidade e força incapacitante” de tais mudanças “devem ser determinado caso a caso.”

A nota também se referiu à intenção do ministro que distribui o sacramento. O documento diz que, embora este seja um “elemento interno e subjetivo”, dada a sua natureza tende “a manifestar-se exteriormente através da observância do rito estabelecido pela Igreja, de modo que a modificação grave dos elementos essenciais também introduz dúvidas sobre a real intenção do ministro, invalidando a validade do sacramento celebrado”.

“A matéria, a forma e a intenção estão sempre inseridas no contexto da celebração litúrgica (…) A devida atenção aos elementos essenciais dos sacramentos, dos quais depende a sua validade, deve, portanto, concordar com o cuidado e o respeito de toda a celebração”, acrescenta a nota.

Portanto, o dicastério recorda que, ao modificar por sua própria iniciativa a forma celebrativa de um sacramento, constitui tanto um “abuso litúrgico”, como também “uma ferida infligida tanto à comunhão eclesial como ao reconhecimento da ação de Cristo que nos casos mais graves, torna o próprio sacramento inválido”.

Em outro ponto do documento, destaca-se a importância de o ministro compreender que a autêntica celebração litúrgica “é aquela que respeita e exalta o primado de Cristo e a ativa participatio de toda a assembleia, inclusive através da humilde obediência às normas litúrgicas”.

“Cabe a eles, em primeiro lugar, garantir que 'a beleza da celebração cristã' permaneça viva e não seja 'deteriorada por uma compreensão superficial e reducionista do seu valor ou, pior ainda, pela sua instrumentalização ao serviço de alguma visão ideológica, seja esta qual for’”, conclui a nota da Santa Sé.

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