“A vida é direito inviolável para o católico, inclusive na defesa do nascituro, e a busca por métodos anticoncepcionais impede o direito à vida, por mera busca de prazer sexual, situação que afronta a moralidade cristã”, disse o juiz Otavio Tioiti Tokuda, da 10ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), ao rejeitar uma liminar em ação popular para obrigar o Hospital São Camilo, administrado pela ordem camiliana em São Paulo (SP), a fazer a inserção de dispositivo intrauterino (DIU) em pacientes. Além de ser um método contraceptivo, o DIU “tem um potencial abortivo”, disse à ACI Digital o ginecologista e obstetra Gabriel Arreguy. Tanto a contracepção quanto o aborto são proibidos pela Igreja Católica.

Em entrevista à ACI Digital, o ginecologista e obstetra Gabriel Arreguy explicou que “o método de ação primária” dos contraceptivos “não é abortivo”, porque impede que a mulher ovule ou que o espermatozoide chegue à trompa uterina e, portanto, “não há fecundação”. Mas, esse método primário “não funciona em 100% das vezes”, disse. Por isso, há “o método de ação secundária, que é sim” abortivo, já que acontece depois da fecundação. Então, disse, “preferimos usar o termo ‘que tem potencial abortivo’”.

Sobre o aborto, o Catecismo da Igreja Católica diz no parágrafo 2270: “A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento de sua existência, o ser humano deve ver reconhecidos os seus direitos de pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo ser inocente à vida”.

Sobre os métodos contraceptivos, o Catecismo diz no parágrafo 2370: “é intrinsicamente má ‘toda ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o desenvolvimento de suas consequências naturais, se proponha como fim ou como meio, tornar impossível a procriação”.

Segundo Arreguy, há os métodos contraceptivos hormonais e os não-hormonais. “O DIU pode entrar nas duas categorias, tem o DIU de cobre que é não-hormonal, e o DIU hormonal que são o Mirena e o Kyleena”, disse.

O médico católico explicou que “o método de ação primária do hormonal é bloquear a ovulação”. Assim, sem ovulação, não há fecundação e “a mulher não engravida”.  Mas, disse que o método de ação secundária age no endométrio, a camada dentro do útero responsável por receber o embrião. “Esses hormônios sintéticos vão impedir o crescimento desse endométrio para receber o embrião, ou seja, mesmo que a mulher ovule, esse óvulo seja fecundado pelo espermatozoide e se torne um embrião – que já é uma vida, um filho desse casal –, quando esse embrião chega ao endométrio, não consegue se fixar e é eliminado”.

Arreguy disse que tudo isso “está descrito na bula dos medicamentos anticoncepcionais” e “não é visto como um problema para eles”. “Mas é o que nós, católicos, principalmente, que nos importamos com a situação, chamamos de abortos ocultos, porque o abortamento vai acontecer, já tem o embrião lá e ele não vai se desenvolver”. Segundo o médico, “muitas vezes, a mulher nem percebe, porque a menstruação dela atrasou, ela teve um sangramento, pensa que é a menstruação atrasada, mas é o abortamento”.

O ginecologista ressaltou que “qualquer método hormonal entra no mesmo esquema do DIU hormonal”, como as pílulas, adesivos, implantes, injeções.

No caso do DIU de cobre, um contraceptivo não-hormonal, o ginecologista explicou que ele “é posicionado dentro do útero e tem efeito de irritar esse local, de causar uma resposta inflamatória”. Arreguy ressaltou que “é assustador pensar que estou causando um mal para a mulher, escolhendo causar uma reação inflamatória colocando um corpo estranho na mulher, para tratar algo que nem é doença”.

Segundo ele, o método de ação primária do DIU de cobre é “impedir a passagem do espermatozoide e, se o espermatozoide não consegue passar até a trompa uterina, não vai fecundar o óvulo”. “Esse primeiro método de ação não é abortivo, porque não haverá embrião. Só que, esse mesmo efeito inflamatório atua no endométrio impedindo a nidação, termo médico para a fixação do embrião no endométrio. Então, também tem o método de ação abortivo como secundário”, disse.

Gabriel Arreguy disse que há ainda a chamada “contracepção de emergência”, que “é a contracepção depois que a relação sexual foi realizada”, como a colocação do DIU até 72 horas depois da relação ou a pílula do dia seguinte. “Só que poucos minutos após a relação já tem espermatozoide na trompa uterina”, disse o médico. Por isso, quanto ao “método de contracepção de emergência até 72 horas após a relação, é muito fácil de entender que a forma de funcionar é matando o embrião que já foi formado”.

O médico disse que muitos argumentam que “se você usar” a contracepção de emergência “antes da ovulação, ela vai bloquear a ovulação”. “Tudo bem. Mas, se já tiver ovulado, com certeza absoluta vai ser causada a ação abortiva do método”, disse.

Riscos à saúde da mulher

Gabriel Arreguy destacou que a mulher que “faz uso de método anticoncepcional não menstrua, o ciclo é bloqueado”. O sangramento que acontece “não é uma menstruação”, e sim “por privação hormonal”.

O médico disse que os métodos contraceptivos hormonais usam hormônios sintéticos, que “não são iguais aos que a mulher produz”. Então, “vão ter efeitos colaterais diferentes dos hormônios da mulher mesmo”.

O médico citou a perda de libido, o aumento de peso, espinhas, oleosidade como efeitos. Há ainda o “aumento de risco de trombose, porque também tem efeito na parte sanguínea, de coagulação, dos vasos sanguíneos”.

Especificamente sobre o DIU, o médico alertou sobre o risco de deslocamento no corpo da mulher. “É raro de acontecer, mas pode acontecer do DIU cair na cavidade abdominal e chegar a uma alça intestinal, ao fígado, ao diafragma”. Segundo ele, essa “é uma situação grave que vai necessitar de uma cirurgia para corrigir”.

Diante disso, Arreguy lembrou que “a cada ciclo menstrual, a mulher tem somente uma ovulação e essa ovulação acontece um único dia e existe um período fértil que a mulher fica propensa a ter uma gravidez”. Fora desse período fértil, “a mulher pode ter uma relação sem nenhuma proteção que não vai engravidar”.

“Então, eu preciso dar para essa mulher um hormônio que ela vai usar durante todo o mês para resguardar uma gravidez, se ela só precisa se prevenir por cinco ou seis dias no mês? Dou muito mais hormônio do que ela precisaria para se ‘proteger’. E digo uma proteção entre um milhão de aspas, porque estamos falando de uma gravidez e começamos a tratar a gravidez como doença, o que é uma loucura”, disse.

O que diz a Igreja

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Católico, o médico Gabriel Arreguy lembrou que, “de forma alguma, a Igreja é contrária à relação sexual, só que existe o momento e o local para a relação, que é no casamento, entre um casal casado que tem essa relação sexual com o objetivo de viver o seu matrimônio”. Ele ressaltou que, “conforme a orientação da Igreja Católica”, a relação sexual “tem o fator unitivo e o procriativo” e “não podemos excluir nenhum desses lados”.

A encíclica Humanae Vitae, do papa Paulo VI, sobre a regulação da natalidade, diz: “Pela sua estrutura íntima, o ato conjugal, ao mesmo tempo que une profundamente os esposos, torna-os aptos para a geração de novas vidas, segundo leis inscritas no próprio ser do homem e da mulher. Salvaguardando estes dois aspectos essenciais, unitivo e procriador, o ato conjugal conserva integralmente o sentido de amor mútuo e verdadeiro e a sua ordenação para a altíssima vocação do homem para a paternidade”.

O ginecologista Arreguy recordou que a própria Humanae Vitae, “lá de 1968”, fala de “motivos graves de saúde, financeira, social, psicológica em que o casal não possa engravidar, seja de modo temporário ou definitivo”.  E a própria Igreja “estimulou que os médicos e homens da ciência católicos estudassem e desenvolvessem métodos da percepção da fertilidade para entendermos como o ciclo menstrual funciona e, dessa forma, fazermos o planejamento familiar usando os dias férteis e não-férteis da mulher”, são os métodos naturais, disse.

Gabriel Arreguy disse que, ao estudar os métodos contraceptivos, entre eles, os naturais, é possível se deparar com uma literatura que diz que, “enquanto o DIU é um método para a mulher colocar e esquecer que ele está lá e ter relação tranquilamente, o método natural é um método que precisa de observação diária”.

“Esses estudos falam desse fator como algo negativo, que é muito melhor para a mulher algo que ela nem precisa saber que está lá. Mas, eu apresento raciocínio contrário. Não é muito melhor para a mulher que ela conheça o seu ciclo, que ela saiba o que está acontecendo com seu corpo a cada dia?”, questionou.

O ginecologista disse que costuma fazer “uma provocação” com o mundo atual e defende que, “quando ofereço para a mulher o conhecimento pleno do corpo dela, isso é o verdadeiro empoderamento feminino”. “O maior presente que posso oferecer para a mulher são os métodos naturais, em que essa mulher vai saber o que está acontecendo com o próprio corpo a cada dia e, dessa forma, tomar cada decisão: se está no momento de engravidar, vai ter relação no momento fértil, se não está no momento de engravidar, não vai ter relação”, concluiu.