Ao concluir o tempo litúrgico do Natal, o papa Francisco recebeu o Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé e falou sobre a paz, palavra que “ressoa particularmente nas duas festas cristãs principais. Ouvimo-la no canto dos anjos que, durante a noite, anunciam o nascimento do Salvador e recebêmo-la da voz de Jesus ressuscitado”.

“A paz”, disse o papa, “é, primariamente, um dom de Deus (...); mas ao mesmo tempo é uma responsabilidade nossa”. Na opinião do papa, é “uma palavra tão frágil, que, ao mesmo tempo, se revela exigente e densa de significado” e “está cada vez mais ameaçada, fragilizada e parcialmente perdida”.

Francisco, que reiterou como em outras ocasiões ao longo do seu pontificado que o mundo vive uma “terceira guerra mundial em pedaços”, focou antes de tudo em denunciar a situação em Israel e na Palestina, para condenar “o ataque terrorista contra o população de Israel” pelo grupo terrorista Hamas em 7 de outubro e denunciou “a forte resposta militar israelense” que resultou na “morte de dezenas de milhares de palestinos”, segundo dados do Hamas, que governa a Faixa de Gaza, e causou “uma situação humanitária gravíssima com sofrimentos inimagináveis”.

O papa Francisco falou da importância do reconhecimento de dois Estados no território e do reconhecimento de “um estatuto especial, garantido internacionalmente, para a Cidade de Jerusalém”.

A criação de dois Estados com Jerusalém como cidade internacional no que até então era um protetorado britânico foi aprovada pelas Nações Unidas em 1948. Os judeus aceitaram imediatamente a solução e fundaram Israel. Os países árabes recusaram a presença de um Estado judeu na região e rechaçaram a decisão da ONU. Egito, Jordânia e Síria invadiram a parte destinada a um Estado árabe e iniciaram uma série de guerras contra Israel.

A guerra da Rússia contra a Ucrânia

“A guerra em grande escala da Federação Russa contra a Ucrânia” foi o centro de um segundo bloco do discurso de Francisco, que disse que “não se pode deixar continuar um conflito, que se está gangrenando cada vez mais”.

O papa acrescentou que “é preciso que se ponha termo à tragédia em curso através da negociação, no respeito pelo direito internacional”.

Em relação ao continente africano, o papa referiu-se às “múltiplas crises humanitárias” na região subsaariana, aos “efeitos devastadores das mudanças climáticas”, aos golpes de Estado militares ocorridos em vários países e aos “processos eleitorais caracterizados por corrupção, intimidação e violência.” Em particular, o papa chamou a atenção para a situação na Etiópia e no Sudão.

Venezuela e Nicarágua

No seu discurso, também denunciou “as fortes tensões” entre os países americanos, e citou especificamente o conflito entre a Venezuela e a Guiana, bem como os “fenômenos de polarização que comprometem a harmonia social” no Peru.

Falando da Nicarágua, o papa não fez referência explícita à situação dos bispos presos, embora tenha observado: “Suscita preocupação ainda a situação na Nicarágua: uma crise que se prolonga no tempo com amargas consequências para toda a sociedade nicaraguense, particularmente para a Igreja Católica. A Santa Sé não cessa de convidar a um diálogo diplomático respeitoso pelo bem dos católicos e de toda a população”.

Para o papa, as vítimas civis não são “danos colaterais”, mas “são homens e mulheres com nomes e sobrenomes que perdem a vida. São crianças que ficam órfãs e privadas do futuro. São pessoas que padecem a fome, a sede e o frio ou que ficam mutiladas por causa da potência das armas modernas”. Se se pudesse compreender isso, disse o papa, “veríamos a guerra como ela é: nada mais que uma enorme tragédia e ‘um massacre inútil’, que fere a dignidade de toda a pessoa nesta terra”.

Outras ameaças à paz

O papa citou ainda algumas ameaças à paz, entre as quais a disponibilidade de armas, especialmente as nucleares, a fome “que ainda hoje atinge regiões inteiras da terra” e “a exploração dos recursos naturais, que enriquece a poucos, deixando na miséria e na pobreza populações inteiras”.

Francisco também falou das catástrofes naturais e ambientais. Para ele, “a crise climática exige uma resposta cada vez mais urgente e requer o pleno envolvimento de todos”. “O cuidado da criação e a paz ‘são as questões mais urgentes e estão interligadas’”, acrescentou.

O papa falou dos migrantes e se referiu especialmente às rotas que atravessam o deserto do Saara, a selva de Darién entre a Colômbia e o Panamá ou a fronteira mexicano-americana. Ele destacou principalmente a situação do mar Mediterrâneo, que “se tornou um grande cemitério na última década”.

Para o papa, o caminho para a paz exige o respeito pela vida humana e pelos direitos humanos “livres de colonização ideológica”; recorrer ao diálogo político, social e inter-religioso e considerar o papel da educação, especialmente no que diz respeito ao uso ético das novas tecnologias.