O livro A Paixão Mística: Espiritualidade e Sensualidade, escrito pelo prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, o cardeal argentino Víctor Manuel “Tucho” Fernández, publicado no México em 1998, foi divulgado por um blog argentino e replicado por outros meios de comunicação hoje (8).

A Paixão Mística não costa da lista de obras do cardeal Fernández divulgada pela Sala de Imprensa da Santa Sé em 1º de julho de 2023, quando ele foi nomeado prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, assim como o livro Cura-me com tua Boca: a Arte de Beijar, publicado em 1995 na Argentina.

O texto deste artigo pode ferir a sensibilidade do leitor.

Mensagens controversas sobre o amor e a sexualidade

A Paixão Mística. Espiritualidade e sensualidade tem nove capítulos: “O fogo do amor divino”, “Um poço de paixão sublime”, “Uma louca história de amor”, “A paixão mística”, “Até o fim”, “Formosa minha, venha”, “Orgasmo masculino e feminino”, “O caminho para o orgasmo” e “Deus no orgasmo do casal”.

A capa do livro reproduz O Rapto de Psique, do pintor francês William-Adolphe Bouguereau, que mostra os deuses gregos Eros e Psique abraçados e nus, cobertos somente por um manto roxo.

“Esta obra é um convite a um mundo de amor apaixonado que se esconde no mais profundo do nosso ser”, diz a apresentação do livro. “Aqui somos convidados a caminhar com os homens e mulheres mais apaixonados da história pelos sublimes caminhos da união mística, até chegarmos a um ponto em que parecemos tocar o impossível. Atrevamo-nos a viver esta aventura”.

Os três capítulos mais polêmicos

No capítulo sete, “Orgasmo masculino e feminino”, Fernández apresenta a sua análise de “como homens e mulheres experimentam o orgasmo e qual é a diferença entre um orgasmo masculino e um orgasmo feminino”.

Em seguida, ele fala explicitamente do ato sexual e do que ele entende como preferências de homens e mulheres, e descreve a mulher como “insaciável”.

Ao fazer uma descrição explícita da excitação sexual, Fernández apresenta o papel da “pornografia forte” sem alertar sobre seus efeitos nem explicar o aspecto moral, afirmando que as mulheres “são menos atraídas que os homens por ver fotos com cenas sexuais violentas, imagens de orgias, etc.”, não porque não a excite, “mas porque a desfruta e valoriza menos e, em alguns casos, desperta nela o medo”.

Pouco adiante, Fernández diz que “a nível hormonal e psicológico não existe homem puro ou mulher pura”.

Em seguida, propõe-se analisar se as “particularidades do homem e da mulher no orgasmo” estão ligadas “de alguma forma na relação mística com Deus”.

Para Fernández, como a mulher é “mais receptiva” que o homem, estaria “mais disposta a deixar-se tomar por Deus” e estaria “mais aberta à experiência religiosa”. Depois, ele teoriza sobre a relação dessa suposta receptividade com a frequência feminina às igrejas: “Talvez seja por isso que as mulheres predominam nos templos”.

No capítulo oito, “O caminho para o orgasmo”, o atual prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé refere-se ao que chama de “experiências embriagantes de Deus” na vida de alguns santos.

Ele cita santa Teresinha do Menino Jesus: “Santa Teresinha de Jesus, embora se sentisse ternamente amada por Deus, nunca teve experiências muito ‘sensuais’ do seu amor, e parece que só alcançou uma alegria transbordante e apaixonada no momento de sua morte, quando seu rosto se transfigurou e ela disse suas últimas palavras: 'Eu te amo, meu Deus, eu te amo!'"

No mesmo capítulo, Fernández escreve: “Mas isso também não significa necessariamente que essa experiência gozosa do amor divino, se eu a alcanço, me libertará de todas as minhas fraquezas psicológicas. Não significa, por exemplo, que um homossexual necessariamente deixará de sê-lo”.

Em seguida, antecipando o tipo de raciocínio moral que emprega em Fiducia suplicans, o cardeal diz no livro: “Recordemos que a graça de Deus pode coexistir com fraquezas e também com pecados, quando há um condicionamento muito forte. Nesses casos, a pessoa pode fazer coisas que objetivamente são pecado, mas não ser culpada, e não perder a graça de Deus nem a experiência de seu amor”.

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No capítulo nove, “Deus no orgasmo do casal”, como continuação do que considerou uma reflexão “sobre a possibilidade de atingir uma espécie de orgasmo plenificador na nossa relação com Deus”, Fernández diz que “Deus chega a tocar o centro anímico-corpóreo do prazer, para que se experimente uma satisfação que abrange toda a pessoa”.

Para destacar o que ele considera uma “profunda valorização do prazer sexual” em outras religiões, quase no final do seu livro, Fernández recorre ao pensador muçulmano Jalal al-Din al-Suyuti (a quem chama de “Al Sonuouti”), autor de vários textos eróticos islâmicos e a quem elogia como um “venerável teólogo egípcio do século XV”.

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A citação do autor muçulmano incluída é: “Louvado seja Alá, que afirma que os pênis duros e retos são como lanças para fazer guerra às vaginas".

Quem é o cardeal Víctor Manuel “Tucho” Fernández?

Nascido em 18 de julho de 1962 em Alcira Gigena, Córdoba, Argentina, o cardeal Fernández, hoje com 61 anos, foi ordenado sacerdote em 15 de agosto de 1986, aos 24 anos.

Formou-se em Teologia com especialização bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma em 1988, e doutorou-se em Teologia pela Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica da Argentina (UCA) em 1990.

Na época em que foi publicada “A Paixão mística. Espiritualidade e sensualidade” ele tinha 35 anos, 12 deles como sacerdote.

Em 2009, o então arcebispo de Buenos Aires, cardeal Jorge Mario Bergoglio, hoje papa Francisco, propôs o nome de Fernández para ser o reitor da UCA. A confirmação teve que ser dada pela Santa Sé, através da então Congregação para a Educação Católica, atualmente Dicastério para a Cultura e a Educação.

Esse dicastério, por sua vez, exigia uma certificação da Congregação para a Doutrina da Fé de que não havia nada de problemático no novo reitor.

O ex-prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, cardeal Gerhard Müller, confirmou ao National Catholic Register em julho de 2023 que a Santa Sé tinha um dossiê sobre Fernández desde o final dos anos 2000. Por causa dos questionamentos, perguntas e reperguntas do organismo da Santa Sé, o atual cardeal Fernández só pôde assumir o cargo de reitor da UCA em maio de 2011, quase dois anos e meio depois da sua nomeação.

Em maio de 2013, o papa Francisco nomeou-o arcebispo sem lhe atribuir uma arquidiocese específica. Cinco anos depois, em 2 de junho de 2018, foi nomeado arcebispo de La Plata.

Fernández ocupou esse cargo até sua recente nomeação como prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé. Em 30 de setembro de 2023, foi nomeado cardeal pelo papa Francisco.

Ele é considerado o “teólogo do papa Francisco” e o ghost writer por trás de vários escritos de Francisco.

O cargo de prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé é possivelmente o segundo cargo mais poderoso na Santa Sé, depois apenas do papa. Os mais recentes ocupantes do cargo foram teólogos eminentes como o cardeal Luis Francisco Ladaria, jesuíta spanhol; e o cardeal Gerhard Müller, alemão. É também o cargo que teve o cardeal Joseph Ratzinger até a morte de são João Paulo II. Depois disso ele foi eleito papa e assumiu o nome de Bento XVI.

Entre as suas principais funções está garantir a doutrina católica correta e responder a questões doutrinárias. Embora não dependa formalmente deste dicastério, contém a Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores, órgão da Santa Sé que luta contra os abusos sexuais na Igreja Católica.

A publicação mais recente e mais controversa que o cardeal Fernández assinou como prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé foi, sem dúvida, a declaração Fiducia supplicans, de 18 de dezembro de 2023, que estabelece que os sacerdotes podem “abençoar os casais em situações irregulares e uniões do mesmo sexo, sem validar oficialmente o seu status ou alterar de forma alguma a doutrina perene da Igreja sobre o Matrimônio”.

A declaração causou incerteza e divisão no mundo todo. Episcopados inteiros no continente africano alertaram que não realizarão as bênçãos que Fiducia Supplians considera “um recurso pastoral”.