“O povo de Deus no Marajó é Igreja, nós somos Igreja e queremos uma resposta”, disse Gustavo Leão, um dos organizadores das manifestações que estão sendo feitas pedindo que o bispo emérito da prelazia do Marajó, dom José Luís Azcona Hermoso, fique na ilha. Isso é ser “sinodal, onde todos devem ser ouvidos”, disse à ACI Digital, usando o termo posto em voga pelo papa Francisco para descrever a Igreja que quer.

Em um comunicado divulgado no sábado (9), assinado pelo administrador, o padre Kazimierz Antoni Skorki, a prelazia do Marajó informou que o núncio apostólico no Brasil, dom Giambattista Diquattro, ligou para dom Azcona informando que ele não poderia mais morar no território da prelazia, sem dizer quais seriam os motivos para essa decisão.

Núncio apostólico é o representante da Santa Sé que tem as funções de um embaixador do papa nos países que têm relações diplomáticas com a sede do catolicismo.

Segundo o jornal O Liberal, do Pará, dom Azcona deve deixar Marajó até janeiro, quando toma posse o novo bispo, dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, nomeado pelo papa Francisco no início de novembro.

Dom José Luís Azcona é um religioso espanhol da Ordem dos Agostinianos Recoletos. Foi bispo da prelazia do Marajó de 1987 a 2016. Mesmo após sua renúncia, continua vivendo na ilha.

Em 2019, no contexto do Sínodo da Amazônia, foi uma das vozes conservadoras a se manifestar. O bispo emérito não participou do sínodo no Vaticano, mas publicou diversos artigos com críticas ao Instrumentum Laboris, ao sínodo e ao documento final.

O bispo criticou a “ausência de Cristo Crucificado” no Instrumentum Laboris, o texto de trabalho do sínodo, chamando atenção para a ausência do elemento central do anúncio evangelizador no documento. Dom Azcona também alertou sobre nenhuma menção ao pecado nos povos indígenas no documento de trabalho e defendeu o celibato sacerdotal. Também alertou para o escândalo e a idolatria causados pelo uso de imagens de Pachamama em eventos no Sínodo da Amazônia.

Dom Azcona também criticou a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM). Ele classificou a REPAM como uma “instituição de pensamento único” e disse que “isto é ameaçador até por ser um perigo para a liberdade de pensamento na Igreja da Amazônia. É uma Amazônia imposta”.

Desde o anúncio da prelazia, marajoaras fizeram diversas manifestações nas redes sociais e em diferentes locais da prelazia pedindo a permanência do bispo emérito. Nas manifestações, adotaram a hashtag #FICADOMAZCONA, além de usarem cartazes com declarações como “A Igreja marajoara não deve calar-se”.

“Pela Palavra de Deus, vemos que o povo é a Igreja, é a família de Deus. Quando falamos que nós somos a Igreja, procuramos seguir a doutrina, ser obedientes à Palavra de Deus, aos nossos superiores”, disse Gustavo Leão à ACI Digital. “Buscamos ser obedientes, mas também buscamos questionar os motivos [de dom Azcona ter que sair da prelazia] e queremos resposta”, acrescentou.

“Nós somos Igreja e também precisamos ser respondidos. Assim como, quando a CNBB pede algo para o Marajó, nós respondemos. Quando pedem uma contribuição de alguma ação, nós respondemos, nós também queremos ser respondidos. É uma falta de respeito com o povo marajoara. Já faz mais de uma semana e até agora nada”, disse.

O apoio a dom Azcona vai além dos católicos no Marajó. A conselheira tutelar Priscila Freitas criou a hashtag #FICADOMAZCONA e grupos para mobilizar as pessoas. Com essa iniciativa, ela diz ter impulsionado “a força popular em prol de dom Azcona”.

Freitas é evangélica e contou que, “independente de religião, as pessoas o admiram e respeitam”.

“Tenho dom José como referência, como um porta-voz dentro do Marajó”, disse Freitas à ACI Digital, lembrando as ações do bispo emérito em favor da população marajoara.

Em 2009, Dom Azcona denunciou casos de pedofilia e exploração sexual de crianças e adolescentes no Marajó por políticos e empresários locais. A denúncia deu origem à CPI da Pedofilia na Assembleia Legislativa do Pará e no Congresso Nacional.

“Quando ouvi comentarem sobre essa questão de que ele seria expulso, eu, como amiga de dom José e com todo o respeito que tenho por ele, me achei no direito de fazer alguma coisa para que pudéssemos mostrar força”, disse.

Instituições do Marajó também publicaram notas “de apoio à permanência de do Azcona” na prelazia, como o Instituto Federal Pará Campus Breves (IFPA), o Campus Universitário do Marajó-Breves da Universidade Federal do Pará, o Sindicato das Trabalhadoras e Trabalhadores em Educação Pública do Pará / Subsede Soure, além de vereadores da região.

Ontem (18), o Instituto de Direitos Humanos Dom José Luí Azcona (IDA) publicou em seu Instagram um comunicado da Comissão Fica Dom Azcona, no qual a comissão diz que “o movimento passará a ser denominado de: #SEMDOMJOSÉNÃOHAVERÁPOSSE”. “Ou Seja, sem uma decisão favorável ao clamor marajoara, a posse do novo bispo estará seriamente comprometida por falta de adesão  participação popular, visto que não existe pastor sem ovelhas”, diz o comunicado.

“Somos Igreja e estamos em comunhão. Além do movimento, estamos em comunhão com os padres da prelazia e também com o novo bispo. Nós não queremos ficar sem bispo. Então, estamos usando isso para incomodar a CNBB e o núncio, para que eles nos deem uma resposta”, disse Gustavo Leão.

Ele recordou que na semana passada aconteceu uma reunião do clero da prelazia do Marajó, com a presença do bispo nomeado dom José Ionilton e do bispo emérito dom José Azcona e que ao final foi publicado um comunicado da prelazia informando que os padres, junto com dom Ionilton, tinham enviado uma carta à nunciatura apostólica pedindo esclarecimentos sobre a saída de dom Azcona e solicitando que a decisão seja revista.

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A conselheira tutelar Priscila Freitas disse que “há um respeito muito grande por dom Ionilton”. “Nós vamos recebê-lo no Marajó com todo respeito, contato que dom José Azcona permaneça em solo marajoara”, acrescentou.

Na próxima quinta-feira, 21 de dezembro, dom José Luís Azcona completa 60 anos de ordenação sacerdotal. Segundo Freitas, por ocasião desta data, “o povo vai se mobilizar em todos os municípios do Marajó”. “Vamos homenageá-lo, nos mobilizando com cartazes, apelando para que ele fique”, disse.

Gustavo Leão contou que “todas as paróquias do Marajó estão se organizando para fazer uma missa em comemoração aos 60 anos de sacerdócio de dom Azcona, às 19h”. Ele disse que os católicos da região esperam receber alguma resposta até a manhã do dia 21. “Se não tiver uma resposta até lá, vamos fazer uma manifestação nas ruas do Marajó. E, se tiver uma resposta até lá, vamos fazer nos reunir na frente da Igreja, em oração e agradecimento a Deus pela resposta”, disse.

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