O Dicastério da Doutrina da Fé declarou ontem (13) que “deve-se trabalhar pastoralmente na Igreja local para fazer entender que ser uma mãe solteira não impede essa pessoa de ter acesso à Eucaristia”. A carta publicada em italiano, espanhol e inglês e assinada pelo prefeito do dicastério, Victor Manuel cardeal Fernández, se anuncia como resposta ao bispo de San Francisco de Macorís, República Dominicana, dom Ramón Alfredo de la Cruz Baldera.

Segundo Fernández, o bispo comunicou por email a preocupação com o comportamento de algumas mães solteiras que “se abstêm de comungar por medo do rigorismo do clero e dos dirigentes comunitários”.

Fernández também diz que o papa Francisco recebeu várias cartas de leigos advertindo que “em alguns países tanto os sacerdotes quanto alguns leigos de fato impedem às mães que tenham tido um filho fora do matrimônio ter acesso aos sacramentos e inclusive batizar seus filhos”.

O prefeito do dicastério cita o discurso do papa Francisco aos membros do comitê organizador do Congresso Eucarístico Nacional dos Estados Unidos, em junho deste ano: “a Eucaristia é a resposta de Deus à fome mais profunda do coração humano, à fome de vida autêntica: nela, o próprio Cristo está realmente presente no meio de nós para nos alimentar, consolar e sustentar ao longo do caminho”. Em seguida conclui: “às mulheres que, nessa situação, optaram pela vida e levam uma existência muito complexa por causa dessa opção, deve-se alentar a ter acesso à força curativa e consoladora dos sacramentos”.

O congresso foi convocado para tratar do fato de que a maioria dos católicos americanos não acredita na presença real de Jesus Cristo na hóstia consagrada, mas consideram a eucaristia apenas um símbolo da presença de Deus.

O documento do dicastério da Santa Sé cita uma intervenção do então bispo de Buenos Aires Jorge Mario cardeal Bergoglio num encontro pastoral da capital argentina em 2012 em que o então futuro papa Francisco acusava “presbíteros que não batizam as crianças das mães solteiras porque não foram concebidos na santidade do matrimônio” de serem “os hipócritas de hoje”.

Para Bergoglio, esses eram os que “clericalizam a Igreja. Os que separam o povo de Deus da salvação”. O tema da clericalização marca o pontificado de Francisco desde o início.

“Certamente há ‘situações difíceis’ que é necessário discernir e acompanhar pastoralmente”, diz a carta de Fernández. “Pode ocorrer que alguma dessas mães, dada a fragilidade de sua situação, algumas vezes recorra a vender seu corpo para sustentar sua família. A comunidade cristã está chamada a fazer todo o possível para ajudá-la a evitar esse gravíssimo risco, mais do que julgá-la duramente”.

“Tucho” Fernández, como é conhecido em sua Argentina natal o prefeito do dicastério, é apontado como o ghost writer por trás das encíclicas mais importantes do papa Francisco, como Amoris laetitia, citada duas vezes na carta do dicastério.

Ele dá sete referências para os argumentos de sua carta em nota de rodapé. Apenas uma não é de Francisco, antes ou depois de se tornar papa.

Essa única vem da Carta do Papa João Paulo II às Mulheres, de 1995: “quanto louvor merecem as mulheres que, com amor heroico pela sua criatura, carregam uma gravidez devida à injustiça de relações sexuais impostas pela força; e isto não só no quadro das atrocidades que, infelizmente, se verificam nos contextos de guerras, ainda tão frequentes no mundo, mas também nas situações de bem-estar e de paz, não raro viciadas por uma cultura de permissivismo hedonista, na qual prosperam facilmente também tendências de machismo agressivo. Nestas condições, a escolha do aborto, que permanece sempre um pecado grave, antes de ser uma responsabilidade atribuível à mulher, é um crime que deve ser imputado ao homem e à cumplicidade do ambiente circundante”.

Em entrevista a Edward Pentin, ao jornal National Catholic Register, do grupo de comunicação católico EWTN, ao qual pertence a ACI Digital, numa entrevista em 8 de setembro, Fernández disse acreditar que o “papa não só tem o dever de guardar e preservar o depósito ‘estático’ da fé mas também um segundo carisma único, concedido apenas a Pedro e aos seus sucessores, que é um dom presente e ativo” para fazer a doutrina progredir.