O cenário de tensão não é novo nas aldeias da fronteira sul do Líbano, especialmente nas cristãs. As cidades que sofreram confrontos durante o período da presença israelense no Líbano, e depois durante a guerra de julho de 2006, estão hoje à beira do mesmo cenário.

Durante mais de duas semanas, as aldeias cristãs libanesas ao longo da fronteira com a Terra Santa experimentaram um estado de ansiedade acompanhado por um deslocamento massivo da população. Paralelamente à destruição na Faixa de Gaza e nos seus entornos, os arredores das cidades testemunham confrontos intermitentes em resposta do lado israelense ao lançamento de mísseis a partir do território libanês, ou como dissuasão de uma tentativa de infiltração.

Isto acontece à luz de rumores crescentes de que o Líbano poderá se transformar em uma segunda frente aberta, o que instila um medo profundo nos corações do povo da região fronteiriça cristã.

Chama-se a atenção para as cidades de Rmeish, Ain Ebel, Dibal e Al-Quzah, que são as quatro aldeias fronteiriças cristãs que formam o que é conhecido como “Praça Cristã” no distrito de Bint Jbeil, no sul do Líbano. Os residentes restantes não conseguem dormir há mais de duas semanas, enquanto os sinais de sofrimento começaram a aparecer de forma acentuada e a afetar a sua vida cotidiana.

“O medo hoje é maior do que em qualquer fase anterior”, disse Milad al-Alam, prefeito do município fronteiriço cristão de Rmeish, que confirmou em uma entrevista exclusiva à ACI MENA, agência de notícias em língua árabe do grupo ACI, que “mais do que 60% da população da cidade a abandonou por medo dos bombardeamentos nos arredores”.

“Há 10 mil maronitas em Rmeish, cujo número diminui no inverno para aproximadamente 7 mil”, disse. “Hoje, a cidade mal conta com 3 mil pessoas que se recusaram a abandonar as suas casas e meios de subsistência e permaneceram aqui protegendo-a.”

Sobre o cenário da vida cotidiana e os componentes da firmeza na cidade, Al-Alam disse: “Ao entrarmos na terceira semana desde que os arredores da nossa cidade começaram a ser bombardeados, sofremos com uma grave escassez de alimentos e recursos que nos permite comprar nossas necessidades. Todos os que permanecem ganham a vida com os seus empregos e profissões livres, que foram completamente interrompidos. Como vamos sobreviver enquanto procuramos pão, água e eletricidade?”.

“Nossa situação é catastrófica. Hoje estamos entregues ao nosso destino. Ninguém perguntou sobre nós até agora, nem autoridades políticas, nem representantes da região, nem mesmo a Igreja. Vinte e cinco mil cristãos ao longo da fronteira da Linha Azul, ninguém os tranquilizou. Milhares de estudantes cristãos nas nossas regiões não vão à escola como outros estudantes em todo o país, e ninguém pergunta sobre eles”, acrescentou.

Sobre se existe receio entre os residentes da região fronteiriça de que o Líbano seja mergulhado numa guerra semelhante à que viveram em 2006, Al-Alam respondeu: “A única prova disso é o ritmo rápido do deslocamento da população devido à amargura da guerra que experimentaram em 2006”.

Quanto à realidade das cidades cristãs vizinhas, Al-Alam confirmou que a mesma cena prevalece nas aldeias da Praça Cristã, que são esvaziadas dos seus residentes depois de partirem por medo de uma possível guerra. Ele destacou que os sinos das igrejas de Rmeish e al-Muhit continuam a tocar e as missas ainda são celebradas em meio aos bombardeios, que aumentam diariamente.

“Este é o resultado da nossa localização geográfica e da nossa firmeza nesta terra”, disse Al-Alam.

Um padre levanta a voz

As cidades da Praça Cristã não estão sozinhas na arena do sofrimento e da ansiedade, pois a elas se juntou outra cidade cristã fronteiriça, Qalaia, no distrito de Marjayoun. À medida que a troca de foguetes continuava entre os lados libanês e israelense, os arredores da cidade participaram disso.

Este incidente suscitou um comentário do padre assistente da paróquia de Qalaia, Rabih Choueiri, que disse num comunicado: “Denuncio este ato de sabotagem que alguns deles estão usando, trazendo à força algumas aldeias para a guerra e usando civis desarmados como um escudo humano para lançar foguetes”.

“Como se não bastassem as condições econômicas e sociais que atravessamos hoje e o deslocamento das nossas famílias e crianças e o seu êxodo para áreas seguras...”, continuou. “O sul é amplo, com planícies, montanhas e mar, mas não entre as casas.”

“Apelo aos que se preocupam com a segurança e os serviços militares para que preservem a segurança e a estabilidade restantes na nossa cidade de Qalaia e não arrastem toda a região para uma guerra que não queremos porque a guerra é destruição, tristeza, dor e a morte… e somos defensores da paz”, acrescentou Choueiri.

Contando famílias resilientes

À luz dos confrontos intermitentes que não poupam nenhuma cidade fronteiriça, as estradas que conduzem à capital, Beirute, testemunharam nos últimos dias um movimento de tráfego incomum, indicando que muitas pessoas abandonaram as suas aldeias por medo de uma escalada. Neste contexto, a aldeia fronteiriça cristã de Dibal lançou uma campanha para contar o número de pessoas que permanecem na cidade.

“À luz das difíceis condições que a região atravessa e do deslocamento forçado de muitas famílias em direção a Beirute por medo do desenvolvimento da situação, e com o objetivo de desenvolver uma visão prática e realista, colocamos em suas mãos um formulário eletrônico de emergência e solicitamos que seja preenchido com as informações necessárias para atualização do censo realizado pela aldeia de Dibal. Finalmente, sobre as famílias que permaneceram em Dibal e aquelas que foram deslocadas para Beirute”, disse o município em um comunicado.

Para aqueles que permanecem nestas áreas, por autoconfiança ou por falta de alternativa, há muitas questões e preocupações. Será que este “vulcão fronteiriço” vai explodir e o Líbano se transformará numa segunda frente para uma guerra impiedosa? Se isto acontecer, qual será o destino dos cristãos das aldeias da periferia sul?

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