A discussão sobre a tradição no Concílio Vaticano II é a autoridade para as reflexões do Sínodo da Sinodalidade hoje, disse o teólogo e padre australiano Ormond Rush aos delegados no início da última semana da assembleia, ontem (23).

“Tendo ouvido vocês nas últimas três semanas, tive a impressão de que alguns de vocês estão lutando com a noção de tradição, à luz do seu amor pela verdade”, disse o padre.

A tradição “foi um ponto importante de discussão no Concílio Vaticano II”, acrescentou. “As suas respostas são, para nós, a autoridade para orientar as nossas reflexões sobre as questões que enfrentamos hoje.”

Ele convocou a assembleia de 4 a 29 de outubro para o “discernimento dos delegados sobre o futuro da Igreja”.

Rush se dirigiu ontem aos membros do sínodo e ao papa Francisco, antes de revisarem um rascunho de um documento que resume suas conversas nas últimas três semanas. A assembleia vai votar sobre a aprovação do documento no sábado (28), pouco antes de sua divulgação.

Ao falar sobre discernimento, o teólogo disse aos delegados sinodais que deveriam se esforçar para ver com os olhos de Jesus. Ele também os alertou sobre “armadilhas” em que poderiam ser “atraídos para formas de pensar que não são ‘de Deus’”.

“Essas armadilhas podem residir em estarmos ancorados exclusivamente no passado, ou exclusivamente no presente, ou em não estarmos abertos à plenitude futura da verdade divina para a qual o Espírito da verdade está conduzindo a Igreja”, disse. “Discernir a diferença entre oportunidades e armadilhas é tarefa de todos os fiéis – leigos, bispos e teólogos – de todos”.

Rush falou sobre uma tensão durante o Concílio Vaticano II relacionada a duas abordagens da tradição. Bento XVI, então padre Joseph Ratzinger, foi consultor teológico no Vaticano II. Ele escreveu sobre “uma compreensão 'estática' da tradição e uma compreensão 'dinâmica'”, disse Rush.

“A primeira é legalista, proposicional e a-histórica (isto é, não é relevante para todos os tempos e lugares); esta última é personalista, sacramental e enraizada na história e, portanto, deve ser interpretada com consciência histórica”, descreveu o teólogo. “A primeira tende a focar no passado, a última em ver o passado sendo realizado no presente, e ainda assim aberta a um futuro ainda a ser revelado”.

Rush citou o oitavo parágrafo da Dei Verbum, a constituição dogmática do Vaticano II sobre a revelação divina, e o desenvolvimento da tradição da Igreja pelos apóstolos com a ajuda do Espírito Santo: “Há um crescimento na compreensão das realidades e palavras que estão sendo passadas".

“E [a constituição dogmática] continua falando de três formas inter-relacionadas através das quais o Espírito Santo guia o desenvolvimento da tradição apostólica: o trabalho dos teólogos, a experiência vivida dos fiéis e a supervisão do magistério. Parece uma Igreja sinodal, não é?”, disse.

Outro teólogo do sínodo, o padre Dario Vitali, também falou ao Sínodo da Sinodalidade sobre a necessidade, numa Igreja sinodal, das contribuições da experiência vivida dos católicos, do magistério e dos teólogos. Vitali disse na semana passada que “a possibilidade de desenvolver um estilo e uma forma sinodal da Igreja depende da circularidade virtuosa do sensus fidei [senso de fé], do magistério e teologia”.

Rush chamou o sínodo de “um diálogo com Deus” e disse aos delegados que no documento de síntese final, que vão rever esta semana, “Deus está à espera” da sua resposta.

“No final desta semana de síntese, você pode muito bem querer começar essa síntese dizendo, como fez o primeiro concílio de Jerusalém, descrito em Atos 15: 'Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós...'”, disse Rush, referindo-se ao concílio apostólico descrito nos Atos dos Apóstolos, que trata da questão de saber se os crentes gentios deveriam ou não ser circuncidados.

Os apóstolos, disse o teólogo, abordaram numa carta às igrejas “um assunto sobre o qual o próprio Jesus não deixou orientações específicas". “Eles e o Espírito Santo juntos tiveram que chegar a uma nova adaptação do Evangelho de Jesus Cristo em relação a essa nova questão, que não havia sido prevista antes”.

Rush, um dos 62 “especialistas e facilitadores” do sínodo, é professor associado de teologia na Universidade Católica Australiana em Brisbane e sacerdote da diocese de Townsville.

Publicou livros e artigos sobre o Concílio Vaticano II, o sensus fidei e a sinodalidade.