Em uma nova entrevista publicada por um meio de comunicação da Argentina, o papa Francisco disse que a Igreja deve mudar “em favor da dignidade das pessoas”.

Mas na mesma entrevista, feita no final do mês passado e publicada ontem (16) pela agência estatal de notícias Télam, Francisco disse que a mudança deve ocorrer “sem negar o essencial da Igreja”.

“Desde o início do Concílio Vaticano II, João XXIII teve uma percepção muito clara: a Igreja tinha que mudar. Paulo VI concordou e continuou, assim como os papas que os sucederam”, disse Francisco.

“Não se trata apenas de mudar a moda, trata-se de uma mudança de crescimento e em favor da dignidade das pessoas. E aí é que está a progressão teológica, da teologia moral e de todas as ciências eclesiásticas, incluindo a interpretação das Escrituras, que têm progredido de acordo com o sentir da Igreja”, continuou.

Mas, acrescentou, recorrendo à imagem de uma árvore e das suas raízes, “sempre em harmonia. Os rompimentos não são bons. Ou progredimos pelo desenvolvimento ou terminamos mal. Os rompimentos deixam você fora da força vital do desenvolvimento”.

O papa Francisco fez referência aos escritos de são Vicente de Lérins, monge dos séculos IV-V que dizia que as mudanças na Igreja devem ter três condições: “que sejam consolidadas, que cresçam e que sejam sublimadas ao longo dos anos”.

“A Igreja tem que mudar, pensamos em como mudou desde o Concílio até agora e como tem que continuar mudando na modalidade, na forma de propor uma verdade que não muda”, disse. “Ou seja, a revelação de Jesus Cristo não muda, o dogma da Igreja não muda, mas cresce, desenvolve-se e se sublima como a seiva de uma árvore. Quem não está neste caminho é aquele que dá um passo atrás e se fecha em si mesmo”.

“As mudanças na Igreja ocorrem neste fluxo de identidade da Igreja. E tem que ir mudando à medida que os desafios vão se apresentando. Daí parte que o núcleo da sua mudança seja essencialmente pastoral, sem negar o essencial da Igreja”.

O papa Francisco também falou da importância do diálogo. “Acredito que o diálogo não pode ser apenas nacionalista, é universal, especialmente hoje com todas as facilidades que existem para nos comunicarmos. É por isso que falo de diálogo universal, de harmonia universal, de encontro universal. E é claro, o inimigo disto é a guerra. Desde que a Segunda Guerra Mundial acabou até agora, tem havido guerras por todos os lugares. Foi o que me levou a dizer que estamos vivendo uma guerra mundial em pedacinhos”.

“Vou fazer uma heresia”

Francisco falou diante das câmeras sobre uma ampla variedade de temas, incluindo o Sínodo da Sinodalidade, as eleições presidenciais de 22 de outubro na Argentina e a sua vida pessoal de oração.

Ao responder sobre os seus futuros planos de viagem, o papa Francisco se referiu à possibilidade de voltar ao seu país de origem pela primeira vez como papa, e talvez continuar e até chegar ao Polo Sul.

“Eu gostaria de ir (para a Argentina)”, disse. “Falando dos mais distantes, ainda me resta Papua Nova Guiné. Mas alguém me dizia que como vou para a Argentina, devo fazer uma escala na cidade de Río Gallegos, depois no Polo Sul, desembarcar em Melbourne e visitar a Nova Zelândia e a Austrália. Seria um pouco longo".

Respondendo se atualmente é “difícil ser representante de Deus nesta Terra”, o papa respondeu: “Vou fazer uma heresia. Somos todos representantes de Deus. Todos os crentes temos que dar testemunho daquilo em que acreditamos e, nesse sentido, todos somos representantes de Deus”.

“É verdade que o papa é um representante privilegiado de Deus, porque vocês, jornalistas, estão concentrados nele o dia todo, para ver o que ele diz, o que faz, o que não faz”, acrescentou, rindo. “E devo dar testemunho de uma coerência interior, da verdade da Igreja, e da pastoralidade da Igreja, isto é, da Igreja que sempre vai com as portas abertas para os outros”.

“Pessoas que não têm senso de humor não têm graça”

O papa Francisco descreveu sua vida de oração como própria de uma criança e talvez “antiquada”.

“Conservo muito da minha piedade quando criança. Minha avó me ensinou a rezar e ainda guardo muito daquela piedade simples, de rezar, de pedir e, como dizemos na Argentina, daquela piedade de ‘carvoeiro’” [confiar cegamente, mesmo sem compreender], disse o papa.

“Quando oro, não sou complicado. Alguns podem até dizer que tenho uma espiritualidade antiquada. Pode ser”, disse.

“A consciência religiosa cresceu muito, é outra coisa, amadureceu, mas a forma de me expressar com Deus é sempre simples. E funciona para mim pela sua simplicidade, não consigo ser complicado”, disse.

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“Às vezes eu digo (olha para cima) ‘resolva esse assunto porque eu não posso’. E peço à Virgem, aos santos, que me ajudem. E quando uma decisão tem que ser tomada, o pedido vem sempre antes… a luz que vem de cima, né? Mas o Senhor é um bom amigo, ele me trata bem. Ele cuida muito de mim, como cuida de todos nós. Temos que descobrir como ele cuida de nós. Ele cuida de cada um de nós com nosso estilo. Isso é muito lindo”.

O papa Francisco também falou na entrevista sobre a importância de ter senso de humor.

Ao responder uma pergunta sobre o que o diverte, ele disse rindo: “O senso de humor é um atestado de saúde”.

Francisco disse que todos os dias, nos últimos 40 anos, rezou a “oração para pedir o bom humor” de são Tomás More, que começa dizendo: “Dá-me, senhor, uma boa digestão e algo para digerir. Dá-me a saúde do corpo, com o bom humor necessário para mantê-la”.

“Pessoas que não têm senso de humor não têm graça”, disse o papa.