A Sala de Imprensa da Santa Sé publicou hoje (4), dia de são Francisco de Assis, a nova exortação apostólica do papa Francisco Laudate Deum (Louvado seja Deus) sobre a crise climática.

No texto de pouco mais de 12 páginas (em português), o papa Francisco recorda que se passaram oito anos desde que publicou a encíclica Laudato si' (Louvado seja), em 2015, sobre o cuidado da casa comum, e que escreve esta nova exortação pois percebe “que não estamos a reagir de modo satisfatório, pois este mundo que nos acolhe, está-se esboroando e talvez aproximando dum ponto de ruptura”.

A crise climática global

Laudate Deum é dirigida “a todas as pessoas de boa vontade” e tem 73 numerais e está dividida em 6 seções, a primeira das quais é intitulada ‘A crise climática global’. Nela, Francisco diz: “Por muito que se tente negá-los, escondê-los, dissimulá-los ou relativizá-los, os sinais da mudança climática impõem-se-nos de forma cada vez mais evidente. Ninguém pode ignorar que, nos últimos anos, temos assistido a fenómenos extremos, a períodos frequentes de calor anormal, seca e outros gemidos da terra que são apenas algumas expressões palpáveis duma doença silenciosa que nos afeta a todos”.

“É verdade que nem todas as catástrofes se podem atribuir à alteração climática global. Mas é possível verificar que certas mudanças climáticas, induzidas pelo homem, aumentam significativamente a probabilidade de fenômenos extremos mais frequentes e mais intensos”, acrescenta.

Depois de dizer que há quem tente “minimizar esta observação” ou procure “pôr em ridículo quem fala de aquecimento global”, o papa lamenta que haja também quem “culpe os pobres de terem demasiados filhos e procure resolver o problema mutilando as mulheres dos países menos desenvolvidos. Como sucede habitualmente, a culpa pareceria ser dos pobres. Mas a realidade é que uma reduzida percentagem mais rica do planeta polui mais do que o 50% mais pobre de toda a população mundial e que a emissão pro capite dos países mais ricos é muitas vezes superior à dos mais pobres".

Depois de alertar que “nos últimos cinquenta anos, a temperatura aumentou a uma velocidade inédita, sem precedentes nos últimos dois mil anos”, o papa Francisco diz que “é impossível esconder a coincidência destes fenômenos climáticos globais com o crescimento acelerado das emissões de gases com efeito estufa, sobretudo a partir de meados do século XX”.

“A esmagadora maioria dos estudiosos do clima defende esta correlação, sendo mínima a percentagem daqueles que tentam negar esta evidência”, continua, ao mesmo tempo que destaca: que se vê “obrigado a fazer estas especificações, que podem parecer óbvias, por causa de certas opiniões ridicularizadoras e pouco racionais que encontro mesmo dentro da Igreja Católica”.

Francisco diz também que, nesta situação, “tudo o que se nos pede é uma certa responsabilidade pela herança que deixaremos atrás de nós depois da nossa passagem por este mundo”. A crise climática, continua, somada à pandemia de covid-19, levariam o papa a insistir “até à exaustão” em duas convicções: “Tudo está interligado” e “ninguém se salva sozinho”.

O crescente paradigma tecnocrático

Na segunda seção, Francisco recorda o “breve desenvolvimento” que ofereceu na Laudato si’ sobre o “paradigma tecnocrático que está na base do processo atual de degradação ambiental. Trata-se de ‘um modo desordenado de conceber a vida e a ação do ser humano, que contradiz a realidade até ao ponto de a arruinar’”.

“Consiste, substancialmente, em pensar ‘como se a realidade, o bem e a verdade desabrochassem espontaneamente do próprio poder da tecnologia e da economia’. Como consequência lógica, ‘daqui passa-se facilmente à ideia dum crescimento infinito ou ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os teóricos da finança e da tecnologia’”, continua.

“O problema maior é a ideologia que está na base duma obsessão: aumentar para além de toda a imaginação o poder do homem, para o qual a realidade não humana é um mero recurso ao seu serviço. Tudo o que existe deixa de ser uma dádiva que se deve apreciar, valorizar e cuidar, para se tornar um escravo, uma vítima de todo e qualquer capricho da mente humana e das suas capacidades”, acrescenta o papa.

Francisco diz então: “Um ambiente saudável é também o produto da interação humana com o meio ambiente, como sucede nas culturas indígenas e aconteceu durante séculos em várias regiões da terra”. “O grande problema atual é que o paradigma tecnocrático destruiu esta relação saudável e harmoniosa”, acrescenta.

Francisco escreve também: “A decadência ética do poder real é disfarçada pelo marketing e pela informação falsa, mecanismos úteis nas mãos de quem tem maiores recursos para influenciar a opinião pública através deles. Com a ajuda destes mecanismos, quando se pretende iniciar um projeto com forte impacto ambiental e elevados efeitos poluidores, iludem-se os habitantes da região falando do progresso local que se poderá gerar ou das oportunidades econômicas, ocupacionais e de promoção humana que isso trará para os seus filhos”.

“Na realidade, porém, falta um verdadeiro interesse pelo futuro destas pessoas, porque não lhes é dito claramente que, na sequência de tal projeto, terão uma terra devastada, condições muito mais desfavoráveis para viver e prosperar, uma região desolada, menos habitável, sem vida e sem a alegria da convivência e da esperança, para além do dano global que acaba por prejudicar a muitos mais”, acrescenta.

A fragilidade da política internacional

A terceira seção é sobre ‘A fragilidade da política internacional’. Nela o papa diz que “não é conveniente confundir o multilateralismo com uma autoridade mundial concentrada numa só pessoa ou numa elite com excessivo poder”, mas com “organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para assegurar o bem comum mundial, a erradicação da fome e da miséria e a justa defesa dos direitos humanos fundamentais”.

Neste sentido, Francisco diz que estas organizações “devem ser dotadas duma real autoridade que possa ‘assegurar’ a realização de alguns objetivos irrenunciáveis. Deste modo dar-se-ia vida a um multilateralismo que não depende das circunstâncias políticas instáveis ou dos interesses de poucos e que tem uma eficácia estável”.

Quanto ao multilateralismo, o papa diz que “pressupõe que se adote um novo procedimento para a tomada de decisões e a legitimação das mesmas, porque o procedimento estabelecido há vários decênios não é suficiente nem parece ser eficaz”.

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“Neste contexto, são necessários espaços de diálogo, consulta, arbitragem, resolução dos conflitos, supervisão e, em resumo, uma espécie de maior ‘democratização’ na esfera global, para expressar e incluir as diversas situações. Deixará de ser útil apoiar instituições que preservem os direitos dos mais fortes, sem cuidar dos direitos de todos”, acrescenta.

As Conferências sobre o Clima: progressos e falimentos

Nesta quarta seção, o papa faz um resumo das diferentes conferências mundiais sobre o tema, começando pela do Rio de Janeiro em 1992, passando pela COP (Conferência das Partes) de Copenhague em 2009 e pela COP de Paris em 2015, esta última, um “momento significativo, pois produziu um acordo que envolveu a todos. Pode ser visto como um novo início, tendo em conta o falimento dos objetivos estabelecidos na fase anterior”.

O acordo entrou em vigor em 4 de novembro de 2016 e “apresenta um objetivo importante a longo prazo: manter o aumento das temperaturas médias globais abaixo dos 2 graus centígrados relativamente aos níveis pré-industriais, apostando em todo o caso a descer abaixo de 1,5 graus”.

O que se espera da COP28 em Dubai?

Depois de fazer uma breve revisão da COP25 de Madri (2019), da COP26 de Glasgow (2021) e da COP27 de Sharm El Sheikh (2022), o papa dedica a quinta seção ao que se espera da COP28 do Dubai, que será de 30 de novembro a 12 de dezembro.

Na exortação, o papa Francisco encoraja a que “duma vez por todas acabemos com a atitude irresponsável que apresenta a questão apenas como ambiental, ‘verde’, romântica, muitas vezes ridicularizada por interesses econômicos”. Francisco manifesta a sua esperança de que aqueles que vão “intervir na COP28, sejam estrategas capazes de pensar mais no bem comum e no futuro dos seus filhos, do que nos interesses contingentes de algum país ou empresa".

Motivações espirituais

A sexta e última seção é sobre as ‘Motivações Espirituais’. Nela, Francisco destaca que “a cosmovisão judaico-cristã defende o valor peculiar e central do ser humano no meio do maravilhoso concerto de todos os seres, mas hoje somos obrigados a reconhecer que só é possível defender um ‘antropocentrismo situado’, ou seja, reconhecer que a vida humana não se pode compreender nem sustentar sem as outras criaturas. De fato ‘nós e todos os seres do universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde’".

"Convido cada um a acompanhar este percurso de reconciliação com o mundo que nos alberga e a enriquecê-lo com o próprio contributo, pois o nosso empenho tem a ver com a dignidade pessoal e com os grandes valores. Entretanto não posso negar que é necessário sermos sinceros e reconhecer que as soluções mais eficazes não virão só dos esforços individuais, mas sobretudo das grandes decisões da política nacional e internacional", pede o papa.

‘Laudate Deum’ é o título desta carta, porque um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo”, conclui o papa Francisco.