O governo na Nicarágua expropriou todos os bens e contas bancárias da Universidade Centro-Americana (UCA), pertencente à Companhia de Jesus (jesuítas), após acusá-la de "terrorismo".

Desde 2018 a Igreja vem sendo perseguida pelo governo do presidente Daniel Ortega, ex-líder guerrilheiro de esquerda que soma 30 anos no poder no país.

Arturo McFields Yescas, ex-embaixador da Nicarágua na Organização dos Estados Americanos (OEA), hoje exilado político por denunciar as arbitrariedades do regime, publicou por meio de sua conta na rede social "X" o e-mail da UCA enviado à universidade comunitária.

Na mensagem, a universidade diz que, na terça-feira (15), às 17h29 (hora local), o Tribunal de Audiências de Circunscrição da Décima Comarca Penal de Manágua, a cargo da juíza María Saavedra Corrales, notificou "a apreensão de bens imóveis, móveis, dinheiro em moeda nacional ou estrangeira de contas bancárias imobilizadas, produtos financeiros em moeda nacional ou estrangeira de titularidade da UCA”.

O e-mail diz que, a partir de agora, o regime da Nicarágua será responsável por "todos os programas educacionais".

 

No e-mail, a UCA disse à comunidade universitária que as medidas foram tomadas com base em “acusações infundadas” de que o seu centro de estudos “funcionava como um centro de terrorismo, organizando grupos criminosos”.

“Diante de tudo isso, a Universidade Centro-Americana reitera seu compromisso com a sociedade nicaraguense por uma educação superior de qualidade e fiel a seus princípios fundadores há 63 anos”, continua a mensagem.

Depois de agradecer a confiança e solidariedade recebida, a UCA informou que suspendeu na quarta-feira (16), “todas as atividades letivas e administrativas, até que seja possível retomá-las de forma normal”.

Em imagens divulgadas nas redes sociais, funcionários da UCA são vistos removendo uma imagem do Cristo crucificado da capela da universidade. Segundo a advogada nicaraguense Martha Patricia Molina, esta ação é uma forma de proteger “o conteúdo religioso e sagrado” para “evitar qualquer futura profanação por parte da ditadura sandinista”.

A expropriação da UCA é ocorre dias depois de o governo nicaraguense ter congelado as contas bancárias da universidade e imobilizado a transferência de seus bens.

McFields, ex-embaixador da Nicarágua junto à OEA e ex-aluno da Universidade Centro-Americana, disse à ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI, que a apreensão "foi a crônica de uma morte anunciada em uma escalada contra a UCA", e consequência do "ataque constante à Igreja Católica, à fé do povo e ao coração dos nicaraguenses”.

"Não é um ataque apenas a uma universidade, mas à melhor universidade da Nicarágua e um símbolo de fé, uma casa de estudos jesuíta inspirada no pensamento da Companhia de Jesus e no lema 'Em tudo amar e servir' de santo Inácio de Loyola", disse ele ontem (16).

Para McFields, a UCA é mais do que “um edifício de ferro e concreto”, porque “tem sido uma universidade com voz profética que tem condenado os crimes da ditadura, a corrupção”. “E é isso que fere o regime, é por isso que a atacam”, diz ele.

Segundo McFields, "o regime está se apoderando da principal instituição de ensino superior do país, usando o judiciário como um 'sicário', como uma ferramenta para atingir um fim".

“Devemos lembrar que em 1961, a ditadura cubana fez uma operação semelhante. Ele fechou a Universidade de Santo Tomás de Villanueva, expulsando 136 padres e confiscando 350 escolas católicas. É o mesmo manual que estão implementando na Nicarágua: atacar as crenças do povo e o desejo de estudar com formação em princípios e valores”, disse à ACI Prensa.

McFields diz que, com a expropriação, o governo vai transformar a UCA “num centro de formação política e ideológica”.

“Agora estão querendo usar a UCA e que os alunos homenageiem os ditadores como os novos ícones do país. Acho que não vão conseguir, mas é isso que estão tentando fazer”, acrescenta.

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Apesar das tentativas de encurralar a Igreja na Nicarágua, McFields considera que ela "desempenhou um papel extraordinário na luta pela democracia e que, ao invés de enfraquecer a fé do povo, gerou um renascimento”.

“A Igreja perseguida revitalizou sua fé”, diz.

Um apelo à ação a favor da UCA

Félix Maradiaga, ex-preso político e ex-candidato à presidência da Nicarágua, disse à ACI Prensa ontem (16), que o recente confisco da UCA também é "uma ação muito grave que representa um golpe na educação e na liberdade de pensamento na Nicarágua".

Por isso, considera que “é crucial mobilizar o apoio internacional para a Universidade Centro-Americana”.

“Já há várias pessoas e organizações que estamos trabalhando para obter o apoio necessário para enfrentar essa difícil realidade. Pedimos à comunidade internacional, governos, organizações de direitos humanos e pessoas comprometidas com a liberdade e a educação em nível hemisférico, que se unam ao nosso apelo de solidariedade e apoio à UCA”, disse o líder político.

É urgente, continuou ele, que “a voz do mundo se levante em defesa desta valiosa instituição e em repúdio aos ataques injustificados da ditadura de Ortega-Murillo”.

“A educação é um pilar fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade justa e livre, e a UCA tem sido uma instituição fundamental na formação de profissionais comprometidos com o bem comum”, conclui.

Sobre a Universidade Centro-Americana

Criada em 1960 e ligada à Companhia de Jesus, a UCA é a primeira universidade privada da Nicarágua. Ao longo da sua história, formou mais de 12 gerações de profissionais e foi o berço de figuras que se opuseram à ditadura de Somoza, que vigorou no país até 1979. Também acompanhou o processo de regresso à democracia nos anos 90 e denunciou as injustiças e a repressão durante os protestos na Nicarágua em 2018.

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