O governo de Daniel Ortega e de sua mulher e vice-presidente Rosario Murillo na Nicarágua congelou as contas bancárias e os bens da Universidade Centro-Americana (UCA), propriedade da Companhia de Jesus, uma ação que foi condenada por um bispo e várias organizações sociais.

"Como ex-aluno da Universidade Centro-Americana de Manágua, repudio a agressão da ditadura contra este centro de estudos", disse o bispo auxiliar de Manágua, Nicarágua, dom Silvio Báez, ontem (10), em sua conta pessoal na rede social X

Dom Báez, exilado nos EUA desde abril de 2019 devido à perseguição do governo, disse que “o congelamento de contas é um atentado contra o ensino superior, a liberdade intelectual, a cultura e toda a sociedade”.

Hoje (11), fontes ligadas à UCA disseram ao jornal nicaraguense El Confidencial que o regime ordenou a imobilização de suas propriedades em registros públicos.

Segundo fontes locais, na quarta-feira (9), o governo de Ortega congelou as contas bancárias da UCA. Até o momento, as autoridades da instituição de ensino não emitiram um comunicado oficial.

O jornal El Confidencial revelou ontem (10) um e-mail enviado pela UCA à comunidade universitária, no qual diz que está passando por "situações adversas" e ao mesmo tempo trabalhando para resolver os problemas que os impedem de fazer operações bancárias.

Sobre a imobilização de seus bens, o jornal nicaraguense Divergentes informou ontem (10) que esta ação não foi notificada à UCA e que teria surgido de um pedido da Procuradoria Geral da República (PGR), órgão encarregado da representação legal do Estado.

A fonte desse meio, próxima à universidade, informou que as autoridades jesuítas “perceberam que todos os seus bens imóveis tinham sido imobilizados quando iam fazer movimentos das propriedades”. Ele também deu a entender que em breve a UCA poderia ser confiscada em sua totalidade.

Atualmente não há informações disponíveis sobre possíveis investigações policiais para apoiar a decisão de congelar as contas bancárias da universidade e bloquear seus ativos.

Condenação de organizações de oposição, ex-presos políticos e movimentos estudantis

Depois de confirmar o bloqueio de contas e bens da UCA, seis movimentos estudantis do país centro-americano condenaram o que consideram um "ultraje" e "um ataque direto à educação e à liberdade intelectual".

“É alarmante e condenável que a ditadura sandinista tenha congelado as contas bancárias da UCA, bem como as contas dos membros do Conselho Universitário e de alguns diretores. Essas ações infundadas, baseadas em supostas acusações de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, carecem de fundamento e fazem parte de uma estratégia para reprimir a dissidência e silenciar as vozes críticas”, criticaram as organizações signatárias em comunicado divulgado ontem (10).

“Exigimos o levantamento imediato do congelamento das contas bancárias da UCA e de todos os membros afetados”, acrescentaram.

O grupo de 222 nicaraguenses exilados nos EUA pelo governo em fevereiro de 2023 enviou um comunicado ontem (10) dizendo que o bloqueio é “arbitrário e ilegal”.

“Denunciamos esta nova violação do artigo 125 da Constituição Política da República da Nicarágua, que consagra a proteção dos direitos das comunidades educativas universitárias e outros centros de ensino técnico superior”.

Os críticos disseram que esta medida contra a UCA faz parte de um processo de minar a independência das universidades, que está em curso desde 2007 sob o governo Ortega e “que se intensificou a partir de 2018, com o confisco das universidades privadas”.

Felix Maradiaga, ex-preso político nicaraguense e ex-candidato presidencial, acrescentou, através de uma mensagem de vídeo, que "as instituições educativas independentes têm sido as principais ameaças às tiranias dominantes em todas as épocas" e que essa é a razão pela qual o governo “de Ortega-Murillo lançou um ataque contra a UCA".

Outra declaração veio do Proceso Monteverde, um grupo de opositores exilados. Num comunicado de imprensa da quarta-feira (9), manifestaram a sua solidariedade para com a UCA e denunciaram a "repressão governamental".

Este grupo descreveu o bloqueio como "uma vingança pelo compromisso da universidade em denunciar os assassinatos perpetrados pelo regime desde 2018, bem como pelo seu corajoso trabalho na defesa dos direitos humanos e pela sua contribuição para a procura de uma solução pacífica e democrática para a repressão e o conflito político que a Nicarágua vive há mais de cinco anos".

Os seus membros recordaram ainda que a repressão "contra a UCA se manifestou desde 2007, com a redução progressiva do orçamento que, por norma constitucional, as universidades da Nicarágua deveriam receber".

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"A repressão contra a educação, a cultura e o pensamento crítico na Nicarágua refletiu-se no cancelamento de mais de 30 universidades pela ditadura de Ortega e Murillo até 2023", criticaram.

Sobre a Universidade Centro-Americana

Criada em 1960 e ligada à Companhia de Jesus, a UCA é a primeira universidade privada da Nicarágua. Ao longo da sua história, formou mais de 12 gerações de profissionais e foi o berço de figuras que se opuseram à ditadura de Somoza, que vigorou no país até 1979. Também acompanhou o processo de regresso à democracia nos anos 90 e denunciou as injustiças e a repressão durante os protestos na Nicarágua em 2018.

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