Pouco depois de saber que seria criado cardeal em agosto de 2022, o arcebispo de Manaus (AM), dom Leonardo Ulrich Steiner, disse em entrevista ao site do CELAM que queria servir de “lembrete do ministério do bispo de Roma na região, e, portanto, da fidelidade dele ao cuidado de nossa Casa Comum, à escuta em proximidade com os povos originários, à justiça na superação da violência em todas as suas formas, à presença samaritana entre os pobres”.

Dom Steiner, que busca uma “Igreja incarnada e libertadora”, mostrava-se como um arauto da visão do papa Francisco para a igreja no Brasil: “Farei todo o possível para que sua voz ressoe entre nós”, disse. Assim, não foi surpresa que dom Steiner tenha sido um dos cinco eleitos pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil para participar do Sínodo da Sinodalidade, que fará sua primeira assembleia geral entre 2 e 28 de outubro próximo no Vaticano.

A lista dos participantes foi publicada hoje (7) pela Santa Sé e inclui 13 brasileiros. Além do arcebispo de Manaus, foram eleitos pela CNBB o arcebispo emérito de Mariana (MG) dom Geraldo Lyrio Rocha, o bispo-auxiliar de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ) dom Joel Portella Amado, o bispo de Santo André (SP), dom Pedro Carlos Cipollini, e o bispo de Camaçari (BA), dom Dirceu de Oliveira Medeiros.

O cardeal João Braz de Aviz, prefeito do dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica é membro natural do sínodo por ter um cargo na Cúria Romana. O arcebispo de Salvador (BA), cardeal Sérgio da Rocha, é membro do Conselho de Cardeais nomeado pelo papa. Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre (RS), presidente da CNBB e presidente do CELAM, também está na lista da Santa Sé.

Além deles, há duas leigas. Sonia Gomes de Oliveira, presidente do Conselho Nacional de Leigos do Brasil da CNBB, disse a Vatican News que “é uma emoção muito grande enquanto mulher, preta, do sertão, estar nessa lista”.

Maria Cristina dos Anjos da Conceição é assessora nacional para Migração e Refúgio da Cáritas Brasileira. “A missão é contribuir para que na grande tenda do povo de Deus, cada vez mais alargada e numa perspectiva sinodal, possam caber todas as pessoas", disse Maria Cristina ao comentar sobre sua nomeação para o sínodo.

Três padres brasileiros, dois dos quais jesuítas como o papa, participarão como “facilitadores” e não terão, por isso, direito a voto. O padre Adelson Araújo dos Santos, S.J., o padre Miguel de Oliveira Martins Filho, também jesuíta, e o padre Agenor Brighenti.

Para dom Steiner, com a criação dele como primeiro cardeal da Amazônia na história da Igreja, o papa estaria “pedindo a nossas igrejas que assumam o sínodo, especialmente o texto Querida Amazônia e o documento final do sínodo dos bispos para a Amazônia”.

O documento final do sínodo da Amazônia abordou temas controversos, como a ordenação de homens casados, o diaconato feminino e a criação de um rito amazônico.

O papa, na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazônia, de 2 de fevereiro de 2020, não acatou nenhuma das sugestões mais polêmicas do sínodo. Dias antes de sua criação como cardeal, no entanto, dom Steiner disse em uma entrevista ao portal católico suíço Kath.ch que “haverá uma maneira” de ordenar homens casados, os chamados «viri probati» (homens provados). “No rito latino há séculos de considerações e explicações que visam justificar o celibato obrigatório. As necessidades de nossas comunidades mostram que devemos continuar o diálogo”, disse.

É também a opinião do padre Adelson Araújo dos Santos, S.J.. Ele participou do Sínodo da Amazônia como perito nomeado pelo papa Francisco e disse ao jornal português Diário de Notícias que “o silêncio do Papa não significa que tenha vetado definitivamente" a possibilidade de padres casados na Amazônia.

Dom Jaime Spengler também já comentou temas polêmicos, como a ordenação de mulheres. Em entrevista à Folha de S. Paulo, em maio, respondendo se “as mulheres devem ganhar espaço no clero”, disse que “é uma questão em debate”. “Há sinais de que no passado, sobretudo na origem da Igreja, existia, sim, um diaconato feminino. Precisamos aprofundar os estudos”, disse. “Essa participação do feminino da vida ordinária da Igreja precisa ser promovida. Oxalá possamos juntos ampliar esses espaços”, completou.

Dom Jaime foi eleito presidente da CNBB durante a Assembleia Geral em abril de 2023. Um mês depois, foi eleito presidente do CELAM. Segundo ele, o processo de escuta e consulta que caracteriza o Sínodo da Sinodalidade veio “primeiro por iniciativa do CELAM”, na Assembleia Eclesial da América Latina e Caribe de 2021. “E, na sequência, tivemos a inciativa do Santo Padre”.

“Todo esse processo de escuta que se desenvolveu e está sendo levado adiante ainda precisa avançar”, disse dom Spengler após a eleição para a presidência da CNBB à Rádio Gaúcha. “Que esse espírito da sinodalidade, que podemos usar um sinônimo que vem do Vaticano II, espírito de comunhão e participação, possa crescer e se consolidar entre nós”.

Sobre as pessoas com tendências homossexuais, Spengler disse que parte de “um princípio muito simples: são pessoas humanas, e merecem nosso respeito”. “Temos que ir ao encontro dessas pessoas ajudando, se possível, a pautar a própria vida de acordo com aquilo que são os critérios do Evangelho”, disse.

Com essa mesma preocupação, em 2021, o arcebispo de Salvador (BA), cardeal Sérgio da Rocha, celebrou uma missa pelas vítimas da “LGBTfobia”, com a presença de ativistas LGBT. Entre eles, estava um transformista caracterizado, que cantou a música “Ave Maria” após a comunhão.

Na época, o cardeal Rocha disse à ACI Digital que a equipe responsável pela organização da missa “não favoreceu a divulgação ou o uso ideológico da celebração”. Ele disse que a missa “não foi uma celebração em homenagem às pessoas falecidas, mas em sufrágio das almas”. Também afirmou que, “infelizmente, a instrumentalização ideológica ocorre quando se distorce a realidade dos fatos ou se atribui significado indevido, podendo ser de esquerda ou de direita”.

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O cardeal Rocha presidiu a CNBB entre 2015 e 2019. Nesse papel, participou do Sínodo da Família, em 2015, e foi relator do Sínodo da Juventude, em 2018.

Antes de ir para o sínodo de 2015, dom Sérgio da Rocha disse em uma entrevista ao jornal ‘Estado de Minas’ que a Igreja queria dar mais atenção aos casais em situação difícil. “Esperamos que, no sínodo, possamos encontrar luz, para não só iluminar genericamente, mas oferecer orientação de ordem pastoral. É um tema que nos está preocupando e que preocupa a todos, como o papa Francisco admitiu claramente”, disse na época.

 “A Igreja quer acolher a todos”, acrescentou, “sem que ninguém fique excluído, mas ao mesmo tempo procura oferecer, à luz do Evangelho, os valores que vêm da palavra de Deus, que devem orientar a conduta de todo mundo”.

O cardeal João Braz de Aviz é prefeito do dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica da Santa Sé. Ele partilha com o papa Francisco a preocupação “com algumas posições tradicionalistas também no seio da vida religiosa. Partir do Concílio, é este o nosso desafio”, disse o cardeal segundo reportagem de Religión Digital, traduzida pelo Instituto Humanitas, da Unisinos.

Em um congresso para formadores religiosos de todo o mundo, em Roma, o cardeal Aviz pediu aos formadores de religiosos que “não se distanciem das grandes linhas do Concílio Vaticano II”. “Na verdade, aqueles que estão se distanciando do Concílio para traçar um outro caminho estão se suicidando - mais cedo ou mais tarde, eles vão morrer”, disse.

“Os contextos mudaram”, disse Braz de Aviz. “O Concílio recorda-nos que a vida consagrada deve ser um discipulado cristão ... deve ser o discipulado dos seus fundadores, mas também deve estar aberto à cultura do momento presente”.

Dom Geraldo Lyrio da Rocha, arcebispo emérito de Mariana (MG), participou, como presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, em Aparecida (SP), em maio de 2007.

Em junho do ano passado, nas celebrações dos 15 anos da Conferência Geral em Aparecida, dom Geraldo recordou que o então arcebispo de Buenos Aires, cardeal Jorge Mário Bergoglio, foi o relator do documento final da conferência. E ressaltou três pontos de aproximação entre o resultado da Conferência e o pontificado do agora papa Francisco: Forte cunho missionário, evangélica opção preferencial pelos pobres e ecologia.

Para dom Joel Portella Amado, bispo auxiliar do Rio de Janeiro (RJ) e ex-secretário-geral da CNBB, "nós precisamos perceber o processo sinodal, ele não se pode dar por satisfeito. É sempre um processo que avança, cada vez mais, na medida em que é expressão de uma comunhão que nasce, o Deus trindade vai se concretizando entre nós, cada momento, cada etapa é um alargar, do círculo da sinodalidade. “

Dom Pedro Carlos Cipollini, bispo de Santo André (SP) também se preocupa com o conceito abstrato de sinodalidade em si. Em 2021, lançou o livro “Sinodalidade: Tarefa de Todos”, publicado pela Paulus Editora.

Ali, dom Cipollini diz que a ideia da sinodalidade passou a ser discutida, sobretudo, após o Concílio Vaticano II, a partir da criação do Sínodo dos Bispos, em 1965, por São Paulo VI e graças ao magistério do papa Francisco. Para ele, é no pontificado de Francisco que a ideia de sinodalidade se tornou um tema recorrente que vem ganhando espaço na discussão teológica e pastoral da Igreja.

Dom Dirceu de Oliveira Medeiros, bispo de Camaçari (BA) foi entre junho de 2019 a outubro de 2021, subsecretário adjunto geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e participou da equipe nacional de animação do Sínodo da Sinodalidade, organizada pela CNBB.

Em 27 de outubro de 2021, foi nomeado bispo de Camaçari (BA), pelo papa Francisco. Em sua primeira mensagem à diocese de Camaçari, disse: “Sigamos as intuições do papa Francisco de sermos Igreja Misericordiosa, Samaritana e em Saída. Estamos em sintonia com o Sínodo de 2023, convocado pelo Santo Padre, com o tema: ‘Por uma Igreja Sinodal: Comunhão, Participação e Missão’”.

Colaboraram nessa matéria Natalia Zimbrão, Monasa Narjara e Gustavo Amorim Gomes, da ACI Digital.

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