Cerca de 40 soldados tomaram à força uma catedral católica em Mandalay, Mianmar, momentos antes de uma jornada de oração nesta sexta-feira (8) e prenderam um arcebispo e dezenas de fiéis, incluindo um correspondente da CNA, agência em inglês do grupo ACI.

Os soldados entraram na catedral do Sagrado Coração às 14h30 (hora local) e não deixaram os fiéis católicos saírem. Os soldados também ocuparam outros edifícios na zona.

Catedral do Sagrado Coração em Mandalay. Crédito: Bessie e Kyle (CC BY-SA 2.0).

O arcebispo de Mandalay, dom Marco Tin Win, assim como funcionários da arquidiocese, foram levados para dentro do templo e obrigados a sentar nos bancos junto com os fiéis.

Um correspondente da CNA estava no local e ficou preso por cerca de três horas, antes de conseguir sair. Os outros presos foram libertados várias horas depois.

Uma paroquiana idosa da catedral do Sagrado Coração, que não se identificou por motivos de segurança, disse à CNA que “estava com muito medo”, acrescentando que “os militares sempre foram loucos, mas nunca atacaram assim antes. Corremos para casa assim que fomos autorizados a sair da igreja."

"Os soldados exigiram várias vezes que lhes disséssemos onde o ouro, o dinheiro e as armas estavam escondidos", disse o sobrinho da idosa, que também pediu anonimato.

“Eu disse a eles que não havia nada. Todo o dinheiro arrecadado é para ajudar famílias pobres”, disse.

Assim que os soldados entraram na igreja católica, a comunidade de fé foi avisada para se manter afastada da zona.

Cerca de 30 soldados moveram os bancos da igreja para abrir espaço e passaram a noite dormindo dentro da catedral. Na manhã de sábado (9), eles ainda estavam no templo.

A ocupação armada da catedral não foi coberta pelos meios de comunicação controlados pelo Estado.

A catedral do Sagrado Coração fica em um bairro operário do povo tâmil da Índia que não resistiu abertamente ao golpe militar ocorrido em 1º de fevereiro de 2021, no qual o Parlamento foi dissolvido e os membros do governo legítimo foram presos.

A população local prefere planejar suas manifestações e ataques longe de suas casas. Isso não impediu que os militares invadissem as casas de líderes suspeitos e assediassem etnias não birmanesas.

Os tâmeis são católicos ou muçulmanos, e muitas vezes são vistos com desconfiança pelos militares e ativistas budistas, incluindo monges importantes como Ashin Wirathu, cujos sermões inflamados se concentram em discursos racistas contra muçulmanos e cristãos.

Em várias ocasiões, Wirathu pediu abertamente o extermínio da minoria muçulmana, conhecida como Rohingya, que está em conflito aberto com o governo há pelo menos 10 anos.

Uma minoria do clero budista do país, talvez 10%, apoia abertamente os militares e seus ataques a minorias étnicas e religiosas.

Desde o golpe, mais de 12 mil pessoas foram presas e cerca de 1,6 mil foram mortas no conflito, incluindo 50 crianças. De acordo com relatos da imprensa local, os militares atacaram diversas vezes igrejas, outras instituições e civis.

Em março deste ano, aviões militares atacaram uma cidade no leste do país, destruindo o telhado, teto e janelas de um convento católico.

Esses ataques seguem um padrão de mais de um século de violência militar contra católicos e outras minorias étnicas e religiosas em Mianmar, queimando igrejas, prendendo pessoas consideradas dissidentes e restringindo o movimento e as atividades dos católicos em todo o país.

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Tem havido muita rivalidade entre a comunidade católica e os budistas militantes desde o fim do domínio britânico em 1945. Dois dos primeiros santos nativos de Mianmar foram martirizados por monges budistas radicalmente xenófobos, uma aberração cultural já que a maioria dos monges do país valorizam os católicos e os padres e religiosos por suas obras de caridade.

O papa Francisco visitou Mianmar em novembro de 2015. Desde o golpe, o papa tem repetidamente pedido um diálogo pacífico e o fim da perseguição no país.

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