Félix Maradiaga, ex-preso político e ex-candidato presidencial na Nicarágua, lançou uma campanha mundial de oração pela libertação do bispo de Matagalpa, dom Rolando Álvarez, condenado a 26 anos e quatro meses de prisão como "traidor da pátria" por se opor ao governo do presidente Daniel Ortega.

Do exílio nos EUA, Maradiaga disse que os católicos não podem ser neutros diante dos abusos do governo, “como disse dom Álvarez em uma de suas homilias”.

O bispo se recusou a fazer parte do grupo de 222 deportados que chegaram aos EUA em 9 de fevereiro de 2023, preferindo ficar com os outros 37 presos políticos que ficaram nas prisões da Nicarágua.

“Quero aproveitar este meio para convocar uma campanha mundial pela liberdade de dom Rolando, um dia mundial de oração pela liberdade de dom Rolando Álvarez”, disse o ex-candidato presidencial em entrevista à ACI Prensa e EWTN News, agências do grupo de comunicação EWTN, ao qual pertence a ACI Digital.

Maradiaga exortou a “dedicar momentos de oração, missas e pedir aos nossos párocos que se lembrem dele, que as homilias o incluam e que o mundo saiba o que está acontecendo”.

"Há uma situação que posso confirmar com total certeza: os ditadores não gostam que o mundo saiba de seus abusos e crimes", disse. “Quando os ditadores são colocados no radar do mundo, eles sabem que estão perdendo, porque sua vantagem está em agir nas sombras. Portanto, sejamos uma luz de esperança e informação".

“Vamos fazer do nome de dom Rolando Álvarez um nome conhecido mundialmente. E tenho certeza de que Deus vai nos dar o milagre (da sua libertação), porque lembramos que, como dizia santo Inácio de Loyola, Deus age pela ação dos homens”, comentou

Na entrevista, Maradiaga disse que a Igreja tem chamado constantemente à paz, à não violência e tem criticado o regime, especialmente com as vozes de dom Álvarez e de dom Silvio Báez, bispo auxiliar de Manágua que vive no exílio nos EUA.

“Ortega e Rosario Murillo odeiam a Igreja Católica porque tem sido uma voz profética de esperança para o povo da Nicarágua, algo que ameaça diretamente um modelo totalitário contrário à dignidade humana”, continuou Maradiaga. Rosario Murillo, mulher de Ortega, é vice-presidente da Nicarágua.

Maradiaga disse que a Igreja denunciou os crimes contra a humanidade do governo nicaraguense, como os listados em um recente relatório do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

Para ele, “a Igreja Católica tornou-se um refúgio não só no sentido espiritual, mas também no sentido físico, especialmente para os mais pobres, os mais vulneráveis, como os universitários” que protestaram em 2018.

O ex-candidato presidencial também disse que muitos dos padres processados ​​na Nicarágua, “que foram presos arbitrariamente, foram presos por falar durante suas homilias”.

"É importante que o mundo saiba disso", disse ele.

“Esses religiosos não foram perseguidos em nenhum momento, como disse o regime, por exercerem a política. Em todos os casos, eles foram marcados por exercer sua função pastoral, e isto é claramente tipificado como perseguição religiosa no âmbito das diversas convenções e tratados internacionais", disse ele.

Maradiaga ficou preso por 611 dias na prisão conhecida como El Chipote, onde sofreu várias humilhações.

"Devo dizer que para mim o Sagrado Coração de Jesus foi importante desde a minha infância, pelos ensinamentos de minha mãe para todos nós", assim como "são Francisco de Assis, porque o nome do meu pai, que descanse em paz, era Adão Francisco, em homenagem a ele. Essas devoções sempre me mantiveram de pé”, contou.

Maradiaga lembrou que rezava com outros cristãos e católicos na prisão todos os dias o terço e o terço da Divina Misericórdia.

No entanto, lamentou, "em nenhum momento consegui ter uma Bíblia”, apesar da campanha lançada por sua mulher Bertha Valle e Victoria Cárdenas, mulher de outro preso político.

O ex-candidato presidencial também disse que "as prisões da Nicarágua são desumanas". “São prisões de segurança máxima, onde há um isolamento extremo do mundo exterior. Elas são projetados para não poder ter absolutamente nenhum tipo de socialização, nenhum tipo de contato fluido com outros presos. Cada uma das celas está muito isolada.”

Após denunciar que emagreceu muito devido à má alimentação, Maradiaga contou como recebiam a água que bebiam, já que a água do presídio não era própria para consumo humano.

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"Você pode imaginar o que significa para uma pessoa privada de liberdade, que está em uma cela com pouca luz com total isolamento, saber que sua família tem que caminhar longas distâncias ou se deslocar longas distâncias?"

Cada vez que recebiam água de fora da prisão, só podiam receber uma pequena quantidade.

“Por exemplo, os membros da família não eram autorizados a entregar toda a água para algumas semanas, mas, como forma de desgaste econômico e físico da família, eram forçados a aparecer diariamente com uma garrafa”, e “não era permitido nem que a água fosse levada por um conhecido, por um mensageiro. Tinha que ser um familiar. Faço esse exemplo apenas para ilustrar o desumano”, disse.

Félix Maradiaga narrou que rezavam o terço juntando pedacinhos de guardanapos ou contando com os nós dos dedos.

“Nunca nos foi permitido ter uma Bíblia, ter um terço, e acreditamos que esse tipo de resistência só foi possível graças ao Espírito Santo”, disse ele.

Ao responder sobre se há esperança para a Nicarágua, com um regime ditatorial no poder desde 2007, Maradiaga respondeu: "Sim, há esperança, porque enquanto houver homens e mulheres totalmente consagrados e dedicados a construir uma alternativa que não seja a ditadura, haverá esperança”.

“Enquanto houver pessoas com a coragem de dom Rolando Álvarez, haverá esperança; Enquanto houver pessoas na Nicarágua resistindo em silêncio, há esperança.”

Maradiaga disse que "o chamado de todo católico é fundamentalmente à oração e a não perder a fé".

“Para alguém que sofreu por 611 dias com a proibição de rezar em voz alta, a proibição de ler a Bíblia, a proibição de receber a Comunhão, não posso dizer como foi maravilhoso poder receber a Comunhão no Domingo de Ramos”, disse ele.

Por isso, continuou, "o meu primeiro apelo seria para que este sofrimento sirva de testemunho aos católicos e aos cristãos de todo o mundo, de como é precioso poder louvar em público o nosso Senhor Jesus Cristo, algo que às vezes tomamos como algo que é normal".

“Penso que é importante não perder a fé, porque aqueles que temos fome e sede de justiça seremos saciados”, concluiu.

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