O padre Uriel Vallejos contou como o bispo de Matagalpa, dom Rolando Álvarez, preso na Nicarágua, criou um escritório clandestino de direitos humanos para enfrentar a perseguição do regime do presidente Daniel Ortega, o ex-guerrilheiro de esquerda que soma 29 anos no poder.

Em entrevista ao semanário católico espanhol Alfa y Omega, publicada ontem (26), o padre, que fugiu da Nicarágua e vive exilado nos EUA, afirmou que não há mandado de prisão internacional contra ele.

“Você não vai acreditar, mas foi uma farsa do governo. Disseram que tinham pedido à Interpol a minha captura, mas um contato dentro da ONU me confirmou que o regime de Ortega não tinha feito oficialmente nenhum requerimento contra mim", disse o sacerdote que falou com o semanário em um local que não foi revelado.

Padre Vallejos contou que dom Rolando Álvarez e ele "são acusados ​​de conspiração para atentar contra a integridade nacional e propagação de notícias falsas em detrimento do Estado".

Em uma audiência no dia 10 de janeiro, apesar de denúncias de irregularidades no processo como a "fabricação" de testemunhas, a Justiça da Nicarágua aceitou as denúncias e vai julgar dom Álvarez por "conspiração" e divulgação de "notícias falsas" contra o regime.

Segundo o padre Vallejos, a perseguição contra a Igreja Católica se agravou com os protestos sociais em 2018, com bispos e padres “dizendo a verdade sobre o que estava acontecendo e tomando o partido do povo”.

Nessa época, as pessoas começaram a chegar pedindo ajuda.

“Um teve o filho preso, outro foi morto, um terceiro teve que ir para o exílio”, recordou o sacerdote.

Diante dessa situação, dom Rolando Álvarez convocou seus padres e disse que abriria um escritório clandestino de direitos humanos para ajudar essas pessoas e divulgar seus casos.

“Naquela reunião, ele perguntou quem queria participar livremente e alertou que quem o fizesse poderia acabar na prisão ou no exílio”, disse padre Vallejos.

A captura e a fuga

O sacerdote contou que soldados chegara à sua paróquia Divina Misericórdia, em Sébaco, diocese de Matagalpa, para gravar suas homilias e depois usá-las contra ele.

Padre Vallejos, que também era diretor geral da Rádio e Canal Católico Sébaco, fechada pela ditadura em 1º de agosto, contou que o cerco à sua paróquia durou três dias.

“Eles se instalaram na capela e nossa energia foi cortada. Também não tínhamos comida”, recordou o padre, que esteve sitiado até 4 de agosto, quando foi capturado pelas forças da ditadura.

“O presidente da Conferência Episcopal me disse que o governo queria que eu fosse preso, mas Rolando Álvarez começou a negociar e conseguiu que aceitassem que eu fosse para o seminário de Manágua em troca do meu silêncio”, recordou o sacerdote exilado.

Pouco depois, o padre fugiu do país pela Costa Rica, onde recebeu ajuda da Igreja local.

“Não posso calar a verdade, embora tenha medo de que, por causa desta entrevista, eles possam torturar os padres que estão na prisão”, concluiu.

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