O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, restituiu o mandato de vereador de Curitiba a Renato Freitas (PT-PR), que tinha sido cassado em agosto por invadir uma igreja em Curitiba (PR) durante uma manifestação contra o racismo.

Barroso disse na sua decisão que “a cassação do vereador em questão ultrapassa a discussão quanto aos limites éticos de sua conduta, envolvendo debate sobre o grau de proteção conferido ao exercício do direito à liberdade de expressão por parlamentar negro voltado justamente à defesa da igualdade racial e da superação da violência e da discriminação que sistematicamente afligem a população negra no Brasil”.

“Sem me pronunciar, de maneira definitiva, sobre o mérito da cassação do mandato em questão, é necessário deixar assentado que a quebra de decoro parlamentar não pode ser invocada para fragilizar a representação política de pessoas negras, tampouco para cercear manifestações legítimas de combate ao preconceito, à discriminação e à violência contra elas”, diz Barroso.

Renato Freitas participou no dia 5 de fevereiro de uma manifestação contra o racismo em Curitiba, motivado pela morte por espancamento do congolês Moïse Kabagambe, no Rio de Janeiro (RJ), e de Durval Teófilo Filho, morto a tiros na porta de casa por um vizinho que o tomou por um ladrão em São Gonçalo (RJ). Ao longo do protesto, manifestantes invadiram a igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. O vereador estava entre eles, mas negou ter liderado a invasão.

Em abril, a arquidiocese de Curitiba se manifestou contra a cassação do petista. No dia 23 de junho, os vereadores decidiram cassar Freitas por "procedimento incompatível com o decoro parlamentar" por 15 votos a favor e 5 contras. Graças a uma decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), Renato voltou ao cargo no dia 7 de julho, conforme uma liminar da desembargadora Maria Aparecida Blanco que suspendeu as sessões da Câmara Municipal que cassaram o mandato do petista por não terem cumprido o prazo de 24 horas entre a comunicação ao vereador e a sessão de cassação.

No dia 5 de agosto, em uma segunda votação, o vereador teve o mandato cassado em julgamento na Câmara.

Na quinta-feira (21), a defesa de Freitas, candidato a deputado estadual, protocolou recurso no STF afirmando que o processo de cassação do petista durou mais que 90 dias corridos, que seria o prazo máximo previsto pela legislação federal.  Entretanto, segundo o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Municipal de Curitiba, determina que o prazo é de 90 dias úteis, prorrogáveis por igual período.

“A questão jurídica controvertida nos autos consiste em saber se o processo de perda de mandato de vereador por quebra de decoro parlamentar é regido por norma federal ou local”, diz Barroso em sua decisão.

Em entrevista à ACI Digital, o advogado Thiago Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), disse que o decreto lei 201/1967 “estabelece quais são os crimes e infrações políticas que podem gerar uma cassação”. “Nós temos um decreto federal que estabelece a competência da União para criar crimes, infrações político-administrativas. E os municípios possuem autonomia local, possuem competência para criar as suas regras no que diz respeito à cassação”, afirmou.

Segundo Vieira, que é especialista em Direito do Estado e doutorando em Direito Econômico e Político, o STF “já tem diversas decisões em reclamações constitucionais dizendo quais são as hipóteses que o Supremo pode julgar ou pode anular uma decisão local, municipal”.  Ele citou a Súmula Vinculante 46. “Ela diz que os municípios, as Câmaras municipais, não podem ter legislação que seja contrária ao decreto lei 201 ou que crie crimes ou infrações que não estão no decreto lei 201. Então, se tiver uma legislação municipal que crie crimes ou infrações político-administrativas além das que estão no decreto lei 201 é inconstitucional”.

Vieira destacou que é anulada “a cassação quando a legislação municipal invade a competência [federal] no que diz respeito aos crimes de responsabilidade, novos crimes. Se não for relacionada aos crimes de responsabilidade, vale a legislação local”.

O especialista citou vários casos semelhantes que chegaram ao STF anteriormente, mas que tiveram decisão diferente desta do vereador Renato Freitas. Um desses casos, segundo Vieira, é a reclamação 42923, referente a à cassação do prefeito de Machado (MG), Julbert Ferre de Morais. Thiago Vieria ressaltou que, nesta decisão de 2020, o ministro Barroso “negou o seguimento à reclamação” por entender que o processo de cassação de Morais durou mais que 90 dias porque ele havia entrado com mandato de segurança.

“É a mesma coisa de Curitiba. A legislação municipal diz que são 90 dias úteis e o decreto lei fala que são 90 dias corridos. Só que o vereador Renato entrou com mandato de segurança no meio do caminho”, disse. Segundo o presidente do IBDR, embora tenha havido duas votações sobre a cassação de Freitas, o processo apenas um. “O Tribunal de Justiça anulou a convocação da sessão lá no início do processo. Depois, o processo voltou e prosseguiu. Em razão disso que passou os 90 anos. Então, é exatamente conforme o caso da Reclamação 42923”, afirmou.

Barroso cita ainda a favor de restituir o mandato a Freitas, a posição da arquidiocese de Curitiba, que foi contra a cassação do mandato. “Esse tipo penal é público, quer dizer que não depende da vítima, não depende do réu. Qualquer crime, quando a polícia investiga e se abre processo criminal contra a pessoa, a vontade da vítima não interessa. A não ser nos crimes contra a honra, de calúnia, difamação”, disse Thiago Vieira.

A decisão de Barroso que devolve o mandato a Freitas é liminar e ainda terá o mérito julgado.

Thiago Vieira afirmou à ACI Digital que “o IBDR vai requerer ingresso nesse feito como amicus curiae e está trabalhando um parecer”.

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