Neste ano, a Igreja no Brasil ganha duas beatas mártires da castidade, Benigna Cardoso, do Ceará, e Isabel Cristina Mrad, de Minas Gerais. “Acredito que para a Igreja no Brasil é uma grande alegria”, disse Marcela Kamiroski, virgem consagrada da arquidiocese de Juiz de Fora (MG) à ACI Digital. Para ela, as futuras beatas “testemunharam com suas vidas o amor a Deus até as últimas consequências e isso é um exemplo para todos nós, que somos chamados a viver a castidade”.

Benigna Cardoso da Silva será beatificada em 24 de outubro, em Crato (CE). Ela nasceu em 1928, em Santana do Cariri (CE), e foi morta aos 13 anos após resistir à tentativa de abuso de um rapaz. Logo ficou conhecida como “heroína da castidade”.

Isabel Cristina Mrad Campos será beatificada no dia 10 de dezembro, em sua cidade natal, Barbacena (MG). Nasceu em 1962 e cresceu em uma família católica. Em 1982, mudou-se para Juiz de Fora (MG), para estudar. No mesmo ano, foi morta em seu apartamento por um homem que tentou violentá-la, mas a futura beata resistiu para manter sua castidade.

Marcela Kamiroski tem 31 anos, é estudante de Direito e virgem consagrada. Para ela, o martírio ao qual as pessoas são chamadas a viver nos dias de hoje não é só o “de sangue”, e sim de “outros tipos, como o da ridicularização”. “Por exemplo, as mulheres que buscam se vestir com modéstia, esperam um casamento para viver a vida sexual, ou o casal na vida com os filhos... e acontece o martírio da ridicularização, ou seja, a sociedade sexualizada que não aceita a castidade”, disse.

Para ela, “a castidade é uma promessa de imortalidade”. “Quando nós nos escolhemos pela castidade, devemos saber que, cada vez que vivo a castidade, estou optando pela imortalidade não só de mim mesmo, mas também do outro, porque preservo o outro de pecar mortalmente e o ajudo a ir para o céu”, disse.

Segundo a instrução Ecclesiae Sponsae Imago sobre o Ordo Virginum, durante o rito de consagração, a mulher expressa “a firme e definitiva vontade de perseverar ao longo da vida em perfeita castidade e a serviço de Deus e da Igreja, seguindo a Cristo como o Evangelho propõe dar ao mundo um testemunho vivo do amor e ser um sinal explícito do futuro Reino”.

Kamiroski afirmou que “a castidade é uma virtude que vai moderar os apetites relacionados à sexualidade” e “a castidade perfeita é poder levar essa castidade até as últimas consequências neste amor a Cristo, porque todos somos chamados a nos unir com Deus, não importa qual vai ser a vocação”. Assim, disse, “na castidade perfeita há essa capacidade de levar esse amor até as últimas consequências, que seria o martírio”, como fizeram Benigna Cardoso e Isabel Cristina.

Coordenador da comissão para a beatificação de Benigna, padre Wesley Barros considera que a Igreja no Brasil vive “uma ocasião bonita para que possamos sublinhar agora o valor da castidade”.

“É uma oportunidade de falarmos da pureza de coração – bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus –, da castidade, da virgindade, mas também para aqueles que padecem das mais variadas tribulações e suplícios”, disse o sacerdote.

Padre Wesley Barros / Facebook Paróquia Senhora Sant'Ana - Santana do Cariri

O Brasil já tem outras mártires mortas por defender sua castidade, como as beatas Albertina Berkenbrock e Lindalva Justo de Oliveira. Para padre Wesley Barros, as “virgens mártires do Brasil” fazem um “chamado a enxergar no testemunho de cada uma delas uma vida que vale a pena”. “Esses testemunhos trazem o chamado à fidelidade, à verdadeira experiência do amor de Deus”. Segundo ele, “essa é a grande questão que está no coração de nossa juventude pós-moderna: as pessoas correm atrás de uma coisa que valha à pena. Mas, movidas pelas paixões, pela necessidade do imediatismo, o desejo de satisfação, o egoísmo, acabam procurando e até encontrando elementos que consideram valer a pena em realidades fúteis e passageiras”, afirmou.

“A castidade é um caminho de amor”, disse o sacerdote. Segundo ele, esta virtude “não tolhe, não diminui a pessoa. Pelo contrário, torna-a mais pessoa, mais dona de si mesma”. “Cada batizado participa da vida de Cristo de maneira a imitá-lo na sua relação com Deus e na sua relação com os irmãos. O batizado, por natureza, é alguém chamado a manifestar a vida de Cristo no dia a dia por meio de um amor puro, um amor integral, um amor completo. Isso leva à necessidade de que uma pessoa não esteja fragmentada pelos seus desejos, pelas suas paixões”, declarou.

Padre Barros ressaltou que a castidade vai além da questão da abstinência sexual, como muitas vezes se entende. “A sexualidade humana envolve o todo da construção do homem, corpo e alma”, afirmou. “A prática do sexo desenfreado não consegue produzir no ser humano aquela satisfação, aquela alegria, aquele júbilo interior que dura. A partir dessa expressão, conseguimos chegar à dimensão da castidade como uma realidade que, ao mesmo tempo que nos faz inteiros, nos coloca à disposição. A castidade como autodomínio, autoconhecimento, se torna uma capacidade de que eu me doe neste mundo também de modo integral, não de modo reduzido à prática sexual, à satisfação”, afirmou.

Para Marcela Kamiroski, “uma pessoa que vive a castidade fechada nela mesma não a vive de maneira certa”. “Temos que abrir a nossa vida, nossas potencialidades para a caridade, para o serviço aos irmãos naquilo que a Igreja precisa de nós. E esse serviço vai gerando vidas novas espirituais”, disse. Por isso, afirmou que as virgens consagradas vivem a castidade em três dimensões: a virgindade, que “tem a função de reintegrar Cristo na história”, a esponsalidade, que “é ser esposas de Cristo” com “um coração indiviso”, e a maternidade espiritual, que é formar novos filhos espirituais que possam vivenciar essa vida plena em Cristo”. “É uma vocação também fecunda”, completou.

Também no matrimônio, a castidade “enriquece a caridade e o amor”, testemunhou o casal Aline e Carlos Veras. Eles são consagrados da Comunidade Shalom em Brasília (DF), casados há nove anos, têm dois filhos e Aline está grávida. Eles têm ainda outras “duas filhas no céu, de gestações que não evoluíram”. Para Carlos, a castidade leva a “amar a Deus sobre todas as coisas e amar a esposa”. “Não posso amar sem a castidade. E o amor é o que une o casal”, disse.

O casal Aline e Carlos Veras, com os filhos / Arquivo pessoal Aline Veras

Segundo Aline, “uma pessoa casta é inteira de Deus e a inteireza na pessoa gera a segurança, a disponibilidade de se doar, gera uma castidade fecunda própria do matrimônio, que é doar-se ao outro para gerar vidas”.  

Ao se referir ao Catecismo da Igreja Católica, Aline Veras destacou que “a castidade conjugal tem como premissa a vivência da exclusividade, da fidelidade, da unidade e da fecundidade”. “Dentro da nossa vida conjugal, a exclusividade é o parceiro único na minha relação, escolhemos um e deixamos todos os outros”, disse. Sobre a fidelidade, destacou que “Deus nos escolheu um para o outro e nós prometemos essa fidelidade diante de Deus no sacramento do matrimônio”. Quanto à unidade, disse que está ligada ao “próprio ato conjugal que une os esposos”. “A unidade é uma premissa do matrimônio, se não houver o ato conjugal não existe um matrimônio consumado”, disse, ao que Carlos recordou que “o ato conjugal tem duas dimensões: a unitiva e a fecunda”.

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Padre Wesley Barros ressaltou que, “mesmo para os consagrados, a castidade promove um amor sempre esponsal”. “A castidade vivida pelos batizados fora do matrimônio é um vínculo de amor e só se justifica no amor a Cristo, para que o amor aos irmãos seja perfeito. A castidade no matrimônio é um vínculo de amor, duas pessoas se unem em matrimônio para experimentar de modo intenso o amor e nisso mesmo ser continuidade do faça-se de Deus, reproduzindo na vida a fecundidade do Criador. E, na vida consagrada, é vínculo esponsal com Cristo, com a Igreja, que manifesta a realidade do Reino dos Céus”, declarou.

Aline Veras contou que muitas pessoas perguntam como o casal consegue viver a castidade. “Primeiro é pela misericórdia, é graça de Deus, não é um dom apenas meu. A castidade é uma virtude e precisa ser exercitada, ter uma vida de oração, ter a presença de Deus, saber suplicar a Deus essa graça, porque não é algo natural”, disse.

Segundo o padre Wesley Barros, “a castidade é uma virtude moral e também um dom” como diz o Catecismo da Igreja Católica no número 2.345.

“A espiritualidade se situa em duas dimensões”, disse Barros. “Aquela de constantemente rogar a Deus para que complete com sua graça o que falta à nossa humanidade, mas também de cultivar, porque, na medida em que suplico o dom de Deus, eu o recebo, porque o Senhor dá. Mas, uma vez recebendo o dom de Deus, é preciso conservá-lo”.

A castidade, disse o sacerdote, “é um tesouro em vaso de barro, como diz são Paulo”. “É preciso que cada um de nós, na vivência da castidade, conheça a fragilidade do barro que somos para poder preservar esse dom”. Para ele, a espiritualidade dá as condições para se viver a castidade segundo cada estado de vida, através “dos sacramentos, da confissão, da direção espiritual, da leitura da vida dos santos, do desejo de imitar as virtudes”.

“O catecismo deixa muito claro que, neste sentido, a espiritualidade colabora com a castidade justamente na dimensão de alcançá-la de modo progressivo. É um caminho. Primeiro porque a virtude moral adquirimos na medida em que vamos exercitando e o dom de Deus adquirimos na medida que vamos suplicando e conservando”, completou o sacerdote.

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