A doutrina católica sobre contracepção está aberta à “discussão teológica, dentro da Igreja, e até à possibilidade de dissidência”, disse o teólogo e padre Maurizio Chiodi, membro da Pontifícia Academia para a Vida desde 2017, em entrevista publicada em italiano e inglês pela própria academia.

Os métodos contraceptivos artificiais foram proibidos aos católicos pelo papa são Paulo VI com a encíclica Humanae vitae, de 1968, época em que chegava ao mercado a pílula anticoncepcional.

A entrevista, feita por Fabrizio Mastrofini, gerente de comunicação e mídias sociais da Pontifícia Academia para a Vida, foi apresentada como esclarecimento do trabalho de um seminário de ética de 2021 cujos resultados foram publicados no mês passado. O livro sugere que meios artificiais de contracepção poderiam ser aceitos.

Para Chiodi, “Humanae Vitae, como qualquer encíclica, incluindo Veritatis splendor, é um documento oficial, mas sem pretensão de infalibilidade”.

Veritatis splendor é a encíclica do papa são João Paulo II sobre “algumas questões fundamentais do ensinamento moral da Igreja”, publicada em 1993. “De fato, formou-se uma nova situação dentro da própria comunidade cristã, que experimentou múltiplas dúvidas e objeções de ordem humana e psicológica, social e cultural, religiosa e até teológica, a propósito dos ensinamentos morais da Igreja”, diz a encíclica.

“Quando se trata de Humanae vitae, e da posição anterior contida em Casti connubii (Encíclica do papa Pio XI publicada em 1930) – que era ainda mais forte – estamos no reino da doctrina reformabilis (‘doutrina reformável’)”, disse Chiodi.

“Isso”, acrescentou, “não legitima a substituição apressada do magistério por uma ideia própria, reivindicando para si uma infalibilidade negada ao magistério, mas abre a discussão teológica, dentro da Igreja, e até a possibilidade de dissidência, tanto para o crente individual quanto para o teólogo”.

Em sua entrevista, o padre Chiodi afirma que “a contracepção é considerada um ato intrinsecamente mau”. Ele continua: “Acredito que não devemos negar a existência de atos intrinsecamente maus, mas que precisamos pensar juntos sobre o que é um ato em sua origem, superando uma interpretação objetivada dele, ou seja, aquela que é independente de qualquer circunstância, efeito e intenção nas ações dos envolvidos”.

Veritatis splendor defende exatamente a ideia de que alguns atos são intrinsecamente maus, isto é, independem das circunstâncias ou situação da pessoa que o pratica. A ideia de que nenhum ato é objetivamente mau é a base da moral de situação ou moral proporcional, tese defendida por muitos teólogos na época do Concílio Vaticano II (1963-1965).

Desde 2019, Chiodi é professor do Pontifício Instituto João Paulo II para as Ciências da Família e do Matrimônio. Um de seus cursos é “Ética Teológica da Vida”.

Em dezembro de 2017, ele fez uma palestra sobre Humanae vitae, na qual usou o capítulo 8 de Amoris laetitia, exortação apostólica do papa Francisco sobre a família, para argumentar que a contracepção artificial poderia ser usada em algumas circunstâncias.

 

Chiodi disse acreditar que a contracepção “pode ser reconhecida como um ato de responsabilidade que se realiza, não para rejeitar radicalmente o dom de um filho, mas porque nessas situações a responsabilidade chama o casal e a família a outras formas de acolhimento e hospitalidade.”

Na Humanae vitae, são Paulo VI escreveu que “qualquer ação que antes, no momento ou depois da relação sexual, seja especificamente destinada a impedir a procriação – seja como fim ou como meios” é “excluída”, como um meio ilegal de controle de natalidade.

O padre Thomas Petri, O.P., presidente da Casa Dominicana de Estudos em Washington, D.C. e teólogo moral, disse à CNA, agência em inglês do grupo ACI, que “mesmo que qualquer encíclica em particular” como Humanae vitae “não seja infalível, o ensinamento que apresenta é de fato irreformável, porque faz parte do magistério ordinário e universal da Igreja”.

“Na Veritatis splendor, João Paulo II diz que a contracepção é um ato intrinsecamente mau, portanto não pode haver razão ou propósito para a contracepção. Bento XVI fez vários discursos nos quais falou sobre contracepção, e isso não pode ser mudado. O que era verdade ontem é verdade hoje”, observou Petri.

“Não pode haver nenhum tipo de reversão do ensino, porque é o que sempre foi ensinado, e é assim que a teologia católica e a doutrina católica funcionam.”

Petri acrescentou que “não é útil simplesmente focar na infalibilidade e no que é chamado de infalível de uma maneira extraordinária. O Concílio Vaticano I, quando falou sobre a infalibilidade papal, foi muito claro que deveria ser um ato extraordinário”.

Petri comparou uma declaração infalível a um concílio ecumênico. Ele o descreveu como “um ato muito extraordinário, e que geralmente só acontece quando o assunto em questão, seja um assunto doutrinário ou moral, se tornou tão completamente envolvido em conflito que requer um ato tão extraordinário como um papa ou um concílio declarando algo infalível”.

“Normalmente, não é assim que o ensino da Igreja funciona – é por isso que o magistério comum é importante.”

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