Um tratado internacional que imporia a ideologia de gênero na Argentina não obteve o consenso necessário na Comissão de Relações Exteriores do Senado para sua ratificação Na terça-feira (29).

Críticos dizem que a ratificação da “Convenção interamericana contra todas as formas de discriminação e intolerância” acabaria com direitos fundamentais como os de culto e de pensamento.

A assessoria de imprensa do Senado informou em 29 de março que a "iniciativa não foi aprovada e voltou à comissão para tratar o tema com mais profundidade e com a convocação de especialistas sobre o assunto em questão".

A plataforma CitizenGO Argentina, que lançou no ano passado uma campanha de assinaturas para impedir a adesão a este tratado, comemorou a decisão tomada no Senado em 29 de março.

"Boa notícia! A Comissão de Relações Exteriores e Culto definiu hoje que precisam especificar os termos e escutar os especialistas no assunto, e voltar à comissão para aprofundar o tema. Com a pressão cidadã nós conseguimos pará-la”, disse.

Silvina Spataro, diretora de campanhas do CitizenGO, disse à ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI, ontem (30) que a coleta de mais de dez mil assinaturas "influenciou na decisão dos senadores".

"Vamos continuar trabalhando de forma estruturada com outros atores políticos para continuar pressionando e conscientizando os senadores sobre os perigos que a ratificação da Convenção traz", disse.

Segundo Spataro, o tratado em questão, "sob o pretexto de discriminação e intolerância, ao definir esses termos de forma tão ampla, na verdade dá ao governo o poder de censurar opiniões diferentes, inclusive políticas".

“Estamos preocupados que a oposição esteja tão calada. Parece-nos que é preocupante, sobretudo no que implica destruir um direito básico que é a liberdade de expressão, a liberdade de educação”, acrescentou.

A "Convenção Interamericana contra todas as formas de discriminação e intolerância" foi aprovada durante a 43ª Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), realizada entre 3 e 6 de junho de 2013. O pacto foi assinado por 12 países, mas até agora só México e Uruguai o ratificaram.

Em 26 de outubro de 2021, a Câmara dos Deputados da Argentina aprovou a adesão à Convenção sem qualquer debate.

Segundo o boletim pró-vida e pró-família argentino Notivida, a "Convenção Interamericana contra todas as formas de discriminação e intolerância" seria "a mais cobiçada pelo lobby LGBT, já que se dedica especialmente à 'discriminação' com base na 'orientação sexual' e 'identidade de gênero' ".

Em seu artigo 1º, o texto define discriminação como “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, em qualquer esfera pública ou privada, que tenha por objetivo ou por efeito anular ou limitar o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos ou liberdades fundamentais”.

Além disso, diz que “a discriminação pode ser baseada em motivos de nacionalidade, idade, sexo, orientação sexual, identidade de gênero e expressão”.

No artigo 4, diz que o Estado se compromete a prevenir, eliminar, proibir e punir “a publicação, circulação ou difusão, por qualquer forma e/ou meio de comunicação, inclusive a Internet, de qualquer material que defenda, promova ou incite o ódio, a discriminação e a intolerância”, bem como “a elaboração e utilização de conteúdos, métodos ou ferramentas pedagógicas que reproduzam estereótipos”.

O documento descreve que “uma sociedade pluralista e democrática deve respeitar a identidade cultural, linguística, religiosa, de gênero e sexual de cada pessoa, pertencente ou não a uma minoria, e criar as condições que lhes permitam expressar, preservar e desenvolver sua identidade”.

Entre as “vítimas de discriminação e intolerância” consideradas no documento estão migrantes, refugiados, pessoas deslocadas e suas famílias, bem como outros grupos e minorias sexuais.

Além disso, a Convenção destaca o papel fundamental da educação “na promoção do respeito pelos direitos humanos, igualdade, não discriminação e tolerância”.

Juan G. Navarro Floria, ex-chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Culto e presidente do Conselho Argentino de Liberdade Religiosa, alertou em dezembro de 2021 que o documento “tem alguns aspectos que tornam sua aprovação altamente desaconselhável”, particularmente “porque coloca a liberdade de expressão seriamente em risco (é impressionante que os comunicadores sociais não percebam isso), a liberdade religiosa e a liberdade educacional, entre outras”.

"Como acontece isso? Em primeiro lugar, a Convenção multiplica as categorias que tornam ilegítima qualquer discriminação ou – como veremos – intolerância: às já clássicas acrescenta outras que até agora não têm acolhida no direito internacional, como orientação sexual, identidade e expressão de gênero, identidade cultural, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem social, grau de instrução, situação migratória, refugiado, repatriado, apátrida ou deslocado interno, característica genética, etc.”, explicou.

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O também doutor em Direito disse que “isso não é necessariamente ruim, mas abre um leque enorme. De todas essas condições, a que mais motivou a assinatura da convenção foi a primeira indicada: orientação sexual, identidade e expressão de gênero”.

Segundo Navarro, "é evidente o prejuízo para a liberdade de expressão", pois "estamos diante da consagração legal (e supralegal) do que é 'politicamente correto', incluindo a censura, contrariando muitos outros instrumentos internacionais".

Para Navarro "possivelmente a que mais pode sofrer é a liberdade religiosa", porque "as religiões não são apenas ritos ou atos de culto: toda religião implica e contém categorias de moralidade dos atos humanos".

“Mas se qualquer pessoa ou grupo achar que a moralidade pregada por uma igreja ou comunidade religiosa é intolerante em relação a essa pessoa ou grupo, pode exigir que o Estado proíba essa pregação, impeça o financiamento dessa igreja ou comunidade religiosa, e se o Estado não concorda com essas medidas proibitivas, pode denunciá-lo perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ou perante um novo Comitê Interamericano contra a Discriminação e a Intolerância, que poderia ser criado”, disse.

“O mesmo pode acontecer se for considerado que há intolerância em certas práticas religiosas, por exemplo na administração dos sacramentos”, acrescentou.

Por fim, Navarro disse que "isso pode parecer exagerado, mas é o que resultaria de uma aplicação estrita da Convenção que, caso seja aprovada".

“Opor-se à aprovação da Convenção, ou pelo menos a sua aprovação sem as ressalvas e qualificações necessárias, não é de forma alguma ser a favor da discriminação, ser conivente com ela ou insensível para com os indivíduos e grupos historicamente ou atualmente desfavorecidos. É simplesmente exigir um equilíbrio que hoje parece ausente e cuja falta pode levar a conflitos dolorosos”, concluiu.

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