A ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski para que o Ministério Público fiscalize os pais que não vacinarem seus filhos contra covid-19 estabeleceu uma controvérsia: é ou não obrigatória a vacinação de crianças? O Estado pode passar por cima da decisão dos pais e obrigá-los a vacinar os filhos?

Para o presidente da União dos Juristas Católicos da Arquidiocese de Goiânia (UNIJUC), Emanuel de Oliveira Costa Junior a obrigatoriedade da vacinação de crianças “vai contra a lógica, o bom senso e até contra a boa-fé”.

“Se os pais serão responsáveis, são eles que têm que pensar, pesar e decidir vacinar ou não seus filhos”, disse Costa Junior. “Isso é algo que o direito natural explica com uma simplicidade ímpar. Infelizmente o estudo de direito natural não é algo que esteja sendo levado em consideração por essa composição do STF já há algum tempo”.

Lewandowski mandou os Ministérios Públicos de todos os Estados e do Distrito Federal fiscalizar os pais atendendo pedido da Rede Sustentabilidade. O partido fundado pela ex-candidata presidencial Marina SIlva requereu “a concessão de tutela provisória incidental para reconhecer a atribuição dos Conselhos Tutelares de fiscalizar quem ‘descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda’ pela não-vacinação de crianças e adolescentes contra a covid-19, inclusive por meio de requisições de informações aos pais ou guardiões legais acerca da vacinação das crianças e adolescentes e, caso necessário, a aplicação de multa”.

Em sua decisão, Lewandowski determinou que se “empreendam as medidas necessárias” para o cumprimento das competências do MP “quanto à vacinação de menores contra a covid-19”. O ministro cita o artigo 129 da Constituição sobre a atuação do MP e também o artigo 201 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Este último afirma que compete ao MP, entre outros, “zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis” e “representar ao juízo visando à aplicação de penalidade por infrações cometidas contra as normas de proteção à infância e à juventude, sem prejuízo da promoção da responsabilidade civil e penal do infrator, quando cabível”.

A Rede Sustentabilidade acionou o STF com base no ECA, que diz em seu artigo 14 que “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. Entretanto, segundo Tadeu Nóbrega, membro da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp), “não há uma definição de que autoridades seriam essas”. “Certo é que nem o Ministério da Saúde, nem a Organização Mundial da Saúde (OMS) parecem defender a obrigatoriedade da vacinação em crianças”.

Segundo Nóbrega, professor de Direito Constitucional e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a vacina não é obrigatória e a decisão de Lewandowski não muda esse fato. “Por ora, prevalece o entendimento de que compete ao Estado empreender esforços para a vacinação das crianças, mas elas não são obrigatórias, cabendo aos pais decidirem no melhor interesse da criança”, disse ele à ACI Digital.

Para ele, “a questão da vacinação tem sido excessivamente politizada, inclusive no Poder Judiciário, o que gera uma insegurança jurídica muito grande”.

“Não há conduta criminosa em pais que optem por não vacinar seus filhos, pois “trata-se do exercício legítimo do poder familiar”, diz o jurista.

O médico Valdir Reginato, especialista em bioética pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), declarou que “a defesa paterna ou materna, em função de um risco sobre que não se tem segurança por qualquer autoridade e saúde pública hoje, com certeza é um ato de amor”. Segundo ele, “nenhum juiz pode ultrapassar um ato de amor que os pais estejam fazendo em defesa da integridade física e psicológica dos seus filhos”. “Qual é o médico que vai garantir alguma coisa”, considerando que “uma criança teve uma parada cardíaca” depois de vacinar-se.

Reginato referia-se ao que ocorreu na quarta-feira, 19 de janeiro, mesmo dia da decisão do ministro Lewandowski, em Lençóis Paulista (SP). A prefeitura da cidade suspendeu a vacinação de crianças contra covid-19 por sete dias, após uma criança de dez anos sofrer uma parada cardíaca 12 horas depois de receber a dose pediátrica correta da vacina Pfizer. A criança teve alterações nos batimentos cardíacos e desmaiou. Foi atendida e reanimada em uma clínica particular e, em seguida, transferida para um hospital em Botucatu (SP). “Segundo a família, a criança está estável e consciente”, diz a prefeitura.

A prefeitura de Lençóis Paulista diz que “não existe dúvida sobre a importância da vacinação infantil, mas diante do ocorrido será dado esse prazo para o acompanhamento e monitoramento diário das 46 crianças lençoenses vacinadas até o momento”. O prazo também “é necessário para aprofundamento sobre o caso de forma específica e envio de relatórios aos órgãos de controle federais e estaduais”, acrescenta.

Para o médico Valdir Reginato, “se diante da falta de compreensão dos filhos, os pais entendem que aquilo a que o filho vai se submeter não tem garantia de benefícios, pelo contrário, expõe a riscos contra os quais ninguém pode dar garantia, os pais têm todo o direito” de recusar a vacinação.

Segundo o especialista em bioética, “o processo de vacinação não tem ainda a segurança plena exigida”. Para ele, com a variante ômicron, “estamos passando por um período onde, apesar da grande contagiosidade, as manifestações têm sido muito menos intensas do que em 2021, quando o grupo etário infantil já teve comprometimento mínimo”.

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