A mãe da menina boliviana de 11 anos grávida por causa de estupro denunciou que a Defensoria Pública desde o início pressiona para que se faça um aborto.

A menina, que mora na cidade de Yapacaní, em Santa Cruz, sofreu repetidos abusos sexuais do pai do companheiro da mãe, de 61 anos, que atualmente está preso. Ela está grávida de 22 semanas e está em um centro de acolhimento gerido pela arquidiocese de Santa Cruz de la Sierra, por decisão da Defensoria da Infância e Adolescência de Yapacaní.

No pedido de medida cautelar que a mãe apresentou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em 1º de novembro, ela disse que, quando a menina foi levada ao Hospital Percy Boland em 22 de outubro, inicialmente concordou em receber uma pílula para iniciar o aborto.

Porém, em 23 de outubro, por meio de carta, a menor desistiu formalmente do aborto e, assim, teve alta na terça-feira, 26 de outubro. A decisão foi apoiada pela mãe da menor.

O pedido de medida cautelar, ao qual a ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI, teve acesso, foi apresentado porque a Defensoria Pública também recorreu ao organismo internacional para exigir que a Bolívia faça o aborto químico na menina.

A posição pró-aborto da Defensoria Pública é apoiada pela Defensoria da Infância. Os dois organismo e grupos como Casa da Mulher, uma organização feminista, argumentam que o aborto no caso da menina está amparado pela sentença 206 de 2014 do Tribunal Constitucional Plurinacional. Essa sentença estabelece como requisitos para ter acesso ao aborto a apresentação de uma cópia da denúncia de estupro e o consentimento da menina, adolescente, jovem ou adulta.

A mãe do menor esclareceu em sua solicitação à CIDH que “a Defensoria Pública da Bolívia não representa nem em forma legal nem convencional a [menor] L.A.S. e, além disso, está ignorando conscientemente a sua vontade, que expressou aos profissionais de saúde” quando estava no Hospital Percy Boland.

A intenção da Defensoria Pública da Bolívia “está claramente distorcida e responde à sua obsessão com a ideia de que não poderia querer tomar uma decisão diferente à de abortar, em circunstâncias como as que foram constatadas pelos médicos do próprio recinto, ela [a menina] não está sob nenhum risco real e iminente para a sua saúde que justifique e exija a realização imediata e direta de um aborto”, disse.

“Estão colocando palavras e intenções na sua boca, ignorando a sua opinião e decisão, para forçá-la a fazer um aborto, porque eles e não ela, acham que isso é o melhor para L.A.S. contrariando a sua opinião e desejo”, reforçou a mãe da menor.

A pressão sobre a menina aconteceu no dia 22 de outubro, após a denúncia de estupro. L.A.S. foi levada ao hospital e os “funcionários da Defensoria Pública jamais mencionaram que existia a possibilidade de não abortar”.

“Desde o início, apresentaram para ela apenas uma alternativa, que era abortar a criança porque estava permitido pela sentença constitucional 2016/2014. Em nenhum momento levaram em consideração os seus sentimentos, pensamento e opinião sobre não querer matar o bebê se não fosse necessário e que quando soube que tinha um bebê dentro, expressou que ela não queria lhe fazer dano”, contou a mãe da menina.

“Os funcionários da Defensoria comentaram ao passar que precisava comprar um frasco e colocar o bebê na água com sal quando estivesse morto, para que com isso pudessem fazer os testes e concluir quem tinha sido o estuprador”. 

“Isso lhe causou enorme dor e angústia. Violaram flagrantemente a lei, pois se pressupõe que a decisão a ser tomada deve ser adotada sem pressões e de forma informada”.

Mas “não só a pressionaram em um sentido, como também ninguém lhe dava informação diferente, pois todos presumiam desde o primeiro momento que ela não poderia querer nenhuma outra coisa”, denunciou a mãe.

“Sem lhe apresentarem nenhuma outra opção e com medo e incerteza sobre o que estava acontecendo, é que a princípio ela disse que aceitava que fizessem o aborto” e por isso é que lhe deram “uma primeira dose de mifepristone no Hospital Percy Boland”.

O procedimento químico “terminaria com a morte e expulsão do bebê no dia seguinte. Mas a dose não foi suficiente para encerrar o ato, pois com quase 21 semanas de gravidez o aborto químico pode exigir mais de uma dose e até 24 horas para sua realização”, disse a mãe.

Enquanto a menina estava internada na companhia de sua mãe, ela foi visitada por Sandra, uma mulher "que costumava oferecer sua companhia e conforto emocional e espiritual às mulheres internadas na maternidade".

Na conversa, Sandra “foi a primeira pessoa a dizer que ela tinha uma alternativa diferente” ao aborto. “Foi a primeira pessoa que a tratou respeitando a sua liberdade de consciência e em forma digna, apresentando-lhe verdadeiramente alternativas, e não só a empurrando a uma decisão que não queria”.

Depois de realizar um batismo, caso o bebê morresse com a primeira dose de mifepristone, a menina manifestou que não queria fazer dano ao bebê.

Sandra explicou-lhe que poderia evitar a sua morte e dá-lo em adoção se essa fosse a sua decisão, que “existiam centros de acolhimento nos quais receberia ajuda material, médica, psicológica e espiritual antes do nascimento”.

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Foi neste momento que a menina manifestou que não queria abortar o bebê, e sua mãe começou a escrever uma carta com a decisão, assinada por ambas.

No dia seguinte, conversaram com os médicos do hospital e apresentaram-lhes a carta. No entanto, responderam que a carta “não era um documento legal e que tinha que assinar o prontuário da paciente se a decisão era não terminar o aborto”.

“Em 23 de outubro, ficou estabelecida a sua vontade formal” de não continuar com as doses de mifepristone para não matar a criança em gestação.

A menor ficou mais uns dias em observação e o aborto não se concretizou, porque não continuou tomando as outras doses do medicamento.

A menina recebeu alta em 26 de outubro e, por decisão da Defensoria da Infância e Adolescência de Yapacaní, foi transferida para o lar Madre Maria onde está atualmente, “e desde onde pretendem sequestrá-la para terminar a gravidez contra a sua vontade expressa e em violação aos seus direitos a decidir a respeito”, alertou a mãe.

Neste caso, a Igreja foi acusada pelos partidários do aborto de intervir na decisão da menina. No entanto, a Igreja local especificou que só fez contato com a mãe e a menina a partir de 25 de outubro.

Por esta razão, manifestantes pró-aborto atacaram igrejas e os escritórios da Conferência Episcopal Boliviana (CEB). O último ocorreu durante uma marcha pró-aborto liderada pela defensora pública, Nadia Cruz.

A assessora legal da CEB, Susana Inch, disse que a Igreja tem “uma convicção absoluta de proteger a vida. Mesmo quando já houve uma situação de violência sexual, mesmo quando a situação é uma gravidez de alto risco, mesmo quando tudo é adverso neste momento, a convicção é que essa vida deve ser protegida e defendida em qualquer circunstância. Sobretudo porque Deus é quem dá a vida e é o único que pode tirá-la”.

Aborto na Bolívia

Embora o aborto continue sendo crime, desde dezembro de 2017, durante o governo de Evo Morales, foi criado um novo Código do Sistema Penal para que, sob certos fundamentos, essa prática não seja punível.

Isso faz com que o aborto na Bolívia seja permitido em casos de risco à vida da mãe, malformações do nascituro, violação, incesto, estupro.

Também no caso de reprodução assistida não consentida pela mulher e nos casos em que a gestante seja menina ou adolescente, até a oitava semana de gestação, desde que haja “consentimento da gestante”.

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