O especialista em relíquias sagradas, Fábio Tucci Farah, publicou recentemente um ensaio sobre a Coroa de Espinhos de Jesus e o seu simbolismo, no qual aponta que a coroa teria o formato de um turbante de espinhos, o qual remeteria ao Sumo Sacerdote.

Fábio Tucci Farah é perito em relíquias sagradas da Arquidiocese de São Paulo, além de curador adjunto da Regalis Lipsanotheca, em Fátima (Portugal) e diretor do Departamento de Arqueologia Sacra da Academia Brasileira de Hagiologia. Seu ensaio, intitulado “A Coroa de Espinhos de Nosso Senhor Jesus Cristo – Do estudo arqueológico da relíquia à redescoberta de seu simbolismo”, é baseado em uma pesquisa arqueológica e historiográfica.

Em declarações à ACI Digital, Farah explicou que “as relíquias da Paixão revelam detalhes significativos da história de nossa salvação”, por isso, “é fundamental estudar cada uma delas”.

Entretanto, assinalou que, “nas últimas décadas a Santa Síndone atraiu a atenção da maior parte dos pesquisadores. Qualquer novidade sobre a Santa Síndone ganha os noticiários. Na realidade, os sindonologistas enxergam as demais relíquias da Paixão como sombras na mortalha de Cristo”.

Assim, indicou, “a Coroa de Espinhos já foi descrita como um capacete, um gorro, uma carapuça, o que não faria sentido algum do ponto de vista simbólico. Por que os soldados confeccionariam uma coroa em formato tão prosaico?”, questionou-se.

“Resolvi me aprofundar no estudo da Coroa de Espinhos na tentativa de compreender seu real significado. Isso me fez enxergar um novo aspecto no episódio central de nossa salvação, um aspecto fantástico. Digo que o estudo da Coroa me fez resgatar um simbolismo que já havia se perdido, apesar de estar amplamente enraizado nas Sagradas Escrituras”, acrescentou.

Em seu ensaio, Farah explica que “desde os primórdios da arte cristã”, a Coroa de Espinhos de Jesus Cristo “é retratada como uma réplica – em ramos espinhosos – da corona triumphalis romana”.

Entretanto, pontua, “o testemunho de São Vicente de Lérins e estudos recentes acerca da Santa Síndone – ou Santo Sudário de Turim – lançam uma nova luz sobre a Coroa de Espinhos. Para a confecção desse instrumento de suplício, os soldados romanos poderiam ter buscado inspiração em um acessório sagrado da maior autoridade dos judeus: o Sumo Sacerdote”. Assim, a Coroa de Espinhos “não representaria uma autoridade terrena”.

O perito se refere à relíquia da Coroa de Espinha “custodiada na Catedral de Notre-Dame de Paris até o incêndio em abril de 2019”, a qual “consistia em um círculo de juncos trançados, desprovido de espinhos, com 21 centímetros de diâmetro”.

Em seguida, evoca as “palavras de São Vicente de Lérins”, segundo o qual “a Coroa de Espinhos era em forma de píleo, uma espécie de barrete semi-oval de feltro, usado em Roma, que recobria a cabeça”.

Farah, então, cita diversos estudos e especialistas que demonstram como a Coroa de Espinhos tinha um formato diferente da coroa triunfal romana. Segundo ele, pesquisas da Santa Síndone mostram que, “na mortalha de linho de Nosso Senhor, a imagem da parte de trás da cabeça é repleta de ferimentos, revelando que a vítima recebera um objeto que não fora inspirado em uma coroa romana. Seria em forma de píleo, como observado por São Vicente de Lérins, pois cobria-lhe ‘por todos os lados’”.

Além disso, citando os Evangelhos, o perito observa que, ao coroar Jesus com espinhos, “os soldados romanos desejavam fazer uma paródia de investidura real”. Mas, se “tivessem utilizado a corona triumphalis como modelo para a Coroa de Espinhos, estariam tripudiando sobre a autoridade de Roma”, quando o objetivo “era ultrajar Cristo – e o povo judeu”.

O especialista recorda, assim, a figura do Sumo Sacerdote Caifás e assinala que, “aos soldados, aquele homem que ocupava a posição de chefe da corte suprema e conduzia as maiores solenidades no Templo de Salomão se assemelharia mais ao monarca do povo judeu”.

“Uma evidência favorável a essa tese é o formato da Coroa de Espinhos. Ela não representaria um píleo – sem significado ao simulacro da investidura real –, mas remeteria a um dos mais significativos símbolos da maior autoridade religiosa do povo judeu”.

Crédito: Cortesia Fábio Tucci Farah

Dessa forma, observa, “a Coroa de Espinhos era formada por um círculo de junco sobre o qual haviam sido dispostos os ramos espinhosos. As duas partes remetem ao adorno que o Sumo Sacerdote usava sobre a cabeça, como sinal de consagração a Deus, durante as solenidades no Templo de Salomão. O círculo de junco representaria a tiara sacerdotal – ou coroa – e os ramos espinhosos assumiriam a forma do turbante sacerdotal. O modelo para a Coroa de Espinhos de Jesus Cristo seria, portanto, a tiara/coroa e o turbante do Sumo Sacerdote”.

Assim, afirma que à pergunta de Pilatos a Jesus, “Você é rei?”, a resposta “seria esboçada pelos soldados romanos, que trajaram Cristo como Sumo Sacerdote – não um rei deste mundo”. Esta resposta seria ainda “aprofundada por um estranho episódio ocorrido durante a crucificação”.

Crédito: Cortesia Fábio Tucci Farah

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Nesse sentido, recorda as citações evangélicas segundo as quais “o véu do Santuário se rasgou de cima a baixo no instante em que Cristo entregou o espírito, expirou”,

“Esse véu era a cortina que fechava o Santo dos Santos, o lugar em que Deus habitava. Apenas o Sumo Sacerdote podia entrar naquele espaço sagrado – e somente uma vez por ano, no Dia da Expiação. Na solenidade, os pecados do povo judeu eram expiados diante do Senhor. A tradição cristã enxergou no rasgar do véu a supressão da Antiga Aliança. Com o sacrifício na cruz, Cristo redimira os pecados da humanidade e abrira, definitivamente, o caminho para o Reino dos Céus. À luz do simbolismo da Coroa de Espinhos aqui proposto, uma nova dimensão se abre na interpretação do véu rasgado do Templo no instante da morte de Cristo”, ressalta Tucci Farah em seu ensaio.

Crédito: Cortesia Fábio Tucci Farah

Ou seja, “no momento em que expirou, Cristo teria entrado no Santo dos Santos como Sumo Sacerdote. E vítima sacrificial”.

Por fim, cita que, “na carta em que discorreu sobre o sacerdócio de Cristo, São Paulo revelou a amplitude do sacerdócio celestial de Cristo: ‘Cristo, porém, veio como Sumo Sacerdote dos bens vindouros. Ele atravessou uma tenda maior e mais perfeita, que não é obra de mãos humanas, isto é, que não pertence a esta criação. Entrou uma vez por todas no Santuário, não com sangue de bodes e de novilhos, mas com o próprio sangue, obtendo redenção eterna’ (Hb 9,11-12)”.

“O simbolismo da Coroa de Espinhos aqui desvelado ajuda a enxergar o caminho que Cristo percorreu para levar à Antiga Aliança à plenitude antes de se assentar ‘à direita do trono da Majestade nos céus’ (Hb 8,1)”, concluiu.

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