Segundo um jornal italiano, o recém nomeado Decano do Colégio de Cardeais, Cardeal Dom Giovanni Battista Re, teria enviado uma carta aos cardeais na quarta-feira 26 de fevereiro alegando que o acordo China-vaticano representa com fidelidade as ideias de São João Paulo II e Bento XVI em relação à China, e que o Cardeal Joseph Zen Ze-kiun se equivoca em sua oposição ao acordo.

A página de notícias ´Nuova Bussola Quotidiana´ publicou um texto em italiano da suposta carta do Cardeal Re de 26 de fevereiro.

Referindo-se ao acordo, o texto publicado dizia: “Em primeiro lugar, desejo enfatizar que, no enfoque da situação da Igreja Católica na China, existe uma profunda sinfonia do pensamento e da ação dos últimos três Pontificados, que -por respeito à verdade- favoreceram o diálogo entre as duas partes e não a contrariedade entre elas”.

“O Cardeal Zen afirmou várias vezes que seria melhor não ter um acordo do que ter um 'mau acordo'. Os três últimos Papas não compartilharam esta posição e apoiaram e acompanharam a redação do acordo que, no momento, parecia ser o único possível”, afirmou.

O Cardeal Zen, bispo emérito de Hong Kong, tem se oposto abertamente ao acordo de 2018 entre o Vaticano e a República Popular da China no que diz respeito às nomeações episcopais.

A Igreja na China continental esteve dividida durante 60 anos entre a Igreja clandestina, que é frequente acossada por autoridades chinesas e cujas nomeações episcopais com frequência não são reconhecidas pelas mesmas autoridades, e a Associação Patriótica Católica a China (APCA), uma organização autorizada pelo governo, liderado pelo Partido Comunista Chinês.

O acordo entre a Santa Sede e Beijing pretendia normalizar a situação dos católicos da China e unificar a Igreja clandestina e a APCA.

O Cardeal Re , que foi confirmado como Decano do Colégio de Cardeais há apenas seis semanas, escreveu aos cardeais que “no que diz respeito às diversas intervenções públicas” do Cardeal Zen, “sinto-me obrigado a partilhar algumas considerações e oferecer alguns elementos que favoreçam uma avaliação serena das complexas questões sobre a Igreja na China”.

Para o Cardeal Re , enquanto São João Paulo II “favoreceu, por um lado, a volta à comunhão plena dos bispos consagrados ilicitamente ao longo do tempo desde 1958, e ao mesmo tempo era seu desejo sustentar a vida de comunidades 'clandestinas' que foram dirigidas por bispos e sacerdotes 'não oficiais', assim como, por outra parte, promoveu a idéia de chegar a um acordo formal com os governantes sobre a nominação de bispos”.

Esse acordo finalmente foi alcançado, teria escrito o Cardeal Re, e foi assinado na capital Beijing em 22 de setembro de 2018.

É particularmente surpreendente para o decano dos cardeais que o Cardeal Zen tenha escrito que “o acordo assinado é o mesmo que o Papa Bento se negou a assinar naquela altura”.

“Essa afirmação não corresponde à verdade”, declarou o Cardeal Re.

“Depois de ter tomado nota pessoalmente dos documentos existentes no atual arquivo da Secretaria de Estado, posso assegurar à Sua Eminência que o Papa Bento XVI aprovou o rascunho do acordo sobre a nomeação dos bispos na China, que só foi possível assinar em 2018”.

O Cardeal Re foi funcionário da Secretaria de Estado de 1989 a 2000.

Devido ao fato que o acordo prevê a intervenção do Papa nas nomeações de bispos na China, o decano disse que “a expressão ‘Igreja independente’ já não pode interpretar-se de maneira absoluta, como 'separação' do Papa, como era o caso no passado”.

“Infelizmente, há lentidão em extrair in loco todas as consequências que derivam desta mudança de época tanto no plano doutrinal como no prático e persistem tensões e situações dolorosas”, disse o Cardeal Re .

“É impensável, por outro lado, que um acordo parcial (o acordo tocando, de fato, solo o tema da nominação dos bispos) troca as coisas de maneira quase automática e imediata nos outros aspectos da vida da Igreja”, demarcou.

O Cardeal Re se opôs à avaliação do Cardeal Zen das pautas pastorais do Papa com respeito ao registro civil do clero na China, dizendo que estas pautas “foram desenhadas precisamente para proteger a fé” em situações complicadas e difíceis.

Essas pautas reconhecem a eleição daqueles que sentem que não podem, em boa consciência, registrar-se com o governo. Entretanto, teria indicado Dom Re, existem informes que indicam que os clérigos que se negam enfrentam a acosso e perseguição.

A intervenção do Cardeal Zen, disse o decano, “ajuda-nos a compreender quão difícil segue sendo o caminho da Igreja na China e quão complexa é a missão dos pastores e do Santo Padre”.

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“Portanto, todos estamos chamados a nos unirmos estreitamente ao Papa e a rezar intensamente para que o Espírito Santo o sustente e sustente as comunidades da Igreja Católica na China, que apesar de sofrer durante muito tempo demonstram sua lealdade ao Senhor, no caminho da reconciliação, da unidade e da missão ao serviço do Evangelho”, disse.

O acordo entre o Vaticano e China foi criticado rotundamente não só pelo Cardeal Zen, mas também por grupos de direitos humanos e defensores da liberdade religiosa nos Estados Unidos, e a Santa Sé se esforçou por defendê-lo e promovê-lo.

Há aproximadamente duas semanas antes da suposta carta do Cardeal Re , a Santa noticiou uma reunião celebrada entre seu Secretário de Relações com os Estados e o ministro das Relações Exteriores da China, durante a qual se discutiu o acordo sobre as nomeações episcopais.

Em março de 2019, o Cardeal Fernando Filoni, então prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, disse que o acordo “será algo muito bom para a Igreja”, e criticou aqueles que “correm o risco de não estão remando na mesma direção, dentro da barco de Pedro”.

Em 2019, o Secretário de estado do Vaticano, o Cardeal Pietro Parolin, a quem o Cardeal Zen considera principal responsável pelo acordo, disse em uma conferência que o acordo deverá ser implementado.

Por sua parte, o Cardeal Zen disse em 11 de fevereiro a CNA -agencia em inglês do Grupo ACI- que “a situação é muito ruim” na China, acrescentando que “os termos ruins (do acordo) provêm dele [Parolin]”.

Segundo o Dom Joseph Zen, o Cardeal Parolin é “muito otimista sobre o chamado 'Ostpolitik', o comprometimento”.

Mas, o Cardeal Zen disse que “não se pode comprometer” com o Partido Comunista Chinês, a quem chamou “perseguidores” da fé.

“Querem uma rendição completa. Isso é comunismo. E cada vez mais, a Igreja [está] sob perseguição, tanto a Igreja oficial como a clandestina”, disse o Cardeal chinês.

** Traduzido e adaptado por Rafael Tavares. Publicado originalmente em CNA.

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