TITULO

Meditações escrita pelo Papa para a Via Sacra 2004

PRIMEIRA ESTAÇÃO
Jesus no Horto das Oliveiras

MEDITAÇÃO

Chegado ao limiar da sua Páscoa,
Jesus está na presença do Pai.
Como poderia ter sido de outro modo
se o seu secreto diálogo de amor
com o Pai nunca cessara?
"Chegou a hora" (Jo 16, 32),
a hora pressentida desde o princípio,
anunciada aos discípulos,
que não se parece com nenhuma outra,
que a todas inclui e condensa
precisamente quando estão para se cumprir nos braços do Pai.
E inesperadamente aquela hora mete medo.
Deste medo nada nos é ocultado.
Mas lá, no auge da angústia,
Jesus refugia-Se junto do Pai em oração.
No Getsémani, naquela noite,
vive-se uma luta corpo a corpo extenuante
tão áspera que, no rosto de Jesus, o suor muda-se em sangue.
E Jesus ousa pela última vez, diante do Pai,
manifestar a angústia que O invade:
"Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice,
não se faça, contudo, a minha vontade mas a tua" (Lc 22, 42).
Duas vontades se defrontam por momentos,
para depois confluírem num abandono de amor já anunciado por Jesus:
É preciso "que o mundo saiba que Eu amo o Pai,
que faço como o Pai Me mandou" (Jo 14, 31).

SEGUNDA ESTAÇÃO
Jesus, atraiçoado por Judas, é preso

MEDITAÇÃO

Desde a primeira vez que Judas é nomeado,
aparece indicado como aquele "que veio a ser o traidor " (Lc 6, 13; cf. Mt 10, 4;
/ Mc 3,19);
o trágico apelativo de "traidor"
ficará ligado para sempre à sua lembrança.
Como pôde chegar a isto um que Jesus escolhera
para O seguir mais de perto?
Ter-se-á Judas deixado levar por um amor contrariado por Jesus
que se transformou em suspeita e ressentimento?
Tal o faria crer o beijo,
gesto que significa amor, mas que serviu para entregar Jesus aos soldados.
Ou terá sofrido uma desilusão com um Messias
que se subtraía à função política de libertador de Israel do domínio estrangeiro?
Judas não tardará a dar-se conta de que a sua subtil chantagem
se conclui num desastre.
É que ele desejara, não a morte do Messias,
mas apenas que Se rebelasse e assumisse uma atitude decidida.
E então: em vão chora o seu gesto
e se desfaz do salário da traição (Mt 27, 4-5),
porque se entrega ao desespero.
Quando Jesus falar de Judas como "filho da perdição",
limitar-Se-á a recordar que assim se cumpria a Escritura (Jo 17, 22).
Um mistério de iniquidade que nos ultrapassa
mas que não pode sobrepor-se ao mistério da misericórdia.

TERCEIRA ESTAÇÃO
Jesus é condenado pelo Sinédrio

MEDITAÇÃO

Jesus está só diante do Sinédrio.
Os discípulos fugiram.
Desorientados pela prisão à qual algum procurou reagir com a violência.
Fugiu também aquele que pouco antes exclamara:
"Vamos nós também, para morrermos com ele" (Jo 11, 16).
O medo venceu-os.
A brutalidade do facto prevaleceu sobre o seu frágil propósito.
Cederam, arrastados pela corrente da vilania.
Deixam que Jesus enfrente, sozinho, a sua sorte.
E todavia formavam o círculo dos seus íntimos,
Jesus tinha-os designado como os seus "amigos" (Jo 15, 15).
Agora, ao seu redor, só uma assembleia hostil,
unânime em querer a sua morte.
Já mais vezes se estendera sobre Jesus a sombra da morte,
quando aludia à sua origem divina.
Já outras vezes quem O escutava tentara lapidá-Lo.
"Não é por alguma obra que Te apedrejamos - afirmavam -, é por blasfémia,
porque, sendo Tu homem, Te fazes Deus" (Jo 10, 33).
Agora o Sumo Sacerdote intima-Lhe
que declare, diante de todos, se é Filho de Deus ou não.
Jesus não Se subtrai: com a mesma gravidade o atesta.
Deste modo assina a sua própria sentença de morte.

QUARTA ESTAÇÃO
Jesus é renegado por Pedro

MEDITAÇÃO

Dos discípulos em fuga, dois voltam atrás,
seguindo à distância os soldados e o seu prisioneiro.
Um misto de afecto e curiosidade, talvez; falta de consciência do risco.
Não demora muito que Pedro seja reconhecido:
a denunciá-lo o acento galileu
e o testemunho de quem o viu desembainhar a espada no Horto das Oliveiras.
Pedro refugia-se na mentira: nega tudo.
Não se dá conta de que assim renega o seu Senhor,
desmente as suas ardentes declarações de fidelidade absoluta.
Não compreende que assim nega também a sua própria identidade.
Mas um galo canta, Jesus volta-Se,
pousa o seu olhar sobre Pedro e dá sentido àquele canto.
Pedro compreende e prorrompe em lágrimas.
Lágrimas amargas, mas suavizadas pela recordação das palavras de Jesus:
"Não vim para condenar o mundo, mas para o salvar" (Jo 12, 47).
Agora repete-as aquele olhar "misericordioso e compassivo",
o mesmo olhar do Pai, "tardo na ira e grande no seu amor",
que "não nos tratou segundo os nossos pecados,
nem nos castigou segundo as nossas culpas" (Sal 103/102, 8.10).
Pedro abisma-se naquele olhar.
Na manhã de Páscoa
as lágrimas de Pedro serão lágrimas de alegria.

QUINTA ESTAÇÃO
Jesus é julgado por Pilatos

MEDITAÇÃO

Um homem sem culpa alguma está diante de Pilatos.
A lei e o direito cedem ao arbítrio de um poder totalitário,
que procura o consenso das multidões.
Num mundo injusto, o justo não pode senão ser rejeitado e condenado.
Viva o homicida, morra Aquele que dá a vida.
Liberte-se Bar-Abbà, o insurrecto chamado "filho do Pai",
seja crucificado Aquele que revelou o Pai e é o verdadeiro Filho do Pai.
Outros, não Jesus, são os agitadores do povo.
Outros, não Jesus, fizeram o que é mal aos olhos de Deus.
Mas o poder teme pela sua própria autoridade,
renuncia à credibilidade que lhe vem de praticar a justiça,
e abdica.
Pilatos, a autoridade que tem poder de vida e de morte,
Pilatos, que não hesitara em sufocar no sangue focos de revolta (Lc 13, 1),
Pilatos, que governava com mão de ferro
aquela obscura província do Império, sonhando domínios mais amplos,
abdica,
entrega um inocente, e com ele a própria autoridade, a uma multidão
/ vociferante.
Aquele que no silêncio Se tinha abandonado à vontade do Pai
acaba assim abandonado à vontade de quem grita mais forte.

SEXTA ESTAÇÃO
Jesus é flagelado e coroado de espinhos

MEDITAÇÃO

À iníqua condenação junta-se o ultraje da flagelação.
Entregue nas mãos dos homens, o corpo de Jesus é desfigurado.
Aquele corpo recebido da Virgem Maria,
que fazia de Jesus "o mais belo dos filhos dos homens",
que irradiava a unção da Palavra
- "em teus lábios se derramou a graça" (Sal 45/44, 3) -,
é agora cruelmente dilacerado pelo azorrague.
O rosto transfigurado no Tabor é desfigurado no pretório:
rosto de quem, insultado, não responde
de quem, flagelado, perdoa
de quem, tornado escravo sem nome,
liberta a quantos jazem na escravidão.
Jesus avança decididamente pelo caminho da dor,
cumprindo na carne viva, que se torna viva voz, a profecia de Isaías:
"Aos que Me feriam apresentei as costas,
e a minha face aos que Me arrancavam a barba:
não desviei o meu rosto dos que Me ultrajavam e cuspiam" (Is 50, 6).
Profecia que se abre para um futuro de transfiguração.

SÉTIMA ESTAÇÃO
Jesus é carregado com a Cruz

MEDITAÇÃO

Fora.
O justo, injustamente condenado, deve morrer fora:
fora do acampamento, fora da cidade santa, fora da sociedade humana.
Os soldados despojam-n'O e revestem-n'O:
Ele já não pode dispor sequer do seu próprio corpo.
Carregam-Lhe sobre os ombros um madeiro, parte pesada do patíbulo,
sinal de maldição e instrumento de execução capital.
Madeiro de ignomínia,
que pesa, como fardo extenuante, sobre os ombros curvados de Jesus.
O ódio, de que está impregnado, torna insuportável o seu peso.
E no entanto aquele madeiro da cruz é resgatado por Jesus,
torna-se sinal de uma existência vivida e oferecida por amor dos homens.
Segundo a tradição, Jesus vacila,
por três vezes cairá sob aquele peso.
Jesus não pôs limites ao seu amor:
"tendo amado os seus, amou-os até ao fim" (Jo 13, 1).
Obediente à palavra do Pai
- "Amarás ao Senhor, teu Deus, com todas as tuas forças " (Dt 6, 5) -
amou a Deus e cumpriu a sua vontade até ao fim.

OITAVA ESTAÇÃO
Jesus é ajudado pelo Cireneu a levar a Cruz

MEDITAÇÃO

Ainda não brilham no céu as primeiras estrelas que anunciam o sábado,
mas Simão já regressa a casa do trabalho nos campos.
Soldados pagãos, que nada sabem do repouso do sábado, detêm-no.
Colocam sobre os seus ombros robustos aquela cruz
que outros tinham prometido levar dia após dia atrás de Jesus.
Simão não escolhe: recebe uma ordem,
sem saber ainda que acolhe um dom.
É típico dos pobres nada poderem escolher,
nem sequer o peso dos próprios sofrimentos.
Mas é característico dos pobres ajudar outros pobres,
e ali está um mais pobre que Simão:
está para ser privado até mesmo da vida.
Ajudar sem fazer perguntas, sem demandar porquê:
demasiado pesado o peso para o outro,
os meus ombros, porém, ainda o regem.
E isto basta.
Virá o dia em que o mais pobre dos pobres dirá ao companheiro:
"Vem, bendito de meu Pai, entra na minha alegria:
estava esmagado sob o peso da cruz e tu Me aliviaste".

NONA ESTAÇÃO
Jesus encontra as mulheres de Jerusalém

MEDITAÇÃO

O cortejo do condenado avança.
Como escolta: soldados e um punhado de mulheres em lágrimas,
mulheres que subiram da Galileia a Jerusalém com Ele e os discípulos.
Conhecem aquele homem.
Ouviram a sua palavra de vida,
amam-n'O como mestre e profeta.
Esperavam que fosse Ele quem havia de libertar Israel? (Lc 24, 21).
Não o sabemos, mas agora choram por aquele homem
como se chora por uma pessoa amada,
como Ele tinha chorado pelo amigo Lázaro.
Ele irmana-as no seu sofrimento,
uma nova luz ilumina a dor que sentem.
A voz de Jesus fala de juízo,
mas chama à conversão;
anuncia sofrimentos,
mas como as dores de um parto.
A madeira verde há-de reaver a vida
e a madeira seca terá parte nela.

DÉCIMA ESTAÇÃO
Jesus é crucificado

MEDITAÇÃO

Uma colina fora da cidade, um abismo de dor e humilhação.
Suspenso entre o céu e a terra está um homem:
cravado na cruz,
suplício reservado aos amaldiçoados de Deus e dos homens.
Junto d'Ele, outros condenados
que já não são dignos do nome de homem.
E no entanto Jesus,
que sente o seu espírito a abandoná-Lo,
não abandona os outros homens,
estende os braços para acolher a todos,
Ele que já ninguém quer acolher.
Desfigurado pela dor,
ferido pelos ultrajes,
o rosto daquele homem
fala ao homem de uma outra justiça.
Derrotado, escarnecido, difamado
aquele condenado restitui a dignidade a todo o homem:
A quanta dor pode levar o amor!
Por quanto amor, o resgate de toda a dor!
"Verdadeiramente, aquele homem era justo" (Lc 23, 47b).

DÉCIMA PRIMEIRA ESTAÇÃO
Jesus promete o seu Reino ao bom ladrão

MEDITAÇÃO

O lugar do Calvário,
sepulcro de Adão, o primeiro homem,
patíbulo de Jesus, o homem novo.
O madeiro da cruz,
instrumento de morte exibida,
arca de perdão concedido.
Junto de Jesus, que passou por entre o povo fazendo o bem,
dois homens condenados por terem feito o mal.
Outros dois tinham pedido para estarem um à direita e outro à esquerda de
/ Jesus,
declararam-se inclusive dispostos a sofrer o mesmo baptismo,
a beber do mesmo cálice (Mc 10, 38-39).
Mas, nesta hora, não estão aqui,
outros os precederam no lugar do Calvário.
Destes um invoca um Messias que Se salve a Si mesmo e a eles dois, ali e já,
o outro recomenda-se a Jesus
para que Se lembre dele quando entrar no seu Reino.
Quem compartilha as zombarias da multidão não recebe resposta,
quem reconhece a inocência de um condenado à morte
obtém uma promessa imediata de vida.

IMA SEGUNDA ESTAÇÃO
Jesus na Cruz, a Mãe e o Discípulo

MEDITAÇÃO

Em redor da cruz, gritos de ódio,
ao pé da cruz, presenças de amor.
Está ali, firme, a mãe de Jesus.
Com ela, outras mulheres,
unidas no amor pelo moribundo.
Junto dela, o discípulo amado, não outros.
Só o amor soube superar todos os obstáculos,
só o amor perseverou até ao fim,
só o amor gera outro amor.
E ali, aos pés da cruz, nasce uma nova comunidade,
ali, no lugar da morte, surge um novo espaço de vida:
Maria acolhe o discípulo como filho,
o discípulo amado acolhe Maria como mãe.
"Acolheu-a como um dos seus bens mais queridos" (Jo 19, 27),
tesouro inalienável do qual se fez guardião.
Só o amor pode guardar o amor,
só o amor é mais forte do que a morte (Ct 8, 6).

DÉCIMA TERCEIRA ESTAÇÃO
Jesus morre na Cruz

MEDITAÇÃO

Depois da agonia do Getsémani,
Jesus, na cruz, está de novo diante do Pai.
No auge de um sofrimento indizível,
Jesus volta-Se para Ele, reza-Lhe.
A sua oração é primeiramente uma imploração de misericórdia para os algozes.
Depois, aplicação a Si mesmo da palavra profética dos Salmos:
manifestação de um sentimento de abandono dilacerante,
que chega no momento crucial,
quando se experimenta com todo o ser
o desespero a que conduz o pecado que separa de Deus.
Jesus bebeu até às borras o cálice da amargura.
Mas daquele abismo de sofrimento eleva-se um grito que rompe a desolação:
"Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito" (Lc 23, 46).
E o sentimento de abandono muda-se em entrega nos braços do Pai;
o último respiro do moribundo torna-se grito de vitória,
a humanidade, que se afastara na vertigem da auto-suficiência,
é de novo acolhida pelo Pai.

DÉCIMA QUARTA ESTAÇÃO
Jesus é depositado no sepulcro

MEDITAÇÃO

Primeiras luzes do sábado.
Aquele que era a luz do mundo desce ao reino das trevas.
O corpo de Jesus é engolido pela terra,
e com ele é engolida toda a esperança.
Mas a sua descida à mansão dos mortos
não é uma descida para a morte mas para a vida.
É para reduzir à impotência aquele que detinha o poder da morte, o diabo
/ (Heb 2, 14),
para destruir o último inimigo do homem, a própria morte (I Cor 15, 26),
para fazer resplandecer a vida e a imortalidade (II Tim 1, 10),
para anunciar a boa nova aos espíritos prisioneiros (I Ped 3, 19).
Jesus desce até alcançar o primeiro casal humano,
Adão e Eva, curvados sob o fardo da sua culpa.
Jesus estende-lhes a mão
e o rosto deles ilumina-se com a glória da ressurreição.
O primeiro Adão e o Último são parecidos e reconhecem-se;
o primeiro reencontra a própria imagem
n'Aquele que havia de vir um dia
libertá-lo juntamente com todos os outros (Gen 1, 26).
Aquele Dia finalmente chegou.
Agora, em Jesus, cada morte pode, a partir daquele momento, desaguar na vida.

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