Algumas das 22 novas nomeações de membros da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos feitas pelo papa Francisco ontem (1º) indicam que ele quer reforçar a posição assumida com a publicação do motu próprio Traditionis custodes, que restringiu o uso da liturgia tradicional anterior ao Concílio Vaticano II.

O papa Francisco publicou o motu proprio Traditionis custodes em 16 de julho de 2021. O documento restringe o uso do missal de 1962, revogando a autorização dada por Bento XVI e são João Paulo II a todos os padres de rezar a missa antiga. Francisco determinou que é necessária a autorização do bispo local para a celebração da missa tradicional. Mesmo autorizadas, as celebrações não podem ocorrer em uma igreja paroquial e os dias, horários e o sacerdote responsável têm que ser determinadas pelo bispo.

Francisco associou, na carta que acompanhou o motu proprio de 16 de julho passado, o apego à liturgia tradicional à oposição ao Vaticano II.

O ex-prefeito da congregação, o cardeal guineense Robert Sarah, era um grande entusiasta do motu proprio Summorum pontificum, com o qual o papa emérito Bento XVI liberou o uso dos livros litúrgicos anteriores ao Vaticano II a todos os padres. Em seu lugar, Francisco nomeou o arcebispo inglês Arthur Roche, dois meses antes de restringir a missa tradicional. Em entrevista à revista America, dos jesuítas dos EUA, Roche defendeu, em janeiro deste ano, a restrição imposta pelo papa à liturgia tradicional assim como sua própria proibição de que qualquer outro sacramento que não a eucaristia seja celebrado segundo os livros anteriores à reforma. Para ele, não “é um problema basicamente de liturgia, é um problema eclesial”.

É exatamente essa a opinião de dom Edmar Peron, bispo de Paranaguá (PR), nomeado pelo papa para a Congregação. Para dom Edmar, que é presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o “ponto de partida” do motu proprio Traditionis custodes, é “a Eclesiologia e não a Liturgia”, isto é, “a aceitação do Concílio Vaticano II e a fidelidade aos bispos e ao papa”.

Em artigo publicado no site da CNBB em 20 de julho de 2021, poucos dias após a publicação do motu proprio, dom Peron afirmou que, com Traditionis custodes, “Francisco tem no coração ‘promover a concórdia e a unidade da Igreja’”.

Para o presidente da Comissão para a Liturgia, um “sinal visível desta intenção” de Francisco “foi regulamentar que ‘os livros litúrgicos promulgados pelos santos pontífices Paulo VI e João Paulo II, em conformidade com os decretos do Concílio Vaticano II, são a única expressão da lex orandi do Rito Romano’”.

Trata-se, segundo dom Peron, de uma “atitude ousada, mas que encontra inspiração em são Pio V”, que, “ao promulgar o missal romano, decretou-o como único livro para toda a Igreja, obrigatório para todas as comunidades cuja tradição não superasse 200 anos de existência”.

São Pio V ordenou a publicação do Missal que é usado na liturgia tradicional.

A mesma preocupação com a aceitação do Vaticano II é manifestada pelo arcebispo de Chicago, cardeal Blase Joseph Cupich, também nomeado para a Congregação do Culto Divino. Em um ensaio de novembro de 2021, Cupich disse que Traditionis custodes (TC) ofereceu uma “oportunidade de ajudar todo o nosso povo a entender melhor o grande dom que o Concílio [Vaticano II] nos deu ao reformar o modo como adoramos”.

“Levo a sério minha obrigação de avançar em um caminho que promova o retorno a uma forma unitária de celebração de acordo com as diretrizes de TC, mas, ao mesmo tempo, todos nós precisamos rezar, como Jesus fez na noite anterior à sua morte, para que todos sejam um”, escreveu.

Em dezembro de 2021, dom Blase Cupich emitiu uma nova política para a arquidiocese de Chicago que restringiu a celebração da missa tradicional em latim e outros sacramentos em latim usando livros litúrgicos anteriores ao Vaticano II. Sob a política, que entrou em vigor em 25 de janeiro de 2022, padres, diáconos e ministros ordenados que desejam usar o rito antigo devem enviar seus pedidos ao cardeal por escrito e concordar em cumprir as novas normas.

Como arcebispo, Cupich acolheu e celebrou a missa de um encontro de dois dias em março deste ano chamado Pope Francis, Vatican II and the Way Ahead (Papa Francisco, Vaticano II e o Caminho à Frente). Organizado pela Loyola University, uma universidade jesuíta de Chicago, o colóquio discutiu a "oposição a Francisco enraizada no abandono do Vaticano II".

O papa nomeou o arcebispo Augustine di Noia, também americano, para a Congregação para o Culto Divino, cargo que ele acumulará com o secretariado-adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé. Em uma entrevista de 2021 para o Catholic News Service, Di Noia celebrou a publicação de Traditionis custodes dizendo: “o movimento da missa tradicional em latim sequestrou as iniciativas de são João Paulo II e Bento XVI para seus próprios fins”.

O arcebispo de Porto Alegre, dom Jaime Spengler, também nomeado ontem para a Congregação para o Culto Divino proibiu a missa tradicional em sua arquidiocese em agosto de 2021, pouco depois da publicação do motu proprio do papa Francisco.

Em um documento datado de 27 de agosto de 2021, dom Jaime diz que, após ouvir o Conselho de Presbíteros, determina “que na arquidiocese de Porto Alegre se use somente a única expressão da lex orandi do Rito Romano, ou seja, os livros litúrgicos promulgados por são Paulo VI e são João Paulo II”.

Ontem, após a nomeação para o Culto Divino, dom Jaime Spengler, que também é primeiro vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) disse ter recebido a notícia com “surpresa”. Ele considerou uma “expressão de confiança do próprio papa no trabalho que estamos procurando desenvolver”.

Segundo ele, este dicastério “tem a missão de promover e cuidar da dimensão orante da Igreja”. Afirmou ainda que “a liturgia da Igreja é reflexo daquilo que caracteriza a fé que sustenta esta mesma Igreja”.

“Acolhemos a nomeação em espírito de serviço! Oxalá possamos, dentro de nossas limitações, colaborar para que brilhe sempre mais o rosto da Igreja, especialmente por meio do Culto Divino”, declarou.

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